terça-feira, 2 de setembro de 2025

Um convite à bandidagem, por Chico Alencar

O Globo

No Parlamento, há muitas iniciativas que podem contribuir para a lisura pública. Ou para sua opacidade

Há muitos modos e meios de o crime organizado se infiltrar na política institucional. A megaoperação contra o PCC — do Ministério Público, da Polícia Federal, da Receita Federal, da União e de estados — escancarou um esquema gigantesco: entre 2020 e 2024, foram R$ 52 bilhões “lavados” ou sonegados em postos de combustíveis e usinas, além de recursos passando por fintechs e fundos da Faria Lima — movimentações que somam até R$ 140 bilhões.

Não é apenas caso de polícia: quando o crime organizado entra no coração financeiro do país, contamina também a política. Como isso se dá já há tanto tempo? Financiando candidaturas, apresentando ou barrando projetos de lei, propondo emendas. O jornalismo investigativo e organizações de defesa da ética pública revelarão quem são esses “legisladores” das negociatas. Há Excelências “sensíveis” a excrescências e, “com gravata e capital”, acreditam que nunca se darão mal...

Combater isso exige, além da consciência cidadã, transparência total, regulação firme do sistema financeiro e defesa inequívoca do financiamento público e austero de campanhas — para que o poder econômico, legal ou ilegal, não siga sequestrando o Estado brasileiro.

A Receita Federal já regulamentou o enquadramento das fintechs como instituições financeiras, obrigando-as a cumprir as mesmas regras dos grandes bancos, inclusive na prestação de contas e no uso de inteligência artificial para detectar lavagem de dinheiro.

O desafio agora é aprovar uma Lei Antimáfia, cujo projeto o Ministério da Justiça finaliza. Atenção: haverá quem questione sua urgência e os que proporão emendas que desfigurem seu objetivo. Urge garantir que a democracia pese mais que o dinheiro sujo, com seu poder dissolvente.

No Parlamento, há muitas iniciativas que podem contribuir para a lisura pública. Ou para sua opacidade, amparando “tenebrosas transações”. Que, quando flagradas, enchem bolsos e esvaziam a já débil credibilidade dos partidos e da política.

A subsecretária de fiscalização da Receita, Andrea Chaves, lembra que a fake news do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) sobre a “taxação do Pix” — com mais de 200 milhões de visualizações — pressionou pela revogação da norma que ampliaria a supervisão das fintechs, de que o governo, no início do ano, recuou. Com isso, garantiu-se, por meses, a manutenção de caminhos livres para fraudes e esquemas bilionários como esse do PCC, recém-desmantelado.

O esquema espúrio intoxica o Legislativo. PL e Centrão assumiram publicamente a “necessidade premente” da votação da mal chamada “PEC das Prerrogativas” — reforço da autoproteção e blindagem dos parlamentares, com apequenamento do Judiciário e do Ministério Público. Um habeas corpus preventivo e permanente.

Há pouco, houve interrupção por quase dois dias dos trabalhos do Congresso, ato indecoroso e violento (que, aliás, o corporativismo tende a esquecer). Tudo para aprovar uma “anistia” a quem atentou contra o Estado Democrático de Direito, crime que nenhum “chefe” reconheceu ou de que se arrependeu. Outro pleito dos “bloqueadores” era para garantir, a toque de caixa, o desaforo do fim do foro e a PEC da Blindagem. Um convite à criminalidade:

— Venha para o manto protetor dos mandatos políticos. É segurança para as negociatas!

Mas coincidiu, felizmente, com a Operação Carbono Oculto. Ela adiou, por enquanto, essa tentativa de, com a máscara da “imunidade”, consagrar a impunidade e a “gangsterização” da política. O julgamento final do núcleo crucial do golpismo e o virtuoso golpe sobre o PCC, com seus vínculos no “andar de cima” e dutos na política partidária, provam que é possível, na nossa maltratada República, chegar a outro patamar.

 

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