quinta-feira, 18 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Senado tem dever de barrar PEC da Blindagem

Por O Globo

Na prática, texto aprovado na Câmara transforma parlamentares em cidadãos acima da lei

Motivos não faltam para o Senado rejeitar ou engavetar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, aprovada na Câmara. A PEC abre caminho à impunidade no Congresso. Ao exigir licença da respectiva Casa para abertura de processos criminais contra parlamentares e ao incluir os presidentes de partidos políticos entre os submetidos ao foro do Supremo Tribunal Federal (STF), o texto tira do Judiciário autonomia para julgá-los. Na prática, transforma os ocupantes de cargos eleitos em cidadãos acima da lei. Basta lembrar que, ao longo dos 13 anos em que vigorou regra semelhante, apenas um parlamentar foi processado.

Felizmente o senador Otto Alencar (PSD-BA), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, declarou que a PEC não passará “de jeito nenhum”. Mas é preciso que as lideranças da Casa tenham o bom senso de lhe fazer coro. O texto aprovado pelos deputados é indefensável. Trata-se de um caso típico de legislação em causa própria. Enquanto todos os demais brasileiros seguem sob o império da lei, os congressistas poderão contar com a compreensão dos colegas de trabalho e driblar qualquer ação penal.

A PEC também determina que parlamentares só poderão ser presos em flagrante em caso de crime inafiançável. Se acontecer uma prisão, os autos deverão ser enviados em 24 horas ao Supremo e ao Congresso. Câmara ou Senado terão de aprovar ou rejeitar a prisão por maioria absoluta em até 90 dias. A votação será secreta, incentivando a leniência. Se a autorização for negada, o parlamentar pego em flagrante ficará solto até o fim do mandato. Difícil pensar em regra mais favorável à impunidade. Além disso, instâncias inferiores não poderão mais expedir medidas contra parlamentares em processos civis, como bloqueio de bens em casos de improbidade administrativa.

O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), tentou como pôde justificar o injustificável. Mencionou compromisso com a autonomia dos mandatos. Ora, a PEC nada tem a ver com a independência dos congressistas. Parlamentares de todas as linhas políticas contam com amplos direitos para defender as ideias que quiserem, e seu discurso é protegido pela Constituição. A preocupação com a liberdade parlamentar, resultado da reação ao período da ditadura militar, criou não apenas a imunidade que vigorou de 1988 a 2001, mas também impunidade. Hoje o argumento de Motta é ainda mais descabido. Com o crime organizado faturando bilhões e marcando presença no Legislativo, é uma irresponsabilidade apostar em barreiras ao alcance da lei. Sem falar nas suspeitas de corrupção envolvendo emendas parlamentares.

A PEC da Blindagem não é a primeira a afrontar a lógica e também o interesse dos brasileiros. “Imprescindível para a democracia, o Congresso precisa demonstrar que não é útil apenas para si. Sem isso, põe em risco a própria democracia”, escreveu o cientista político do Insper Carlos Melo em artigo no GLOBO. “Conforma-se uma maioria devastadora, autônoma em relação à sociedade, crente de que seu poder se sobrepõe à própria Constituição, alvo recorrente de ameaças feitas em nome da conveniência dessa maioria.” Para resguardar o Congresso de um vexame, os senadores deveriam dar um fim à ideia de transformar o Parlamento em refúgio para criminosos.

Incerteza recomenda cautela para decisões futuras sobre juros

Por O Globo

Cenário diante do Copom pode favorecer antecipação de cortes, mas não justifica complacência

Não houve surpresa na decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) que manteve a taxa básica de juros, a Selic, em 15% ao ano — patamar mais alto em quase duas décadas. Ainda que o juro real continue em nível só superado pela Turquia — perto de 10%, descontada a inflação —, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é otimista. “Vamos entrar numa trajetória de queda de juros com sustentabilidade”, afirmou. E disse que, ao fim do atual governo, a inflação será a menor já registrada num mandato desde o Plano Real. Apesar do êxito da política monetária no controle da inflação, a incerteza persiste — e recomenda cautela para futuros movimentos.

Haddad tem, é verdade, argumentos em seu favor. A inflação vem caindo consistentemente desde fevereiro, houve deflação de 0,11% em agosto, e as expectativas para o futuro estão em queda — embora acima da meta (3%) e do teto de tolerância (4,5%). O arrefecimento da atividade econômica por três meses consecutivos, registrado nos números do PIB, dá mais latitude para o BC ensaiar um movimento de corte nos juros sem receio de superaquecer a economia. Por fim, a inflação no Brasil se beneficia da queda do dólar — cotado nesta semana no nível mais baixo desde junho do ano passado — e da redução dos juros nos Estados Unidos. Ontem, em meio à crise desencadeada pela tentativa de intervenção de Donald Trump na política monetária, o Federal Reserve cortou a taxa pela primeira vez neste ano, para 4,25%.

Só que também há razões convincentes para o Copom ser cauteloso. O mercado de trabalho continua aquecido, e o desemprego atingiu no trimestre encerrado em julho o patamar mais baixo na série histórica do IBGE — 5,6%, ante 6,6% no trimestre anterior. Os empregados no setor privado e com carteira assinada alcançaram níveis recordes. A massa de rendimento cresceu 6,4% neste ano e 2,5% no trimestre, alcançando R$ 352,3 bilhões. Há aí enorme contribuição da valorização real do salário mínimo e dos programas sociais e previdenciários do governo. A renda bruta das famílias subiu de R$ 612,2 bilhões em janeiro de 2023 para R$ 763,8 bilhões em junho deste ano. É evidente que todo esse dinheiro exerce pressão inflacionária. Para não falar em toda a incerteza trazida pelo cenário externo, com o tarifaço e movimentos erráticos de Trump.

Não se justifica, portanto, nenhuma complacência. O voluntarismo monetário costuma custar caro, e nada é pior para a “sustentabilidade” de que fala Haddad do que o populismo. O governo resiste a fazer um ajuste fiscal que, este sim, permitiria a queda sustentável do juro real. Com isso, deixa todo o serviço de controle da inflação para o BC. Que a autoridade monetária continue a fazer sua parte não exime o Executivo de responsabilidade. Um bom começo seria desvincular os reajustes da Previdência do salário mínimo. Então o Tesouro precisaria tomar menos dinheiro emprestado para pagar as contas, naturalmente o juro poderia cair, e o otimismo de Haddad estaria plenamente justificado.

Câmara ofende a sociedade com PEC da Blindagem

Por Folha de S. Paulo

Proposta prevê barrar processos contra parlamentares ao exigir aval do Legislativo com votação secreta

Objetivo é limitar ações sobre desvios em emendas; Senado deveria rejeitar a PEC para recuperar um mínimo de probidade para o Congresso

Segundo o Datafolha, 8 em cada 10 brasileiros avaliam que o Congresso Nacional atua mais em prol de seus interesses do que em favor da sociedade. Corroborando de forma inequívoca essa percepção, deputados federais aprovaram integralmente na quarta-feira (17) a chamada PEC da Blindagem.

A nova proposta de emenda constitucional é uma ofensa aos eleitores e contribuintes, cada vez mais sequiosos de transparência no trato da coisa pública. Sobretudo quando se trata de uma estrutura parlamentar que consome R$ 15 bilhões por ano e que figura entre as mais dispendiosas do mundo.

A PEC da Blindagem amplia o foro especial a deputados e senadores e os protegerá não apenas em relação a investigações criminais, mas abre brecha nas ações cíveis, algo inédito.

Em decisão esdrúxula, os deputados ainda estenderam o foro especial no Supremo Tribunal Federal a presidentes de partidos políticos com representação no Congresso, mesmo que não tenham mandato parlamentar.

O texto tem como principal objetivo dar ao Congresso o poder de barrar processos criminais no STF contra deputados e senadores ao exigir licença prévia do Legislativo. Essa autorização será deliberada pela respectiva Casa em até 90 dias, a contar do recebimento da ordem do Supremo.

O que é pior, isso será feito em votação secreta, escondendo da sociedade quais parlamentares votarão para impedir que colegas sejam investigados.

Esse ponto crucial da PEC havia sido derrubado por partidos de esquerda em consulta na terça (16), mas acabou voltando depois com uma manobra do centrão apoiada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), por meio de uma emenda aglutinativa que recuperou o termo "votação secreta".

O expediente recebeu 314 votos favoráveis e 168 contrários. O texto principal, aprovado em dois turnos um dia antes, também passou por ampla maioria, inclusive com votos de petistas.

O propósito primordial do centrão, grupo de direita e centro-direita com maioria na Câmara, é blindar parlamentares em mais de 80 investigações no Supremo envolvendo suspeita de corrupção com verbas de emendas, que movimentam cerca de R$ 50 bilhões todos os anos.

A PEC também prevê votação secreta para autorizar prisão em flagrante de deputados e senadores e ampliou o quórum exigido para que isso ocorra.

A proposta agora segue para o Senado, onde precisa ser aprovada também em dois turnos para ser promulgada e entrar em vigor, não cabendo sanção ou veto do presidente da República.

A PEC tem apoio mais envergonhado dos senadores, que avaliam desacelerar a tramitação após avalanche de críticas em redes sociais. Se tiverem decência, eles deveriam enterrar de vez o projeto para tentar recuperar um mínimo de probidade que tanto falta ao Congresso Nacional.

Invasão da Cidade de Gaza expõe Netanyahu sem freios

Por Folha de S. Paulo

Premiê contraria seu Exército e lança ofensiva com potencial desastroso em território arrasado

Ação coincide com divulgação de relatório que acusa Israel de genocídio, empurrando cada vez mais o país para o isolamento mundial

Sem contrapesos efetivos na política doméstica e amparado pelo apoio incondicional dos Estados Unidos, o premiê Binyamin Netanyahu vive um momento de fúria, ampliando o escopo e a intensidade das guerras empreendidas por Israel desde 7 de outubro de 2023.

Naquele dia, a justiça estava a seu lado. O Estado judeu havia sofrido o maior ataque de sua história, com 1.200 mortos e 251 sequestrados em uma ação brutal do grupo terrorista Hamas, que governava a Faixa de Gaza com mão de ferro desde 2007.

Mesmo usuais críticos de Israel na Europa respaldaram a punição à organização palestina. O prolongamento do conflito, entretanto, tornou o foco de sua justificativa cada vez mais difuso.

Tel Aviv dedicou-se a um acerto de contas com seus adversários que orbitam o Irã. Houve queixas, mas poucos se opuseram: como disse o primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, Israel estava "fazendo o serviço sujo por todos nós" quando atacou a teocracia de Teerã em junho.

Antes dessa etapa, uma campanha inconclusa com vitória tática de Israel e dos EUA, foram alquebrados Hamas e Hezbollah libanês. De forma indireta, os conflitos levaram à queda da ditadura síria, centro logístico dos iranianos, e os rebeldes houthis do Iêmen seguem sob pressão.

O sucesso militar fez Netanyahu —que, sem a guerra, estaria só preocupado com sua defesa num caso de corrupção e talvez sem o cargo— buscar mais. No afã de agradar à sua base radical, que o mantém no poder, aderiu de vez aos seus ímpetos expansionistas, da Cisjordânia ao sul sírio.

Sem freios, bombardeou Doha, onde está a liderança exilada do Hamas, algo antes impensável devido ao fato de que o Qatar age como mediador no conflito e é aliado dos EUA —a maior base americana no Oriente Médio fica no emirado. Paz mais ampla na região tornou-se inviável.

Agora, Netanyahu volta a Gaza, com operação tão irresponsável de ocupação da capital homônima que até seu Estado-Maior a desaconselhou. A tragédia humanitária, já aguda numa guerra que o Hamas diz ter vitimado 65 mil palestinos, tende a se agravar sem vislumbre do fim da crise.

Ganhará destaque um relatório encomendado pela ONU, mas que não reflete a posição do órgão, que acusa Israel de genocídio em Gaza. Como sempre, Tel Aviv deu de ombros, apontando parcialidade e antissemitismo.

Se os critérios para a imputação do crime são discutíveis, é certo que Netanyahu empurra cada vez mais Israel para o isolamento mundial.

Diferencial de juros tem efeito importante no Brasil

Por Valor Econômico

O Fed cortou sua taxa de juros pela primeira vez no ano, enquanto o BC manteve a do Brasil entre uma das maiores taxas reais do mundo

O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) reduziu a taxa de juros pela primeira vez no ano, para 4%-4,25%, com uma grande dispersão sobre qual a trajetória futura dos fed funds. Nove dos 18 membros votantes do Comitê de Mercado Aberto vislumbraram mais dois cortes no ano. A decisão reflete o dilema que aflige o banco, o de os dois pontos principais de seu mandato estarem caminhando em sentidos opostos, com a inflação em alta e o emprego em baixa. O Banco Central do Brasil, como esperado, manteve a taxa Selic em 15%, diante de um mercado de trabalho ainda exuberante, desemprego na mínima histórica e inflação acima da meta e desancorada. O “gap” maior entre as taxas aqui e nos EUA traz efeitos importantes para a economia brasileira.

A reunião do Fed foi uma das mais difíceis desde a pandemia, e não apenas pela dificuldade de traçar um cenário prospectivo em um ambiente marcado por incertezas, em especial pelo tarifaço imposto pelo governo americano. A divergência sobre o corte imediato de 0,25 ponto percentual, no entanto, foi menor que na reunião anterior de julho. Dois diretores indicados por Trump, que abriram dissidência em julho, concordaram com a decisão. Apenas Stephen Miran, presidente do conselho econômico da Casa Branca, recém-colocado no Fed por Trump e aprovado pelo Senado na véspera, votou por redução de 0,5 ponto. A discordância se deu mais sobre os rumos futuros da política monetária. Um membro votou por manter a taxa de juros; seis deles, por nem uma outra redução até o fim do ano; dois, por duas; oito, por três; e um, para colocar a taxa abaixo de 3%. A taxa de longo prazo é de 3%.

Em seu discurso em Jackson Hole em 22 de agosto, o presidente do Fed, Jerome Powell, indicou a guinada na avaliação do balanço de riscos com preocupação maior em relação à fraqueza do mercado de trabalho. O comunicado do Fed de ontem menciona que, nesse balanço, “os riscos de maior desemprego aumentaram”, ainda que ele “continue baixo”. A avaliação prospectiva do emprego não deixa de ser curiosa ou até incongruente segundo o “gráfico de pontos” que reúne as projeções dos membros do Fomc. Ela não mudou no resto do ano — a taxa de desemprego estimada é de 4,5%, pouco acima dos 4,3% registrados em agosto. Ela diminui no ano que vem para 4,4% e cai mais ainda em 2027, para 4,3%, uma das menores da história. A tendência de longo prazo projetada é de 4,2%. Uma parte da explicação pode estar na projeção de um PIB maior neste ano e no ano que vem (1,6% e 1,8%).

A inflação, mesmo com as tarifas de Trump, se situará pouco acima dos 2,9% de agosto (3% no fim do ano), ainda estará longe da meta em 2026 (2,6%) e só se aproximará dela em 2027 (2,1%). A estimativa do núcleo dos gastos pessoais do consumo, medida preferida do Fed, não variou e é de 3,1% em 2025.

A mudança exposta por Powell foi circunstanciada e cheia de condicionantes. Ainda que a oferta de empregos tenha declinado significativamente, fatores estruturais, como os demográficos, e especialmente conjunturais, como os ferozes “raids” contra os imigrantes no país, reduziram o estoque de mão de obra. A demanda por trabalho, por seu lado, também encolheu.

O outro prato da balança do mandato do Fed, no entanto, se deslocou para cima. A inflação de gastos pessoais de consumo atingiu 2,9% em agosto, e a evolução dos preços dos serviços se mantém incompatível com a convergência para a meta de 2%, não atingida em quatro anos. Powell voltou a levantar a hipótese de que o tarifaço de Trump seria uma “mudança única” sobre o nível de preços, mas que isso não era de forma alguma uma certeza. Os preços continuam subindo e o “pass-through” das taxas de importação está se acelerando, à medida que os estoques domésticos estão se reduzindo, bem como a capacidade de empresas e importadores de absorverem o aumento de custo sem repassá-los adiante. A disseminação desses aumentos pelo resto da economia é uma possibilidade da qual o Fed não pode se descuidar.

O Fed não mencionou, mas estão no horizonte relevante para a política monetária os estímulos programados para a economia com a entrada em vigor do pacote de redução de impostos aprovado pelo Congresso, que estimulará a economia e pode ser um obstáculo para quedas adicionais da inflação. Joga também contra a diminuição dos juros o enorme déficit fiscal, de US$ 37,5 trilhões, que Trump espera erroneamente conter com a arrecadação das tarifas.

A sinalização de pelo menos mais um corte até o fim do ano torna mais atraente os investimentos de risco, especialmente em países como o Brasil, que tem uma das maiores taxas reais do mundo e cujo diferencial em relação aos EUA aumentou. Ontem o BCB decidiu manter a Selic em 15%, diante da inflação desancorada e do ritmo da economia, acima de seu potencial. Houve progressos na inflação, mas ainda são modestos para assegurar a meta de 3%, o que só deverá ocorrer ao longo de 2027. O Copom não deu sinais de que vá reduzir a Selic tão cedo e a diferença de juros com os EUA tende a crescer , atraindo mais capitais de curto prazo e valorizando adicionalmente o real, dando ajuda valiosa para diminuir a inflação.

A Câmara esbofeteia o Brasil

Por O Estado de S. Paulo

Ao aprovar PEC da Blindagem, Câmara transforma mandatos em escudos de impunidade, violenta a Constituição, trai a representação popular e abre as portas do Congresso para o crime organizado

A Câmara escreveu uma das páginas mais vergonhosas de sua história ao aprovar, no dia 16 passado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, a chamada PEC da Blindagem. Como se sabe, pretende-se tornar deputados e senadores praticamente inimputáveis ao impedir que sejam investigados, processados e até presos em flagrante por crime inafiançável sem que para tanto haja licença prévia de suas respectivas Casas Legislativas. Há poucos dias, o Estadão revelou que entre 1988 e 2001, período em que a licença prévia vigorou no País, só uma mísera vez o Congresso autorizou que um de seus membros fosse investigado pelos crimes de que foi acusado. O que reinou foi o espírito de corpo, quando não o compadrio.

Não satisfeitos em esbofetear a sociedade legislando escancaradamente em causa própria, mais de 340 deputados ainda violentaram a Constituição em seu princípio mais elementar – a igualdade de todos perante a lei. Até para os padrões desta legislatura é espantosa a desfaçatez com que a Câmara traiu sua missão de ser “a tribuna onde a Nação fala”, para lembrar Ruy Barbosa, um gigante do Parlamento brasileiro. Sob a falsa justificativa de proteger o mandato parlamentar de supostos “abusos” e “atropelos” que teriam sido cometidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os deputados decidiram colocar-se acima da lei, nada menos, furtando-se em responder pelos crimes que vierem a cometer.

Nesse sentido, a PEC da Blindagem, que bem poderia ser chamada de PEC da Impunidade, deve ser vista como um ataque frontal à democracia representativa. Se promulgada, estará criado o ambiente no qual bandidos poderão ficar impunes apenas porque lograram obter um mandato eletivo. Deputados de todos os matizes ideológicos, do governo e da oposição, deram-se as mãos para escarnecer dos eleitores.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), um anão diante da grandeza institucional do seu cargo, abusou da má-fé e afrontou a inteligência alheia em seu discurso em defesa da PEC da Blindagem. Em tom solene que mal escondia a desfaçatez, Motta ignorou a história da Nova República e distorceu o contexto da Assembleia Nacional Constituinte disseminando a lorota de que a Casa, ora vejam, só estaria restaurando o texto original da Carta de 1988. É preciso recordar, então, que o dispositivo da licença prévia, àquela época, era a resposta idealizada a um momento da vida nacional totalmente distinto. O Brasil mal havia saído de uma ditadura militar. Os constituintes originários buscavam proteger o mandato parlamentar de eventuais arbitrariedades em uma transição de regime ainda em andamento.

A realidade hoje é completamente diferente. O regime democrático está consolidado. Parlamentares já têm assegurada pela Lei Maior a inviolabilidade civil e penal por suas opiniões, palavras e votos. Ademais, há quase 40 anos, o País não estava assolado pela infiltração de organizações criminosas de caráter mafioso no sistema político nem tampouco pela rapinagem de recursos bilionários do Orçamento por meio de emendas parlamentares – é contra a investigação desses desvios que os deputados querem se proteger.

Como se nada disso bastasse, a PEC da Blindagem ainda é um convite para que membros de facções como o PCC e o Comando Vermelho entrem no Congresso pela porta da frente. Se antes as organizações criminosas já exploravam o mandato de maus parlamentares como espécie de casamata em defesa de seus interesses no Legislativo, agora têm o incentivo adicional para financiar candidaturas de seus próprios gângsteres e, assim, blindá-los do alcance da lei sem intermediários. O que a Câmara aprovou, portanto, foi um programa de fomento à criminalidade política no País.

Agora resta torcer para que o Senado se erga como o adulto na sala desta república tão maltratada e enterre de vez a ignomínia que passou na Câmara, resgatando alguma aura de decência para o Congresso perante a opinião pública. A democracia brasileira estará novamente sob risco se a Casa Alta for cúmplice de uma delinquência política, nada menos. Não à toa, a eleição para o Senado no ano que vem tem despertado a atenção de muita gente – não necessariamente gente bem-intencionada.

O risco de esvaziamento da COP-30

Por O Estado de S. Paulo

Precariedade e problemas logísticos ameaçam afastar muitos países da conferência do clima em Belém, o que pode inviabilizar a tomada de decisões que precisam de quórum para valer

A ameaça real de insuficiência de quórum para referendar decisões contra o aquecimento global deixa a vindoura conferência mundial do clima no Brasil na iminência de um retumbante fiasco.

O limite mínimo de participação na COP para as deliberações é de 130 países. A menos de dois meses do evento, faltam quase 60 para alcançá-lo, fato inédito em 30 anos de Conferências das Partes. Mesmo que o quórum seja alcançado, o debate já se anuncia prejudicado pelo enxugamento compulsório das delegações e pela baixa probabilidade de que as adesões se aproximem do potencial máximo, como tem sido a tradição dos encontros da ONU para unificar o combate à degradação ambiental.

A pior face de um eventual “apagão decisório” é que o risco não se deve a visões divergentes em torno de propostas objetivas – debates que seriam naturais nesta etapa preparatória, mas que nem sequer entraram em pauta. E tudo porque o Brasil ainda não conseguiu resolver os problemas logísticos derivados da escolha de Belém para sediar o encontro. A justa ambição de fazer da conferência em Belém a “COP da Amazônia” pode se transformar num pesadelo histórico, porque a reunião, nas atuais circunstâncias, tende a ser a menos representativa da História. Ao que parece, o governo de Lula da Silva ficou mais preocupado com o marketing da “COP da Amazônia” do que com a conferência em si mesma.

Estão habilitadas a participar da COP 198 partes (países e a União Europeia), signatárias da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Como mostrou reportagem do Estadão, até hoje as regras de votação para validar decisões da conferência – dois terços das partes, ou 130 participantes – nem sequer eram motivo de preocupação prévia em razão do alto quórum de todas as COPs. As que trouxeram os compromissos mais relevantes tiveram comparecimento praticamente integral, como a COP-21, de 2015, na França, que, com 195 signatários, instituiu o Acordo de Paris, com metas de limitar o aquecimento global a 1,5°C.

A decisão de Donald Trump, negacionista climático convicto, de sair (mais uma vez) do Acordo de Paris foi um golpe para a representatividade da COP sediada pelo Brasil, ainda que não esteja completamente afastada a participação de uma delegação técnica norte-americana e que vários Estados e empresas demonstrem disposição em seguir o pacto ambiental a despeito do decreto de Trump, como afirmou o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP-30. O fato é que o peso do desfalque do governo dos Estados Unidos é inegável, sobretudo nos debates sobre o financiamento necessário ao combate às mudanças climáticas, diante da reiterada pregação trumpista de reprimir a adoção de restrições ambientais.

Mas quando o decreto foi assinado por Trump, em janeiro deste ano, a organização da COP-30 já era alvo de inúmeras críticas em relação à falta de infraestrutura para sediar a conferência. O governo Lula da Silva, aliás, anunciou apenas naquele mês o nome de Corrêa do Lago para presidir o evento, apesar de a escolha de Belém como sede ter acontecido – com o foguetório de sempre – mais de um ano antes, em dezembro de 2023. Os protestos, envolvendo principalmente os altíssimos preços de hospedagem, cresceram de tom ao ponto de representantes de mais de 20 países terem entregado, em julho, um documento pedindo a mudança de sede. A carta era assinada tanto por países mais pobres, como o coletivo Países Menos Desenvolvidos, como ricos, como Canadá, Holanda, Suécia, Suíça, Bélgica e Áustria.

Somente depois de instalada a desordem o governo Lula da Silva iniciou negociações para tentar conter a disparada de preços em Belém, que supera em muito o limite tolerável das altas que normalmente ocorrem nas cidades durante grandes eventos. O governo teve bastante tempo para se preparar, mas parece ter optado pelo improviso. O resultado disso é a desconfiança generalizada de que a COP-30, já cercada de natural ceticismo a respeito de sua eficácia diante do avanço de questionamentos sobre os custos da transição energética, pode fazer com que a conferência se transforme apenas numa oportunidade para que delegações estrangeiras testemunhem in loco a extrema precariedade de Belém e a degradação da Amazônia.

‘Vitória total’ sai caro para Israel

Por O Estado de S. Paulo

A ofensiva de Israel corre o risco de trocar força militar por fraqueza estratégica

Israel lançou sua ofensiva contra a Cidade de Gaza sob a promessa do premiê Binyamin Netanyahu de “vitória total” sobre o Hamas. A retórica é grandiosa; a realidade, bem menos. A cidade, devastada pela guerra mais longa da história de Israel, já não é o centro de comando dos terroristas. Restam militantes dispersos em táticas de guerrilha, reféns usados como escudos e centenas de milhares de civis exaustos e encurralados. A operação dificilmente produzirá triunfo estratégico. Mais provável é que agrave o desastre humanitário, amplie divisões domésticas e intensifique o isolamento internacional.

O próprio Exército de Israel alertou para os riscos. O chefe do Estado-Maior, Eyal Zamir, advertiu que uma vitória definitiva, ainda que fosse alcançável, levaria anos, e que a prioridade deveria ser resgatar os reféns. Generais da reserva, como Israel Zini, afirmam que a missão não deve ser “caçar cada terrorista”, mas moldar condições para negociar em posição de força. Ignorar tais advertências para satisfazer as ambições de uma coalizão radical de governo revela mais cálculo político do que senso estratégico.

O custo humano é aterrador. O sul de Gaza, saturado e insalubre, não oferece refúgio viável. As ordens de evacuação impõem escolhas impossíveis: arriscar a morte no caminho ou esperar sob bombardeio. Com a perspectiva de fome generalizada, o cerco dificilmente será lembrado como triunfo militar, e sim como tragédia humanitária.

O custo diplomático é exorbitante. Na Europa, multiplicam-se pressões por represálias e boicotes, enquanto países árabes, inclusive aliados cruciais, como o Egito, denunciam planos israelenses de “realocação” populacional. Nos EUA, pesquisas revelam declínio acentuado do apoio a Israel, inclusive entre republicanos e evangélicos. Netanyahu pode – ainda – contar com o respaldo do presidente Donald Trump, mas arrisca corroer a base bipartidária que sustentou Israel por décadas.

Nesse cenário, a metáfora escolhida pelo premiê – Israel como uma “super-Esparta” – soa menos como inspiração e mais como ameaça. Esparta desapareceu da História como potência, justamente por militarizar-se até o esgotamento e negligenciar alianças. O mito de que “Israel se defende sozinho” nunca correspondeu à realidade: em momentos decisivos, sempre contou com ajuda externa, como na interceptação dos mísseis iranianos com ajuda dos EUA, Reino Unido, França e Jordânia. “Não somos Esparta”, advertiram lideranças do setor produtivo, lembrando que autarquia e isolamento não são projeto de futuro, mas de decadência.

Israel precisa de outra rota. Em vez de prolongar uma guerra de retorno pífio, deveria concentrar-se em libertar reféns e preservar sua legitimidade internacional. Isso exige articular um plano político para Gaza que envolva parceiros árabes, reconstruir pontes com democracias ocidentais e reafirmar sua vocação de nação inovadora, aberta e adaptável – não de fortaleza sitiada. O caminho de Netanyahu pode garantir-lhe sobrevida política, mas ameaça condenar Israel ao desastre estratégico: o sonho de uma “super-Esparta” convertido no pesadelo de um Estado pária.

Resposta à altura ao crime organizado

Por Correio Braziliense

Não há outra resposta àqueles que tentam intimidar o poder público senão aquela baseada em inteligência, articulação de órgãos estaduais e federais, capacitação contínua dos profissionais envolvidos e a proteção permanente da sua integridade

Considerado um dos maiores especialistas em facções criminosas no país, o ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz Fontes foi assassinado a tiros, na última segunda-feira, em uma rua movimentada de Praia Grande, em horário de pico. Uma operação de alta complexidade tática e, provavelmente, meticulosamente arquitetada. As duas principais linhas de investigação indicam a participação do crime organizado na execução cometida sem qualquer tipo de pudor. Se confirmada, trata-se de uma demonstração de forças que merece uma resposta à altura do poder público, cuja capacidade de combater esses grupos criminosos tem sido cada vez mais questionada.

Semanas antes de ser assassinado, em entrevista ao grupo Globo, Ferraz Fontes queixou-se da falta de proteção depois que se aposentou da Polícia Civil. "Eu vivo sozinho na Praia Grande, que é no meio deles. Pra mim, é muito difícil. Se eu fosse um policial da ativa, eu tava pouco me importando, teria estrutura para me defender, hoje não tenho estrutura nenhuma", desabafou. A região é conhecida como um dos redutos do Primeiro Comando da Capital (PCC), alvo de investigações conduzidas pelo ex-delegado, jurado de morte em razão disso. Foi ele, por exemplo, o responsável pelo indiciamento da cúpula da organização criminosa em 2006.

A outra frente apura se a execução tem ligação com o último trabalho de Ferraz Fontes, o de secretário municipal de Administração de Praia Grande. Ele cuidava de temas críticos na gestão da cidade litorânea, como fiscalizações e licitações, e sua atuação estaria desagradando criminosos infiltrados no setor imobiliário, de interesse do PCC. Certo é que os quase 30 tiros de fuzil deferidos contra o ex-policial escancaram, no mínimo, o desprezo dos grupos criminosos pelo Estado de Direito. 

A afronta tem dimensões cada vez mais críticas. Basta lembrar da também execução, em novembro, do delator do PCC Vinicius Gritzbach, em plena luz do dia, no Aeroporto Internacional de São Paulo, o maior da América Latina. Ou do mês inteiro de ataques a ônibus e prédios de Fortaleza e região metropolitana, em 2019, coordenados por facções irritadas com medidas para combater o crime dentro dos presídios. Ou, ainda, do avolumado conjunto de pesquisas e levantamentos que tem alertado para a disseminação desses grupos criminosos pelo país, sobretudo em regiões remotas e fronteiriças.

Estudo divulgado, mês passado, pela Cambridge University Press mostra que 26% da população brasileira vive sob regras impostas por facções — o maior índice dos 18 países da América Latina analisados. Segundo os autores, de universidades estadunidenses, a realidade deve ser ainda pior em toda a região, considerando a dificuldade na coleta de dados em áreas dominadas pela chamada governança criminal.

Ao comentar o assassinato de Ferraz Fontes, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, traçou panorama semelhante. A execução "brutal" do ex-delegado, segundo ele, "mostra o nível de violência que, infelizmente, graça aqui no Brasil e também em outros países". Mas é preciso fazer o dever de casa. Há um clamor por isso — a falta de segurança pública figura entre as principais preocupações dos brasileiros quando questionados sobre as mazelas que assolam o país.

Deflagrada no fim de agosto, a Operação Carbono Oculto evidenciou que o enfrentamento da questão é complexo — as facções diversificaram mercados, firmando um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro com operações além-mar. Mas, também, está claro que não há outra resposta àqueles que tentam intimidar o poder público senão aquela baseada em inteligência, articulação de órgãos estaduais e federais, capacitação contínua dos profissionais envolvidos e a proteção permanente da sua integridade.

PEC da Blindagem desrespeita a sociedade

Por O Povo (CE)

O texto segue agora para o Senado, onde terá de ser aprovado em duas sessões. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Otto Alencar, disse que, no Senado, a proposta não passa. Que assim seja

A Câmara dos Deputados abonou na madrugada desta quarta-feira, por ampla maioria de votos, medida que pode ser considerada um desrespeito ao povo brasileiro.

Durante a sessão, foi aprovada uma proposta de emenda à Constituição, conhecida como PEC da Blindagem, que protege os parlamentares de qualquer processo criminal, que não poderá ser levado à frente sem que a Câmara ou Senado autorize o seu início, por maioria absoluta, com voto secreto.

Uma decisão desse tipo dá aos parlamentares um privilégio inaceitável, que os põe acima da lei aplicada aos cidadãos comuns, tornando-os uma classe de intocáveis.

Conhecendo-se o corporativismo do Congresso Nacional, caso a PEC seja aprovada também no Senado, pode-se prever que será raro o evento no qual o Parlamento mandará um colega responder na Justiça por possíveis irregularidades. É também de se levar em conta que em ambientes corporativos vige a máxima de "uma não lava outra".

A proposta de "blindagem" ganhou precedência na oposição durante o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF). Outro motivo de incômodo é a investigação de possíveis desvios de recursos nas emendas parlamentares. O ministro Flávio Dino, do STF, mandou a Polícia Federal verificar supostas irregularidades em emendas, que somam R$ 694 milhões em repasses da União.

Mas é preciso ressaltar que, apesar de a maioria dos votos pela aprovação da PEC ter vindo de partidos da oposição e do centrão, alguns deputados da base governista, inclusive do PT, votaram a favor da proposta. Isso indica que o corporativismo e a autoproteção vão além dos limites ideológicos.

Deputados e senadores votaram em completo desacordo com as preocupações reais da sociedade, principalmente dos setores mais vulneráveis. É só lembrar que, enquanto adotaram o "regime de urgência" para a PEC da blindagem, medidas que podem beneficiar milhões de brasileiros continuam travadas. Por exemplo, a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil e a PEC da Segurança Pública.

O que foi votado tem a ver unicamente com os interesses daqueles que aprovaram a PEC da Blindagem, ou seja, os próprios parlamentares. Eles se autoconcederam um cheque em branco para livrá-los de qualquer problema, presente ou futuro. Além disso, covardemente, definiram que o voto para autorizar abertura de ações penais será secreto, escapando o dever de transparência.

O texto segue agora para o Senado, onde terá de ser aprovado também em duas sessões. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Otto Alencar (PSD-BA), disse que no Senado a proposta não passa. Que assim seja.

 

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