O Estado de S. Paulo
A crise brasileira mais abrangente está desmoralizando os seus principais atores
Olhando para a PEC da Blindagem na Câmara pode-se argumentar se é a esculhambação na política que leva a uma perda de juízo generalizada, ou se é o contrário. O resultado permanece o mesmo. É o agravamento de uma situação em si bastante perigosa, que vem se disseminando há bastante tempo e se solidificando em vastos estratos sociais, ignorando divisões ideológicas. É a ideia de que o “sistema” está quebrado.
Por “sistema” entende-se “tudo”, ou seja,
partidos, poderes, leis, instituições, normas, regulamentos. Esse conjunto é
percebido como incapaz de responder às questões mais desafiadoras (como
crescimento da economia, por exemplo) ou é visto como viciado para favorecer
determinada corrente política e perseguir outra.
A crise brasileira mais abrangente pode ser
descrita como a incapacidade de enfrentar os principais problemas “estruturais”
(os grandes responsáveis por desigualdade, miséria e injustiça), tais como a
janela demográfica, a estagnação da produtividade e os péssimos resultados em
educação. A expressão mais imediata dessa grande crise é o clima de cada um por
si.
A reforma tributária (na qual quem podia
garantiu o seu) e as renúncias fiscais (a exceção vira direito adquirido) são
exemplos fortes desse arraigado estado de espírito. No sentido ainda mais imediato,
a PEC da blindagem (ou da bandidagem, como se quiser) é mais um retrato nítido
de como o corporativismo de agentes públicos opera principalmente para
conquistar ou defender o que é “seu”.
A erosão da legitimidade e a desmoralização
dos poderes têm sido, nesse sentido, uma obra coletiva de longa duração. O
sistema de governo colabora para desmoralizar a figura do chefe do Executivo
(que nada faz sem o Legislativo). O sistema proporcional de voto colabora para
tornar principalmente a Câmara uma casa de baixíssima representatividade,
fracionada e dissociada de interesses nacionais abrangentes (fora todo o
resto).
Integrantes do STF têm dificuldades em
reconhecer como a própria instituição está sendo desmoralizada na luta política
da qual passou a fazer parte como ator. A realidade política que a Corte
enfrenta é a do crescente descrédito junto a uma enorme parcela da sociedade
que não pode ser designada como “adversários liberticidas bolsonaristas”.
Os avanços incrementais que alguns operadores
políticos detectam (como melhoria na legislação eleitoral, por exemplo)
contrastam com um ambiente geral no qual prevalecem hoje imprevisibilidade,
insegurança jurídica e a falta de lideranças abrangentes dentro ou fora da
política. Cabe tudo, porém, na palavra do momento: ansiedade. •
Nenhum comentário:
Postar um comentário