Folha de S. Paulo
O poder necessário para se vencer uma nova ameaça torna-se ele próprio uma ameaça
Bolsonaro será condenado. Alguém tem alguma dúvida? Há críticas válidas a diversos aspectos do julgamento —como se explica, por exemplo, que o alvo de tentativa de assassinato esteja julgando os mandantes? Nada disso muda, contudo, os fatos inegáveis de que o ex-presidente se sentou com generais para persuadi-los a impedir a posse do novo governo, que sua PRF tentou impedir eleitores de votar, que ele e seus asseclas travaram uma campanha mentirosa para desacreditar o resultado das urnas e que, por fim, alimentaram o extremismo fanático dos acampados na frente dos quartéis. Fizeram por merecer o que virá.
A partir daí, contudo, as linhas divergem.
Nada pôde impedir Trump de concorrer de novo; ele venceu, coroou-se presidente
pela segunda vez e leva adiante um mandato que atropela regras estabelecidas,
enquanto Congresso e Suprema Corte permitem submissos os planos de um
Presidente que vai se tornando imperador. No Brasil, existe uma Justiça
Eleitoral que tornou Bolsonaro inelegível. E existe um Supremo que julga os
crimes da lei do Estado democrático de Direito.
A condenação não será o fim imediato das esperanças dos Bolsonaro. Elas se
concentrarão em duas frentes: uma é Trump. Alguma ele deve aprontar. Emitirá
novas sanções Magnitsky? Suspenderá o visto de mais autoridades? Impedirá
turistas brasileiros de irem à Copa? Seja o que for, é improvável que funcione.
No fim, será mais palanque para Lula falar
de soberania.
A outra frente é o projeto da anistia no Congresso. Só que há um pequeno
inconveniente: ela terá que passar pelo crivo do Supremo. E qual a chance do
Supremo permitir? O argumento já está desenhado: anistia não vale para crimes
contra a democracia.
Se, num ato de revolta, o Congresso tentar o impeachment de algum ministro, lá
estará novamente o Supremo para dizer se o impeachment vale ou não. Já sabemos
o resultado. A temperatura da opinião pública vai subir a cada nova negação
jurídica daquilo que os representantes do povo votam.
O prognóstico para Bolsonaro, assim, não é positivo. Virada essa página, o fim
da ameaça golpista nos obrigará a enfrentar o novo problema: o Supremo
hipertrofiado. Tanto o New York Times quanto a The Economist apontam que o
Supremo acumulou poder demais e vem protagonizando abusos. É um drama tão
antigo quanto a humanidade: o poder necessário para se vencer uma nova ameaça
torna-se ele próprio uma ameaça.
Até agora, praticamente todos os ministros cerraram fileiras com Moraes, mesmo
nas decisões mais controversas. Já passou da hora de mais vozes críticas
internas se manifestarem. 2026 está aí: Bolsonaro não será candidato, mas o
espírito contestatório que o elegeu estará forte. Vivemos o período de
democracia ininterrupta mais longevo de nossa História. Para evitar novas
conflagrações, será preciso que cada Poder volte a seu lugar.
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