Correio Braziliense
A presença de generais de alta patente no
banco dos réus é mais relevante que o eventual destino de Jair Bolsonaro.
Militares e civis precisam aprender a conviver no mesmo ambiente político
Jair Bolsonaro é um veterano frequentador de tribunais superiores na figura de réu. Ele está acostumado ao fugaz estrelato, seguido de acusações e julgamentos. Ainda militar, jovem, impetuoso, ameaçou jogar bombas na escola militar que frequentava por causa de baixos salários. Criou muita confusão, fez discursos em porta de quartel, tentou sublevar seus colegas de farda e acabou punido pela instituição com prisão e, posteriormente, julgamento, que deveria conduzi-lo à expulsão do Exército. Fez acordo com oficiais graduados e conseguiu ser colocado na reserva remunerada com a patente de capitão. Essa vida militar, rápida e tumultuada, o levou a descobrir as delícias da política.
Ele percebeu que, apesar de sua loucura, era
ouvido por militares e civis desgostosos com os rumos do país. Há malucos de
todos os calibres soltos na sociedade brasileira. Uns até juram receber o
espírito do saudoso Ulysses Guimarães. E há quem acredite. Mas Bolsonaro ficou
no plano terreno. Ele disse que os militares deveriam ter matado mais de 30 mil
brasileiros para restabelecer a ordem dentro do país. Fez reiterados elogios à
tortura e aos torturadores. Pleiteou o retorno do país aos tempos de AI-5 e da
censura da imprensa. E foi um presidente da República singular: não defendeu
seu povo na pandemia. Dizia que a covid era uma "gripezinha", que não
o afetaria porque tinha perfil de atleta. E, além disso, não tinha nada a ver
com a morte de milhares de brasileiros porque "não era coveiro".
Como um cometa da política, atravessou o
cenário brasileiro e desapareceu no horizonte das medidas judiciais. Um dia as
provocações contra os poderes institucionais deixaram de assumir o caráter
irresponsável para se transformar em pesadelo. Conheceu os limites. Disse que
não mais cumpriria decisões judiciais. Mas terminou sentado no banco dos réus.
Naquele instante, o Brasil deixou de pertencer ao reino do realismo fantástico
da América Latina para emergir como sociedade razoavelmente organizada sob o
controle das leis. Bolsonaro é um veterano frequentador de tribunais. Para ele,
é apenas mais um degrau no caminho do esquecimento. A Ação Penal 2.668 abre uma
nova página na história do país. Tempo novo, desconhecido e ainda por ser
explorado. As reações serão fortes, a começar pela obtusidade do atual governo
norte-americano.
Ele está inelegível, preso em casa e com
tornozeleira eletrônica à espera da condenação. Haverá esforço contrário, de
forças políticas que se sentem prejudicadas pelo simples fato de que, no
Brasil, existem leis que devem ser aplicadas a qualquer cidadão. Há uma antiga
tentativa de votar algum tipo de anistia para os que participaram do movimento
de 8 de janeiro de 2023. Quem esteve por perto viu que não foi um passeio no
parque, nem uma brincadeira de bêbados no domingo. Foi algo profissional, como
o arrombamento do teto do Congresso, que dá acesso ao Salão Verde e foi
alcançado graças a uma escada de cordas. Coisa de profissional. Antes ocorreu o
episódio da bomba no Aeroporto de Brasília. Os fatos foram largamente expostos.
Fugir deles é covardia. Eles são de uma clareza capaz de afetar até olhos menos
sensíveis.
O fato é que a República brasileira é, desde
seu primeiro dia, uma cascata de crises institucionais, que sempre opuseram
civis a militares. Há uma sucessão incrível de golpes, tentativas de golpes e
contragolpes ao longo dos anos republicanos no Brasil. O sistema
presidencialista é uma fábrica de crises. A Ação Penal 2.668 abre a perspectiva
única de que haja uma inflexão na história política do Brasil e o país se
encontre com suas realidades. A presença de generais de alta patente no banco
dos réus é mais relevante que o eventual destino de Jair Bolsonaro. O país,
afinal, coloca-se diante de seu verdadeiro problema institucional. Militares e
civis precisam aprender a conviver no mesmo ambiente político.
O inimigo brasileiro é externo. Não está
dentro do país, embora sempre existam traidores de todos os matizes. A moderna
questão nacional é o tráfico internacional de drogas, armas e de dinheiros
suspeitos que frequentam altas rodas da sociedade. O acordo entre União
Europeia e Mercosul, que está na véspera da aprovação, terá força para
modificar e modernizar a economia dos países do continente. Nele há uma
cláusula democrática. O Brasil precisa se livrar do passado autoritário e se
preparar para o novo tempo, que exige do governante decisões rápidas e
precisas. A missão da geração que realizou a Constituinte de 1988 se concluiu
no julgamento da Ação Penal 2.668. A partir de agora, há um mundo inexplorado à
frente dos políticos brasileiros. Compete a eles aproveitar ou não essa oportunidade
única.
Nenhum comentário:
Postar um comentário