Senado tem dever de barrar PEC da Blindagem
Por O Globo
Na prática, texto aprovado na Câmara
transforma parlamentares em cidadãos acima da lei
Motivos não faltam para o Senado rejeitar ou engavetar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, aprovada na Câmara. A PEC abre caminho à impunidade no Congresso. Ao exigir licença da respectiva Casa para abertura de processos criminais contra parlamentares e ao incluir os presidentes de partidos políticos entre os submetidos ao foro do Supremo Tribunal Federal (STF), o texto tira do Judiciário autonomia para julgá-los. Na prática, transforma os ocupantes de cargos eleitos em cidadãos acima da lei. Basta lembrar que, ao longo dos 13 anos em que vigorou regra semelhante, apenas um parlamentar foi processado.
Felizmente o senador Otto Alencar (PSD-BA),
presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, declarou que
a PEC não passará “de jeito nenhum”. Mas é preciso que as lideranças da Casa
tenham o bom senso de lhe fazer coro. O texto aprovado pelos deputados é
indefensável. Trata-se de um caso típico de legislação em causa própria.
Enquanto todos os demais brasileiros seguem sob o império da lei, os
congressistas poderão contar com a compreensão dos colegas de trabalho e
driblar qualquer ação penal.
A PEC também determina que parlamentares só
poderão ser presos em flagrante em caso de crime inafiançável. Se acontecer uma
prisão, os autos deverão ser enviados em 24 horas ao Supremo e ao Congresso.
Câmara ou Senado terão de aprovar ou rejeitar a prisão por maioria absoluta em
até 90 dias. A votação será secreta, incentivando a leniência. Se a autorização
for negada, o parlamentar pego em flagrante ficará solto até o fim do mandato.
Difícil pensar em regra mais favorável à impunidade. Além disso, instâncias
inferiores não poderão mais expedir medidas contra parlamentares em processos
civis, como bloqueio de bens em casos de improbidade administrativa.
O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta
(Republicanos-PB), tentou como pôde justificar o injustificável. Mencionou
compromisso com a autonomia dos mandatos. Ora, a PEC nada tem a ver com a
independência dos congressistas. Parlamentares de todas as linhas políticas
contam com amplos direitos para defender as ideias que quiserem, e seu discurso
é protegido pela Constituição. A preocupação com a liberdade parlamentar,
resultado da reação ao período da ditadura militar, criou não apenas a
imunidade que vigorou de 1988 a 2001, mas também impunidade. Hoje o argumento
de Motta é ainda mais descabido. Com o crime organizado faturando bilhões e
marcando presença no Legislativo, é uma irresponsabilidade apostar em barreiras
ao alcance da lei. Sem falar nas suspeitas de corrupção envolvendo emendas
parlamentares.
A PEC da Blindagem não é a primeira a
afrontar a lógica e também o interesse dos brasileiros. “Imprescindível para a
democracia, o Congresso precisa demonstrar que não é útil apenas para si. Sem
isso, põe em risco a própria democracia”, escreveu o cientista político do
Insper Carlos Melo em artigo no
GLOBO. “Conforma-se uma maioria devastadora, autônoma em relação à
sociedade, crente de que seu poder se sobrepõe à própria Constituição, alvo
recorrente de ameaças feitas em nome da conveniência dessa maioria.” Para
resguardar o Congresso de um vexame, os senadores deveriam dar um fim à ideia
de transformar o Parlamento em refúgio para criminosos.
Incerteza recomenda cautela para decisões
futuras sobre juros
Por O Globo
Cenário diante do Copom pode favorecer
antecipação de cortes, mas não justifica complacência
Não houve surpresa na decisão do Comitê de
Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) que manteve a taxa básica de
juros, a Selic, em 15% ao ano — patamar mais alto em quase duas décadas. Ainda
que o juro real continue em nível só superado pela Turquia — perto de 10%,
descontada a inflação —, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é otimista.
“Vamos entrar numa trajetória de queda de juros com sustentabilidade”, afirmou.
E disse que, ao fim do atual governo, a inflação será a menor já registrada num
mandato desde o Plano Real. Apesar do êxito da política monetária no controle
da inflação, a incerteza persiste — e recomenda cautela para futuros
movimentos.
Haddad tem, é verdade, argumentos em seu
favor. A inflação vem caindo consistentemente desde fevereiro, houve deflação
de 0,11% em agosto, e as expectativas para o futuro estão em queda — embora
acima da meta (3%) e do teto de tolerância (4,5%). O arrefecimento da atividade
econômica por três meses consecutivos, registrado nos números do PIB, dá mais
latitude para o BC ensaiar um movimento de corte nos juros sem receio de
superaquecer a economia. Por fim, a inflação no Brasil se beneficia da queda do
dólar — cotado nesta semana no nível mais baixo desde junho do ano passado — e
da redução dos juros nos Estados Unidos. Ontem, em meio à crise desencadeada
pela tentativa de intervenção de Donald Trump na política monetária, o Federal
Reserve cortou a taxa pela primeira vez neste ano, para 4,25%.
Só que também há razões convincentes para o
Copom ser cauteloso. O mercado de trabalho continua aquecido, e o desemprego
atingiu no trimestre encerrado em julho o patamar mais baixo na série histórica
do IBGE — 5,6%, ante 6,6% no trimestre anterior. Os empregados no setor privado
e com carteira assinada alcançaram níveis recordes. A massa de rendimento
cresceu 6,4% neste ano e 2,5% no trimestre, alcançando R$ 352,3 bilhões. Há aí
enorme contribuição da valorização real do salário mínimo e dos programas
sociais e previdenciários do governo. A renda bruta das famílias subiu de R$
612,2 bilhões em janeiro de 2023 para R$ 763,8 bilhões em junho deste ano. É
evidente que todo esse dinheiro exerce pressão inflacionária. Para não falar em
toda a incerteza trazida pelo cenário externo, com o tarifaço e movimentos
erráticos de Trump.
Não se justifica, portanto, nenhuma complacência. O voluntarismo monetário costuma custar caro, e nada é pior para a “sustentabilidade” de que fala Haddad do que o populismo. O governo resiste a fazer um ajuste fiscal que, este sim, permitiria a queda sustentável do juro real. Com isso, deixa todo o serviço de controle da inflação para o BC. Que a autoridade monetária continue a fazer sua parte não exime o Executivo de responsabilidade. Um bom começo seria desvincular os reajustes da Previdência do salário mínimo. Então o Tesouro precisaria tomar menos dinheiro emprestado para pagar as contas, naturalmente o juro poderia cair, e o otimismo de Haddad estaria plenamente justificado.
Câmara ofende a sociedade com PEC da
Blindagem
Por Folha de S. Paulo
Proposta prevê barrar processos contra
parlamentares ao exigir aval do Legislativo com votação secreta
Objetivo é limitar ações sobre desvios em
emendas; Senado deveria rejeitar a PEC para recuperar um mínimo de probidade
para o Congresso
Segundo o Datafolha, 8 em cada 10 brasileiros
avaliam que o Congresso
Nacional atua mais em prol de seus interesses do que em favor
da sociedade. Corroborando de forma inequívoca essa percepção, deputados
federais aprovaram integralmente na quarta-feira (17) a chamada PEC da
Blindagem.
A nova proposta de emenda constitucional é
uma ofensa aos eleitores e contribuintes, cada vez mais sequiosos de
transparência no trato da coisa pública. Sobretudo quando se trata de uma
estrutura parlamentar que consome R$ 15 bilhões por ano e que figura entre as
mais dispendiosas do mundo.
A PEC da
Blindagem amplia o foro especial a deputados e senadores e os
protegerá não apenas em relação a investigações criminais, mas abre brecha nas
ações cíveis, algo inédito.
Em decisão esdrúxula, os deputados ainda
estenderam o foro especial no Supremo Tribunal Federal a presidentes de
partidos políticos com representação no Congresso, mesmo que não tenham mandato
parlamentar.
O texto tem como principal objetivo dar ao
Congresso o poder de barrar processos criminais no STF contra
deputados e senadores ao exigir licença prévia do Legislativo. Essa autorização
será deliberada pela respectiva Casa em até 90 dias, a contar do recebimento da
ordem do Supremo.
O que é pior, isso será feito em votação
secreta, escondendo da sociedade quais parlamentares votarão para impedir que
colegas sejam investigados.
Esse ponto crucial da PEC havia sido
derrubado por partidos de esquerda em consulta na terça (16), mas acabou
voltando depois com uma manobra do centrão apoiada pelo
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos),
por meio de uma emenda aglutinativa que recuperou o termo "votação
secreta".
O expediente recebeu 314 votos favoráveis e
168 contrários. O texto principal, aprovado em dois turnos um dia antes, também
passou por ampla maioria, inclusive com votos de petistas.
O propósito primordial do centrão, grupo de
direita e centro-direita com maioria na Câmara, é blindar parlamentares em mais
de 80 investigações no Supremo envolvendo suspeita de corrupção com verbas de
emendas, que
movimentam cerca de R$ 50 bilhões todos os anos.
A PEC também prevê votação secreta para
autorizar prisão em flagrante de deputados e senadores e ampliou o quórum
exigido para que isso ocorra.
A proposta agora segue para o Senado,
onde precisa ser aprovada também em dois turnos para ser promulgada e entrar em
vigor, não cabendo sanção ou veto do presidente da República.
A PEC tem apoio mais envergonhado dos
senadores, que avaliam desacelerar a tramitação após avalanche de críticas em
redes sociais. Se tiverem decência, eles deveriam enterrar de vez o projeto
para tentar recuperar um mínimo de probidade que tanto falta ao Congresso
Nacional.
Invasão da Cidade de Gaza expõe Netanyahu sem
freios
Por Folha de S. Paulo
Premiê contraria seu Exército e lança
ofensiva com potencial desastroso em território arrasado
Ação coincide com divulgação de relatório que
acusa Israel de genocídio, empurrando cada vez mais o país para o isolamento
mundial
Sem contrapesos efetivos na política
doméstica e amparado pelo apoio incondicional dos Estados
Unidos, o premiê Binyamin
Netanyahu vive um momento de fúria, ampliando o escopo e a intensidade
das guerras empreendidas por Israel desde
7 de outubro de 2023.
Naquele dia, a justiça estava a seu lado. O
Estado judeu havia sofrido o maior ataque de sua história, com 1.200 mortos e
251 sequestrados em uma ação brutal do grupo terrorista Hamas,
que governava a Faixa de Gaza com
mão de ferro desde 2007.
Mesmo usuais críticos de Israel na Europa
respaldaram a punição à organização palestina.
O prolongamento do conflito, entretanto, tornou o foco de sua justificativa
cada vez mais difuso.
Tel Aviv dedicou-se
a um acerto de contas com seus adversários que orbitam o Irã. Houve
queixas, mas poucos se opuseram: como disse o primeiro-ministro alemão, Friedrich
Merz, Israel estava "fazendo o serviço sujo por todos nós"
quando atacou a teocracia de Teerã em junho.
Antes dessa etapa, uma campanha inconclusa
com vitória tática de Israel e dos EUA, foram alquebrados Hamas e Hezbollah libanês.
De forma indireta, os conflitos levaram à queda da ditadura síria, centro
logístico dos iranianos, e os rebeldes houthis do Iêmen seguem sob pressão.
O sucesso militar fez Netanyahu —que, sem a
guerra, estaria só preocupado com sua defesa num caso de corrupção e talvez sem
o cargo— buscar mais. No afã de agradar à sua base radical, que o mantém no
poder, aderiu de vez aos seus ímpetos expansionistas, da Cisjordânia ao sul
sírio.
Sem freios, bombardeou Doha, onde está a
liderança exilada do Hamas, algo antes impensável devido ao fato de que o Qatar
age como mediador no conflito e é aliado dos EUA —a maior base americana
no Oriente Médio fica
no emirado. Paz mais ampla na região tornou-se inviável.
Agora,
Netanyahu volta a Gaza, com operação tão irresponsável de ocupação
da capital homônima que até seu
Estado-Maior a desaconselhou. A tragédia humanitária, já aguda numa
guerra que o Hamas diz ter vitimado 65 mil palestinos, tende a se agravar sem
vislumbre do fim da crise.
Ganhará destaque um
relatório encomendado pela ONU, mas que não reflete a posição do
órgão, que acusa Israel de genocídio em Gaza. Como sempre, Tel Aviv deu de
ombros, apontando parcialidade e antissemitismo.
Se os critérios para a imputação do crime são discutíveis, é certo que Netanyahu empurra cada vez mais Israel para o isolamento mundial.
Diferencial de juros tem efeito importante no
Brasil
Por Valor Econômico
O Fed cortou sua taxa de juros pela primeira
vez no ano, enquanto o BC manteve a do Brasil entre uma das maiores taxas reais
do mundo
O Federal Reserve (Fed, o banco central
americano) reduziu a taxa de juros pela primeira vez no ano, para 4%-4,25%, com
uma grande dispersão sobre qual a trajetória futura dos fed funds. Nove dos 18
membros votantes do Comitê de Mercado Aberto vislumbraram mais dois cortes no
ano. A decisão reflete o dilema que aflige o banco, o de os dois pontos
principais de seu mandato estarem caminhando em sentidos opostos, com a
inflação em alta e o emprego em baixa. O Banco Central do Brasil, como
esperado, manteve a taxa Selic em 15%, diante de um mercado de trabalho ainda
exuberante, desemprego na mínima histórica e inflação acima da meta e
desancorada. O “gap” maior entre as taxas aqui e nos EUA traz efeitos
importantes para a economia brasileira.
A reunião do Fed foi uma das mais difíceis
desde a pandemia, e não apenas pela dificuldade de traçar um cenário
prospectivo em um ambiente marcado por incertezas, em especial pelo tarifaço
imposto pelo governo americano. A divergência sobre o corte imediato de 0,25
ponto percentual, no entanto, foi menor que na reunião anterior de julho. Dois
diretores indicados por Trump, que abriram dissidência em julho, concordaram
com a decisão. Apenas Stephen Miran, presidente do conselho econômico da Casa
Branca, recém-colocado no Fed por Trump e aprovado pelo Senado na véspera,
votou por redução de 0,5 ponto. A discordância se deu mais sobre os rumos
futuros da política monetária. Um membro votou por manter a taxa de juros; seis
deles, por nem uma outra redução até o fim do ano; dois, por duas; oito, por
três; e um, para colocar a taxa abaixo de 3%. A taxa de longo prazo é de 3%.
Em seu discurso em Jackson Hole em 22 de
agosto, o presidente do Fed, Jerome Powell, indicou a guinada na avaliação do
balanço de riscos com preocupação maior em relação à fraqueza do mercado de
trabalho. O comunicado do Fed de ontem menciona que, nesse balanço, “os riscos
de maior desemprego aumentaram”, ainda que ele “continue baixo”. A avaliação
prospectiva do emprego não deixa de ser curiosa ou até incongruente segundo o
“gráfico de pontos” que reúne as projeções dos membros do Fomc. Ela não mudou
no resto do ano — a taxa de desemprego estimada é de 4,5%, pouco acima dos 4,3%
registrados em agosto. Ela diminui no ano que vem para 4,4% e cai mais ainda em
2027, para 4,3%, uma das menores da história. A tendência de longo prazo
projetada é de 4,2%. Uma parte da explicação pode estar na projeção de um PIB
maior neste ano e no ano que vem (1,6% e 1,8%).
A inflação, mesmo com as tarifas de Trump, se
situará pouco acima dos 2,9% de agosto (3% no fim do ano), ainda estará longe
da meta em 2026 (2,6%) e só se aproximará dela em 2027 (2,1%). A estimativa do
núcleo dos gastos pessoais do consumo, medida preferida do Fed, não variou e é
de 3,1% em 2025.
A mudança exposta por Powell foi
circunstanciada e cheia de condicionantes. Ainda que a oferta de empregos tenha
declinado significativamente, fatores estruturais, como os demográficos, e especialmente
conjunturais, como os ferozes “raids” contra os imigrantes no país, reduziram o
estoque de mão de obra. A demanda por trabalho, por seu lado, também encolheu.
O outro prato da balança do mandato do Fed,
no entanto, se deslocou para cima. A inflação de gastos pessoais de consumo
atingiu 2,9% em agosto, e a evolução dos preços dos serviços se mantém
incompatível com a convergência para a meta de 2%, não atingida em quatro anos.
Powell voltou a levantar a hipótese de que o tarifaço de Trump seria uma
“mudança única” sobre o nível de preços, mas que isso não era de forma alguma
uma certeza. Os preços continuam subindo e o “pass-through” das taxas de
importação está se acelerando, à medida que os estoques domésticos estão se
reduzindo, bem como a capacidade de empresas e importadores de absorverem o
aumento de custo sem repassá-los adiante. A disseminação desses aumentos pelo
resto da economia é uma possibilidade da qual o Fed não pode se descuidar.
O Fed não mencionou, mas estão no horizonte
relevante para a política monetária os estímulos programados para a economia
com a entrada em vigor do pacote de redução de impostos aprovado pelo
Congresso, que estimulará a economia e pode ser um obstáculo para quedas
adicionais da inflação. Joga também contra a diminuição dos juros o enorme
déficit fiscal, de US$ 37,5 trilhões, que Trump espera erroneamente conter com
a arrecadação das tarifas.
A sinalização de pelo menos mais um corte até o fim do ano torna mais atraente os investimentos de risco, especialmente em países como o Brasil, que tem uma das maiores taxas reais do mundo e cujo diferencial em relação aos EUA aumentou. Ontem o BCB decidiu manter a Selic em 15%, diante da inflação desancorada e do ritmo da economia, acima de seu potencial. Houve progressos na inflação, mas ainda são modestos para assegurar a meta de 3%, o que só deverá ocorrer ao longo de 2027. O Copom não deu sinais de que vá reduzir a Selic tão cedo e a diferença de juros com os EUA tende a crescer , atraindo mais capitais de curto prazo e valorizando adicionalmente o real, dando ajuda valiosa para diminuir a inflação.
A Câmara esbofeteia o Brasil
Por O Estado de S. Paulo
Ao aprovar PEC da Blindagem, Câmara
transforma mandatos em escudos de impunidade, violenta a Constituição, trai a
representação popular e abre as portas do Congresso para o crime organizado
A Câmara escreveu uma das páginas mais
vergonhosas de sua história ao aprovar, no dia 16 passado, a Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) 3/2021, a chamada PEC da Blindagem. Como se sabe,
pretende-se tornar deputados e senadores praticamente inimputáveis ao impedir
que sejam investigados, processados e até presos em flagrante por crime
inafiançável sem que para tanto haja licença prévia de suas respectivas Casas
Legislativas. Há poucos dias, o Estadão revelou
que entre 1988 e 2001, período em que a licença prévia vigorou no País, só uma
mísera vez o Congresso autorizou que um de seus membros fosse investigado pelos
crimes de que foi acusado. O que reinou foi o espírito de corpo, quando não o
compadrio.
Não satisfeitos em esbofetear a sociedade
legislando escancaradamente em causa própria, mais de 340 deputados ainda
violentaram a Constituição em seu princípio mais elementar – a igualdade de
todos perante a lei. Até para os padrões desta legislatura é espantosa a
desfaçatez com que a Câmara traiu sua missão de ser “a tribuna onde a Nação
fala”, para lembrar Ruy Barbosa, um gigante do Parlamento brasileiro. Sob a
falsa justificativa de proteger o mandato parlamentar de supostos “abusos” e
“atropelos” que teriam sido cometidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os
deputados decidiram colocar-se acima da lei, nada menos, furtando-se em
responder pelos crimes que vierem a cometer.
Nesse sentido, a PEC da Blindagem, que bem
poderia ser chamada de PEC da Impunidade, deve ser vista como um ataque frontal
à democracia representativa. Se promulgada, estará criado o ambiente no qual
bandidos poderão ficar impunes apenas porque lograram obter um mandato eletivo.
Deputados de todos os matizes ideológicos, do governo e da oposição, deram-se
as mãos para escarnecer dos eleitores.
O presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), um anão diante da grandeza institucional do seu cargo,
abusou da má-fé e afrontou a inteligência alheia em seu discurso em defesa da
PEC da Blindagem. Em tom solene que mal escondia a desfaçatez, Motta ignorou a
história da Nova República e distorceu o contexto da Assembleia Nacional
Constituinte disseminando a lorota de que a Casa, ora vejam, só estaria
restaurando o texto original da Carta de 1988. É preciso recordar, então, que o
dispositivo da licença prévia, àquela época, era a resposta idealizada a um
momento da vida nacional totalmente distinto. O Brasil mal havia saído de uma
ditadura militar. Os constituintes originários buscavam proteger o mandato parlamentar
de eventuais arbitrariedades em uma transição de regime ainda em andamento.
A realidade hoje é completamente diferente. O
regime democrático está consolidado. Parlamentares já têm assegurada pela Lei
Maior a inviolabilidade civil e penal por suas opiniões, palavras e votos.
Ademais, há quase 40 anos, o País não estava assolado pela infiltração de
organizações criminosas de caráter mafioso no sistema político nem tampouco
pela rapinagem de recursos bilionários do Orçamento por meio de emendas parlamentares
– é contra a investigação desses desvios que os deputados querem se proteger.
Como se nada disso bastasse, a PEC da
Blindagem ainda é um convite para que membros de facções como o PCC e o Comando
Vermelho entrem no Congresso pela porta da frente. Se antes as organizações
criminosas já exploravam o mandato de maus parlamentares como espécie de
casamata em defesa de seus interesses no Legislativo, agora têm o incentivo
adicional para financiar candidaturas de seus próprios gângsteres e, assim,
blindá-los do alcance da lei sem intermediários. O que a Câmara aprovou,
portanto, foi um programa de fomento à criminalidade política no País.
Agora resta torcer para que o Senado se erga
como o adulto na sala desta república tão maltratada e enterre de vez a ignomínia
que passou na Câmara, resgatando alguma aura de decência para o Congresso
perante a opinião pública. A democracia brasileira estará novamente sob risco
se a Casa Alta for cúmplice de uma delinquência política, nada menos. Não à
toa, a eleição para o Senado no ano que vem tem despertado a atenção de muita
gente – não necessariamente gente bem-intencionada.
O risco de esvaziamento da COP-30
Por O Estado de S. Paulo
Precariedade e problemas logísticos ameaçam
afastar muitos países da conferência do clima em Belém, o que pode inviabilizar
a tomada de decisões que precisam de quórum para valer
A ameaça real de insuficiência de quórum para
referendar decisões contra o aquecimento global deixa a vindoura conferência
mundial do clima no Brasil na iminência de um retumbante fiasco.
O limite mínimo de participação na COP para
as deliberações é de 130 países. A menos de dois meses do evento, faltam quase
60 para alcançá-lo, fato inédito em 30 anos de Conferências das Partes. Mesmo
que o quórum seja alcançado, o debate já se anuncia prejudicado pelo
enxugamento compulsório das delegações e pela baixa probabilidade de que as
adesões se aproximem do potencial máximo, como tem sido a tradição dos
encontros da ONU para unificar o combate à degradação ambiental.
A pior face de um eventual “apagão decisório”
é que o risco não se deve a visões divergentes em torno de propostas objetivas
– debates que seriam naturais nesta etapa preparatória, mas que nem sequer entraram
em pauta. E tudo porque o Brasil ainda não conseguiu resolver os problemas
logísticos derivados da escolha de Belém para sediar o encontro. A justa
ambição de fazer da conferência em Belém a “COP da Amazônia” pode se
transformar num pesadelo histórico, porque a reunião, nas atuais
circunstâncias, tende a ser a menos representativa da História. Ao que parece,
o governo de Lula da Silva ficou mais preocupado com o marketing da “COP da
Amazônia” do que com a conferência em si mesma.
Estão habilitadas a participar da COP 198
partes (países e a União Europeia), signatárias da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Como mostrou
reportagem do Estadão,
até hoje as regras de votação para validar decisões da conferência – dois
terços das partes, ou 130 participantes – nem sequer eram motivo de preocupação
prévia em razão do alto quórum de todas as COPs. As que trouxeram os
compromissos mais relevantes tiveram comparecimento praticamente integral, como
a COP-21, de 2015, na França, que, com 195 signatários, instituiu o Acordo de
Paris, com metas de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
A decisão de Donald Trump, negacionista
climático convicto, de sair (mais uma vez) do Acordo de Paris foi um golpe para
a representatividade da COP sediada pelo Brasil, ainda que não esteja
completamente afastada a participação de uma delegação técnica norte-americana
e que vários Estados e empresas demonstrem disposição em seguir o pacto
ambiental a despeito do decreto de Trump, como afirmou o embaixador André
Corrêa do Lago, presidente da COP-30. O fato é que o peso do desfalque do
governo dos Estados Unidos é inegável, sobretudo nos debates sobre o
financiamento necessário ao combate às mudanças climáticas, diante da reiterada
pregação trumpista de reprimir a adoção de restrições ambientais.
Mas quando o decreto foi assinado por Trump,
em janeiro deste ano, a organização da COP-30 já era alvo de inúmeras críticas
em relação à falta de infraestrutura para sediar a conferência. O governo Lula
da Silva, aliás, anunciou apenas naquele mês o nome de Corrêa do Lago para
presidir o evento, apesar de a escolha de Belém como sede ter acontecido – com
o foguetório de sempre – mais de um ano antes, em dezembro de 2023. Os protestos,
envolvendo principalmente os altíssimos preços de hospedagem, cresceram de tom
ao ponto de representantes de mais de 20 países terem entregado, em julho, um
documento pedindo a mudança de sede. A carta era assinada tanto por países mais
pobres, como o coletivo Países Menos Desenvolvidos, como ricos, como Canadá,
Holanda, Suécia, Suíça, Bélgica e Áustria.
Somente depois de instalada a desordem o
governo Lula da Silva iniciou negociações para tentar conter a disparada de
preços em Belém, que supera em muito o limite tolerável das altas que
normalmente ocorrem nas cidades durante grandes eventos. O governo teve
bastante tempo para se preparar, mas parece ter optado pelo improviso. O
resultado disso é a desconfiança generalizada de que a COP-30, já cercada de
natural ceticismo a respeito de sua eficácia diante do avanço de
questionamentos sobre os custos da transição energética, pode fazer com que a
conferência se transforme apenas numa oportunidade para que delegações
estrangeiras testemunhem in loco a extrema precariedade de Belém e a degradação
da Amazônia.
‘Vitória total’ sai caro para Israel
Por O Estado de S. Paulo
A ofensiva de Israel corre o risco de trocar
força militar por fraqueza estratégica
Israel lançou sua ofensiva contra a Cidade de
Gaza sob a promessa do premiê Binyamin Netanyahu de “vitória total” sobre o
Hamas. A retórica é grandiosa; a realidade, bem menos. A cidade, devastada pela
guerra mais longa da história de Israel, já não é o centro de comando dos
terroristas. Restam militantes dispersos em táticas de guerrilha, reféns usados
como escudos e centenas de milhares de civis exaustos e encurralados. A
operação dificilmente produzirá triunfo estratégico. Mais provável é que agrave
o desastre humanitário, amplie divisões domésticas e intensifique o isolamento
internacional.
O próprio Exército de Israel alertou para os
riscos. O chefe do Estado-Maior, Eyal Zamir, advertiu que uma vitória
definitiva, ainda que fosse alcançável, levaria anos, e que a prioridade
deveria ser resgatar os reféns. Generais da reserva, como Israel Zini, afirmam
que a missão não deve ser “caçar cada terrorista”, mas moldar condições para
negociar em posição de força. Ignorar tais advertências para satisfazer as
ambições de uma coalizão radical de governo revela mais cálculo político do que
senso estratégico.
O custo humano é aterrador. O sul de Gaza,
saturado e insalubre, não oferece refúgio viável. As ordens de evacuação impõem
escolhas impossíveis: arriscar a morte no caminho ou esperar sob bombardeio.
Com a perspectiva de fome generalizada, o cerco dificilmente será lembrado como
triunfo militar, e sim como tragédia humanitária.
O custo diplomático é exorbitante. Na Europa,
multiplicam-se pressões por represálias e boicotes, enquanto países árabes,
inclusive aliados cruciais, como o Egito, denunciam planos israelenses de
“realocação” populacional. Nos EUA, pesquisas revelam declínio acentuado do
apoio a Israel, inclusive entre republicanos e evangélicos. Netanyahu pode –
ainda – contar com o respaldo do presidente Donald Trump, mas arrisca corroer a
base bipartidária que sustentou Israel por décadas.
Nesse cenário, a metáfora escolhida pelo
premiê – Israel como uma “super-Esparta” – soa menos como inspiração e mais
como ameaça. Esparta desapareceu da História como potência, justamente por
militarizar-se até o esgotamento e negligenciar alianças. O mito de que “Israel
se defende sozinho” nunca correspondeu à realidade: em momentos decisivos,
sempre contou com ajuda externa, como na interceptação dos mísseis iranianos
com ajuda dos EUA, Reino Unido, França e Jordânia. “Não somos Esparta”,
advertiram lideranças do setor produtivo, lembrando que autarquia e isolamento
não são projeto de futuro, mas de decadência.
Israel precisa de outra rota. Em vez de prolongar uma guerra de retorno pífio, deveria concentrar-se em libertar reféns e preservar sua legitimidade internacional. Isso exige articular um plano político para Gaza que envolva parceiros árabes, reconstruir pontes com democracias ocidentais e reafirmar sua vocação de nação inovadora, aberta e adaptável – não de fortaleza sitiada. O caminho de Netanyahu pode garantir-lhe sobrevida política, mas ameaça condenar Israel ao desastre estratégico: o sonho de uma “super-Esparta” convertido no pesadelo de um Estado pária.
Resposta à altura ao crime organizado
Por Correio Braziliense
Não há outra resposta àqueles que tentam
intimidar o poder público senão aquela baseada em inteligência, articulação de
órgãos estaduais e federais, capacitação contínua dos profissionais envolvidos
e a proteção permanente da sua integridade
Considerado um dos maiores especialistas em
facções criminosas no país, o ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz Fontes
foi assassinado a tiros, na última segunda-feira, em uma rua movimentada de
Praia Grande, em horário de pico. Uma operação de alta complexidade tática e,
provavelmente, meticulosamente arquitetada. As duas principais linhas de
investigação indicam a participação do crime organizado na execução cometida
sem qualquer tipo de pudor. Se confirmada, trata-se de uma demonstração de
forças que merece uma resposta à altura do poder público, cuja capacidade de combater
esses grupos criminosos tem sido cada vez mais questionada.
Semanas antes de ser assassinado, em
entrevista ao grupo Globo, Ferraz Fontes queixou-se da falta de proteção depois
que se aposentou da Polícia Civil. "Eu vivo sozinho na Praia Grande, que é
no meio deles. Pra mim, é muito difícil. Se eu fosse um policial da ativa, eu
tava pouco me importando, teria estrutura para me defender, hoje não tenho
estrutura nenhuma", desabafou. A região é conhecida como um dos redutos do
Primeiro Comando da Capital (PCC), alvo de investigações conduzidas pelo ex-delegado,
jurado de morte em razão disso. Foi ele, por exemplo, o responsável pelo
indiciamento da cúpula da organização criminosa em 2006.
A outra frente apura se a execução tem
ligação com o último trabalho de Ferraz Fontes, o de secretário municipal de
Administração de Praia Grande. Ele cuidava de temas críticos na gestão da
cidade litorânea, como fiscalizações e licitações, e sua atuação estaria
desagradando criminosos infiltrados no setor imobiliário, de interesse do PCC.
Certo é que os quase 30 tiros de fuzil deferidos contra o ex-policial
escancaram, no mínimo, o desprezo dos grupos criminosos pelo Estado de
Direito.
A afronta tem dimensões cada vez mais
críticas. Basta lembrar da também execução, em novembro, do delator do PCC
Vinicius Gritzbach, em plena luz do dia, no Aeroporto Internacional de São
Paulo, o maior da América Latina. Ou do mês inteiro de ataques a ônibus e
prédios de Fortaleza e região metropolitana, em 2019, coordenados por facções
irritadas com medidas para combater o crime dentro dos presídios. Ou, ainda, do
avolumado conjunto de pesquisas e levantamentos que tem alertado para a disseminação
desses grupos criminosos pelo país, sobretudo em regiões remotas e
fronteiriças.
Estudo divulgado, mês passado, pela Cambridge
University Press mostra que 26% da população brasileira vive sob regras
impostas por facções — o maior índice dos 18 países da América Latina
analisados. Segundo os autores, de universidades estadunidenses, a realidade
deve ser ainda pior em toda a região, considerando a dificuldade na coleta de
dados em áreas dominadas pela chamada governança criminal.
Ao comentar o assassinato de Ferraz Fontes, o
ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, traçou panorama semelhante. A
execução "brutal" do ex-delegado, segundo ele, "mostra o nível
de violência que, infelizmente, graça aqui no Brasil e também em outros países".
Mas é preciso fazer o dever de casa. Há um clamor por isso — a falta de
segurança pública figura entre as principais preocupações dos brasileiros
quando questionados sobre as mazelas que assolam o país.
Deflagrada no fim de agosto, a Operação Carbono Oculto evidenciou que o enfrentamento da questão é complexo — as facções diversificaram mercados, firmando um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro com operações além-mar. Mas, também, está claro que não há outra resposta àqueles que tentam intimidar o poder público senão aquela baseada em inteligência, articulação de órgãos estaduais e federais, capacitação contínua dos profissionais envolvidos e a proteção permanente da sua integridade.
PEC da Blindagem desrespeita a sociedade
Por O Povo (CE)
O texto segue agora para o Senado, onde terá
de ser aprovado em duas sessões. O presidente da Comissão de Constituição e
Justiça, Otto Alencar, disse que, no Senado, a proposta não passa. Que assim
seja
A Câmara dos Deputados abonou na madrugada
desta quarta-feira, por ampla maioria de votos, medida que pode ser considerada
um desrespeito ao povo brasileiro.
Durante a sessão, foi aprovada uma proposta
de emenda à Constituição, conhecida como PEC da Blindagem, que protege os
parlamentares de qualquer processo criminal, que não poderá ser levado à frente
sem que a Câmara ou Senado autorize o seu início, por maioria absoluta, com
voto secreto.
Uma decisão desse tipo dá aos parlamentares
um privilégio inaceitável, que os põe acima da lei aplicada aos cidadãos
comuns, tornando-os uma classe de intocáveis.
Conhecendo-se o corporativismo do Congresso
Nacional, caso a PEC seja aprovada também no Senado, pode-se prever que será
raro o evento no qual o Parlamento mandará um colega responder na Justiça por
possíveis irregularidades. É também de se levar em conta que em ambientes
corporativos vige a máxima de "uma não lava outra".
A proposta de "blindagem" ganhou
precedência na oposição durante o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no
Supremo Tribunal Federal (STF). Outro motivo de incômodo é a investigação de
possíveis desvios de recursos nas emendas parlamentares. O ministro Flávio
Dino, do STF, mandou a Polícia Federal verificar supostas irregularidades em
emendas, que somam R$ 694 milhões em repasses da União.
Mas é preciso ressaltar que, apesar de a maioria
dos votos pela aprovação da PEC ter vindo de partidos da oposição e do centrão,
alguns deputados da base governista, inclusive do PT, votaram a favor da
proposta. Isso indica que o corporativismo e a autoproteção vão além dos
limites ideológicos.
Deputados e senadores votaram em completo
desacordo com as preocupações reais da sociedade, principalmente dos setores
mais vulneráveis. É só lembrar que, enquanto adotaram o "regime de
urgência" para a PEC da blindagem, medidas que podem beneficiar milhões de
brasileiros continuam travadas. Por exemplo, a isenção de imposto de renda para
quem ganha até R$ 5 mil e a PEC da Segurança Pública.
O que foi votado tem a ver unicamente com os
interesses daqueles que aprovaram a PEC da Blindagem, ou seja, os próprios
parlamentares. Eles se autoconcederam um cheque em branco para livrá-los de
qualquer problema, presente ou futuro. Além disso, covardemente, definiram que
o voto para autorizar abertura de ações penais será secreto, escapando o dever
de transparência.
O texto segue agora para o Senado, onde terá
de ser aprovado também em duas sessões. O presidente da Comissão de
Constituição e Justiça, Otto Alencar (PSD-BA), disse que no Senado a proposta
não passa. Que assim seja.
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