sábado, 6 de setembro de 2025

Fim da impunidade. Por Aldo Fornazieri

CartaCapital

O STF tem o dever de fechar as portas ao golpismo que assola o País desde os primórdios do regime republicano

julgamento de Jair Bolsonaro e seus comparsas sinaliza para o fim da impunidade ao golpismo no Brasil. Entre as décadas de 1960 e 1980, a América do Sul foi marcada por ditaduras, várias delas patrocinadas pelos EUA no contexto da Guerra Fria. No Paraguai, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai e Argentina, os militares implantaram regimes autoritários que demonstravam uma articulação regional em torno de um modelo comum: repressão interna, violência política, eliminação de opositores e o combate a movimentos ligados aos interesses populares e à justiça social.

As ditaduras do Cone Sul se notabilizaram pela extrema violência. No Chile, mais de 3 mil opositores políticos foram assassinados, cerca de 40 mil sofreram medidas repressivas e, aproximadamente, 200 mil foram forçados ao exílio. Na Argentina, a repressão foi ainda mais brutal: os militares assassinaram cerca de 30 mil indivíduos. No Brasil, a Comissão Nacional da Verdade reconheceu 434 mortos e desaparecidos, além de estimar que ao menos 50 mil cidadãos foram vítimas de algum tipo de perseguição política. Há, porém, quem considere que esses números estejam subestimados.

Nos períodos pós-ditadura, os países sul-americanos seguiram caminhos distintos na responsabilização dos agentes do Estado que cometeram graves violações aos direitos humanos. Na Argentina, mais de 1,2 mil militares e civis foram condenados, muitos deles à prisão perpétua, incluindo integrantes da ­cúpula dos regimes ditatoriais. No Brasil, os condenados não chegam a cinco. Considerando os recursos judiciais, não há, a rigor, nenhum com sentença de prisão definitiva. A Lei da Anistia impediu que os responsáveis fossem punidos – um erro histórico, pois anistia não é pacificação, é estímulo ao crime. A impunidade mantém vivas as ameaças golpistas, como ficou evidente na conspiração liderada por Bolsonaro.

O julgamento do chamado “núcleo crucial” da intentona bolsonarista – a incluir o ex-presidente, generais e ministros – representa uma oportunidade histórica para o Brasil fechar as portas ao golpismo e estabelecer uma nova doutrina militar: apartada da política, orientada pelo profissionalismo e subordinada ao poder civil. Até porque, em uma República, é o povo que escolhe seus representantes nas urnas. A atividade militar deve ser compreendida como um serviço à nação e à sociedade. Os fardados não devem ser nem desprezados nem agraciados com privilégios, muito menos protegidos por mecanismos de impunidade.

Há provas robustas de que houve o planejamento de um golpe militar com o objetivo de manter Jair Bolsonaro no poder e impedir a posse dos eleitos, Lula e Alckmin. O plano também tinha, como um dos seus principais alvos, o Judiciário – especialmente o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral –, pois a ­anulação de seu funcionamento independente removeria os mecanismos de contenção institucional ao golpe.

No contexto do julgamento, o que está demonstrado é que o golpismo continua em andamento. Os bolsonaristas não aceitam submeter-se às instituições democráticas. Agem para coagir o STF ao poder arbitrário do governo Trump. Há poucos dias, tomaram de assalto a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, visando impedir o funcionamento da democracia. Foi uma continuidade do 8 de Janeiro. Querem impor uma anistia a qualquer custo, evadindo-se das responsabilidades pelos crimes que cometeram.

Com esse cenário de pressões e tensões, os julgadores do STF precisam ter o equilíbrio, a responsabilidade e a serenidade para produzir um resultado justo. Em caso de condenação, as penas não podem ser tão escassas que pareçam impunidade. E não podem ser tão excessivas que pareçam vingança. Precisam ser justas, pois só assim criarão as condições para conduzir o País, as opiniões e os grupos políticos à aceitação dos resultados.

O Brasil precisa aprender que o conflito é inerente à democracia, mas deve ocorrer dentro de critérios e limites compatíveis com o regime democrático. Os deputados precisam compreender que um Judiciário independente – guardião da Constituição e garantidor da constitucionalidade dos atos do Legislativo e do Executivo – é condição fundamental para a existência de uma república democrática. Essa é uma ordem política inegociável para aqueles que reconhecem que o processo civilizatório das sociedades caminha no ­sentido­ do universalismo dos direitos, da liberdade, da igualdade, da justiça e da preservação das condições de vida no planeta. •

Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.

 

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