terça-feira, 2 de setembro de 2025

Como o Supremo pode julgar Bolsonaro e conter o bolsonarismo, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Promessa de indulto de Tarcísio vale tanto quanto uma nota de 30 e desespero de Bolsonaro o leva a procurar Lira por uma anistia

Supremo Tribunal Federal começa a julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro e a cúpula da trama golpista, mais da metade dos quais militares das mais altas patentes das Forças Armadas, sob a reiterada promessa de indulto do governador Tarcísio de Freitas.

O julgamento transformará Bolsonaro no nome mais poderoso da oposição até 4 de abril, quando se encerra o prazo para registro de candidaturas de uma disputa em que o antilulismo passa bem, obrigado. Como Bolsonaro terá que indicar o ungido, Tarcísio parece ansioso em persuadi-lo.

A promessa de indulto, porém, vale tanto quanto uma nota de 30. O ex-presidente baixou um decreto de indulto para o ex-deputado Daniel Silveira, ato sem precedente desde a Constituição de 1988. O Supremo o invalidou e o parlamentar continua preso. Como faz apenas dois anos dos fatos, parece improvável que o governador os tenha esquecido. Como foi Bolsonaro quem teve seu ato revisto, tampouco deve acreditar em Tarcísio.

Se o bolsonarismo espera contar com o voto de Luiz Fux para um eventual indulto, além do pedido de vista, vai precisar torcer para que o ministro se desdiga. “Crime contra o Estado Democrático de Direito é um crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado Democrático de Direito é uma cláusula pétrea que nem mesmo o Congresso Nacional, por emenda, pode suprimir”, votou Fux, na mesma linha dos colegas, à exceção de André Mendonça e Nunes Marques, vencidos.

Um indulto de Tarcísio ainda levaria à indisposição de um presidente eventualmente eleito com a principal Corte do país, a julgar pela denominação dada pelo ministro Gilmar Mendes à graça presidencial: “É uma peça vulgar de puro proselitismo político, cujo efeito prático é o de validar expedientes subversivos praticados pelo agraciado em detrimento do funcionamento de instituições centrais da democracia”.

Como Donald Trump não foi capaz de barrar o julgamento, não dá pra acreditar em Tarcísio e o presidente da Câmara, Hugo Motta, fechou as portas à anistia depois do “8 de janeiro de paletó”. Bolsonaro recorreu ao ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). Só isso pode ter levado sua defesa a pedir que o deputado o visitasse horas antes do início do julgamento.

Atribui-se ao antecessor de Motta o poder de conter a baderna com a promessa de que seriam pautadas anistia e PEC da blindagem. Lira fez fama de cumpridor da palavra empenhada, mas custa a crer que tenha gordura acumulada na relação com o Supremo para manter esta.

O cerco para Bolsonaro se fecha também no Congresso. Está em curso um movimento que impacta o arranjo das bases políticas do pós-bolsonarismo em torno do governador paulista. Entrou na pauta de votação do Senado nesta terça o projeto que tipifica o devedor contumaz. Ao longo dos oito anos em que o Congresso permaneceu sentado sobre o tema, o crime organizado pegou carona no flanco aberto pelos devedores contumazes para se espraiar na economia formal.

Se o relator, Efraim Filho (União-PB), como esperado, rejeitar as emendas do senador Ciro Nogueira (PP-PI), está carimbada a tentativa da Casa, e do seu presidente, senador Davi Alcolumbre (União-AP), de se dissociarem do parlamentar que, até aqui, atuou de maneira mais desabrida, em defesa dos interesses dos devedores contumazes, particularmente aqueles do setor de combustíveis.

Duas emendas suas a este projeto, que é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), excluem o setor de combustíveis dos ditames da lei e ainda convoca o parecer das agências reguladoras, as mesmas que facultaram o licenciamento de distribuidoras carimbadas pelos vícios do crime organizado.

Neste domingo, o senador, ao tomar conhecimento de reportagem do ICL sobre um suposto pagamento de propina de um dos foragidos da operação Carbono Oculto, mandou um ofício ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, em que colocou seus sigilos à disposição. O único meio para se ir em frente nesta investigação é pela abertura de um inquérito com o oferecimento de uma denúncia pelo procurador-geral da República que venha a ser acolhida pelo STF.

A repercussão deste ofício pelos pares, que o rotularam de precipitado e arriscado, ofuscou até mesmo a expectativa em torno do julgamento. O senador estaria a arrumar encrenca pelos próximos anos. E não lhe faltam exemplos no seu entorno a desaconselhar o movimento.

Em 2007, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) era presidente da Casa quando foi atingido pela denúncia de que um lobista estaria a pagar suas despesas pessoais. Também se arvorou a pedir a abertura de inquérito. A denúncia foi apresentada pela PGR, o Supremo a acolheu e levou 11 anos para julgá-la improcedente.

Com as promessas de Tarcísio desmascaradas, Bolsonaro recorrendo a um potencial réu do STF por anistia e o Senado dando as costas ao principal operador da direita no Congresso, Bolsonaro chega ao julgamento não apenas ante uma condenação previsível mas com pouca chance de revertê-la.

Daí porque a responsabilidade dos ministros em conduzir um julgamento com sobriedade aumenta. Este STF já fez história ao julgar um ex-presidente e generais por tentativa de golpe de Estado. De tão substantivas as provas, já dá para conjugar Bolsonaro no passado. Quanto mais açodá-lo em praça pública, mais futuro o Supremo concederá ao bolsonarismo.

 

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