Veja
Há vagas para todos, mas sem a
universalização da qualidade
Em nenhum momento os abolicionistas pensaram incluir um segundo artigo na Lei Áurea: “Fica instituído um sistema nacional de educação onde estudarão os filhos dos ex-escravizados e dos seus ex-proprietários”. As raríssimas vagas no Colégio Pedro II, no Rio, continuaram ocupadas pelos filhos dos nobres ou indicados pelo próprio imperador. Ao longo de século e meio, as forças políticas, mesmo as mais progressistas, pouco fizeram para corrigir a lacuna. As poucas vagas nas escolas públicas de qualidade — quase todas federais — se mantiveram reservadas para os filhos de pessoas influentes.
As pressões democratizantes levaram à troca
do critério de prestígio político por concurso para selecionar os alunos
conforme o conhecimento que traziam de casa. Foi um disfarce: ao adotar o
critério do mérito manteve-se a seleção beneficiando os filhos de pais
instruídos e com recursos. Certamente, é mais democrático escolher os melhores
do que privilegiar os apadrinhados, mas a verdadeira democracia estaria em
ampliar o número de vagas até universalizar a matrícula em escolas com a mesma
qualidade das federais.
A continuação das pressões levou à adoção do
sorteio para metade das vagas, reservando a outra parte para concurso. Para
disfarçar o desprezo à educação universal, substituiu-se o mérito pela loteria,
mas manteve-se a recusa de ampliar o número de vagas para todos.
A política educacional continuou sem considerar o gesto democrático de
garantir vagas em escolas de qualidade para todas as crianças, dando chance de
desenvolver talentos no interior da escola de qualidade, com equidade.
“As greves sacrificam os alunos que não podem
pagar por uma escola onde não haja greve”
Nos últimos anos,
para os que não passam no concurso de ingresso ou não têm sorte na loteria,
passou-se a oferecer vaga para todos, mas desprezou-se a universalização da
qualidade, mantendo o abismo da desigualdade, o que leva ao crescente número de
reprovações e consequente abandono escolar, especialmente entre os filhos das
camadas mais pobres. Há vagas para todos, mas raros permanecem e aprendem o que
é necessário para o mundo contemporâneo.
No lugar de ensino em horário integral ou de
dar atenção especial aos não aprovados, adota-se o explícito desprezo à
educação que caracteriza a chamada promoção automática. Promover sem
conhecimento, em vez de cuidar daqueles que não aprendem na idade certa, é um
gesto de inépcia com a educação de qualidade, disfarçado de empatia por aqueles
com dificuldades para aprender. Também é uma forma de discriminação social,
porque os ricos podem pagar para cuidar de suas deficiências, sem adotar
promoção automática.
Outra forma de preconceito social e desprezo
pela educação universal está nas constantes e longas greves de professores da
rede pública, jamais na rede privada, com o argumento de melhorar, mesmo
sabendo-se que as paralisações degradam a qualidade. Essa perda é disfarçada
com a ideia de reposição das aulas, tratando o aprendizado como uma linha de produção
industrial, como se o conteúdo de ensino pudesse ser reposto sem considerar a
psicologia do aluno para o aprendizado no momento certo. Ignora-se que essas
greves sacrificam justamente os alunos que não podem pagar por uma escola onde
não haja greve.
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