Valor Econômico
Lula, Senado e STF reagem à investida da
Câmara para blindar parlamentares
Os institutos que aferem a movimentação nas
redes sociais amanheceram, nesta quarta, com um atestado inconteste de rejeição
à PEC da blindagem. Do Senado, desde a véspera, já choviam reações negativas à
proposta. Nada disso foi capaz de impedir que a Câmara dos Deputados, no início
da tarde, ampliasse ainda mais a abrangência da PEC com o voto secreto às
sessões destinadas a avalizar processos contra seus pares no Supremo Tribunal
Federal.
Das razões desse desatino se depreendem muitas das motivações da caixa de ressonância e, principalmente, de dissonâncias, que está a ensurdecer a capital federal. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chegou ao gabinete do presidente da República, na segunda-feira, como portador de uma proposta para que o governo apoiasse a PEC da blindagem em troca de uma anistia restrita à redução de penas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse
que não poderia interferir numa PEC do Congresso que nem por sua sanção passa e
que, qualquer proposta de anistia teria que ser avalizada, antes, pelo STF.
Lula nada mais disse porque a pauta de Motta tinha projetos como a tarifa
social de energia, que acabaria sendo aprovada à tarde. Mal o presidente da Câmara
havia deixado o gabinete, Lula espumou. Pela inexistência de qualquer garantia
de cumprimento, não haveria acordo. Por trás da motivação enfurecida também
estava a certeza, partilhada por alguns de seus ministros, de que uma PEC
dessas, se aprovada, cairia em seu colo por obra e graça eficiente da
extrema-direita nas redes. A resposta viria na noite desta quarta, quando se
colocou, à BBC, contra ambas as propostas.
A ministros do STF, o Centrão havia feito
chegar a ideia de que a PEC deveria ser recepcionada porque, se aprovada, os
parlamentares não teriam mais por que se preocupar com processos na Corte e,
por isso, a pauta do impeachment não prosseguiria. Além disso, com um acordo
extensivo à anistia, poderia se entabular uma negociação com o bolsonarismo
para que a Lei Magnitsky não se estendesse para toda a Corte.
Esta ponte tampouco se sustentou. O
jornalista Paulo Figueiredo garante que não há nenhum acordo sobre Magnitsky. A
chantagem colheu ainda uma resposta do ministro Gilmar Mendes, que, nesta
quarta, deu andamento a duas ações que questionam a legislação sobre
impeachment. Uma acolhe a tese de que o quórum do Senado é baixo para este fim
e a outra, a de que apenas o procurador-geral da República, e não qualquer
cidadão, poderia denunciar ministro da Corte.
E, por fim, o ministro Flávio Dino apertou
ainda mais o torniquete com um prazo de 15 dias para que a AGU apresente o
cronograma de julgamento dos relatórios de gestão das emendas Pix. O despacho
foi a maneira que encontrou para dizer duas coisas. A primeira é a de que a
esperteza de usar emenda para custeio e transferências para estados e
municípios para as “obras” e, assim, trocar o TCU pelos TCEs, está com os dias
contados.
A outra é que está chegando a hora de julgar
o mérito das ações das quais é relator. Ou seja, vai partir pra julgar se a
impositividade das emendas é constitucional tão logo o ministro Edson Fachin,
que assume a Presidência do STF no dia 29, a paute. Pelos depoimentos colhidos
na audiência pública sobre o tema não parece haver muita dúvida sobre o voto do
relator.
O tamanho da reação dá a dimensão do passo em
falso de um presidente da Câmara que se move premido ora pelo antecessor, o
deputado Arthur Lira (PP-AL), que lhe impôs o novo relator da PEC da blindagem,
Cláudio Cajado (PP-BA), ora pelo presidente do PP, o senador Ciro Nogueira
(PP-PI). Pelo açodamento com o qual recolocou em pauta matéria vencida na
véspera, o voto secreto para a deliberação sobre a licença ao STF, Motta
mostrou a inspiração de outro mentor, o ex-deputado Eduardo Cunha, como mostrou
Bernardo Mello Franco, em O Globo. Só vale o resultado que lhe apetece.
Premido por tanta inspiração, Motta descuidou
de combinar com a Casa ao lado, onde impera o voto majoritário e, por isso,
avesso à PEC. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), denominou de
“desabafo” a pressão sobre anistia e impeachment de ministro do STF e as
“agressões” do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) “contra meu país”. Detonou
qualquer acordo do Centrão com o bolsonarismo.
Junto com Motta, tropeçaram muitos
parlamentares. O PL de Nikolas Ferreira (MG) terá dificuldades de explicar a
acachapante votação (83) em favor da blindagem. O PSB também se meteu em apuros
para explicar mais votos (9) pela PEC, inclusive do líder, Pedro Campos (PE),
do que contra (6). A votação escancarou a ascendência de Lira sobre o partido.
A atitude inversa de Antonio Brito, líder do PSD, partido que deu 18 votos pela
rejeição, exibiu a distância entre o presidente da legenda, Gilberto Kassab
(SP), e o do PP, um dos principais interessados pela PEC. E, finalmente, o PT
cuja rejeição à proposta ficou aquém dos 80%, mostrou que o partido incrustou
seu próprio “centrão”.
Dos argumentos publicáveis em defesa da PEC,
aquele que mais exibe a distância do Congresso dos eleitores que deveria
representar está o de que a PEC resgata a Constituição de 1988. É verdade que
aquele texto, promulgado antes do nascimento de Motta, previa a autorização
para processo contra parlamentar, mas o PCC só seria criado cinco anos depois.
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