O Globo
Assassinato desta semana reacendeu a sensação
de insegurança entre servidores que investigaram o crime organizado
No dia 14 de março de 2003, por volta das 18h30, o carro do juiz corregedor Antônio José Machado Dias, depois de sair do fórum em Presidente Prudente, interior de São Paulo, foi fechado por um Fiat Uno. Um homem atirou quatro vezes com uma pistola 9mm. Um dos tiros atingiu a cabeça; outros, o braço e o peito. Ele perdeu o controle do carro, bateu numa árvore e morreu. Dois anos depois, em 23 de outubro de 2005, por volta das 17h, em Taubaté, também no interior, José Ismael Pedrosa, ex-diretor da Casa de Custódia da cidade, voltava para casa de um churrasco, quando sofreu uma emboscada. Foram 11 tiros no rosto, cabeça, abdômen e costas. Pedrosa morreu no local. Na última segunda-feira, Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral de São Paulo, após ser perseguido por um Hilux, bateu seu carro num ônibus. Dois homens desceram do veículo e dispararam. Ferraz foi executado não com quatro nem 11 tiros. Mas com 29 perfurações, feitas por fuzil.
Além de os episódios mostrarem uma audácia
cada vez maior dos criminosos, eles têm elementos em comum. Os alvos eram
servidores públicos. Foram assassinados em razão da função que exerceram e
estavam sozinhos, sem escolta, dirigindo seus carros. Dias, conhecido como
Machadinho, era o juiz responsável pela Penitenciária de Presidente Bernardes,
onde estavam presas lideranças do PCC. Pedrosa foi diretor do presídio de
Taubaté, onde nasceu o PCC, e também do Carandiru, durante o massacre em que
morreram 111. No caso de Fontes, uma das linhas de investigação aponta para
vingança por investigações dele contra o PCC nos anos 2000.
O assassinato desta semana reacendeu a
sensação de insegurança entre funcionários públicos que investigaram o crime
organizado — e que não estão mais na linha de frente. Depois do assassinato de
Ferraz, um policial federal, um ex-secretário de Segurança e um juiz aposentado
manifestaram a pessoas próximas, segundo relato à coluna, o medo de serem os
próximos. Longe dos holofotes da investigação e sem a proteção do Estado, se
tornaram presas fáceis — como foram Pedrosa e Ferraz, já aposentados quando
executados.
Não há lei que regule a proteção de quem
dedicou a vida a proteger o Estado. Policiais, juízes e promotores dependem da
boa vontade da autoridade de plantão. O promotor Lincoln Gakiya, que há 20 anos
investiga o PCC, está a um ano e meio de se aposentar. Para manter a escolta,
dependerá da boa vontade do inquilino do Palácio dos Bandeirantes — ou terá de
arcar com segurança privada para ele e família pelo resto da vida.
O Projeto de Lei Antimáfia tem um capítulo
sobre “proteção especial a vítimas e testemunhas de organização criminosa
qualificada”. O texto prevê proteção a servidores, mesmo na aposentadoria, e a
familiares — uma filha de Pedrosa foi sequestrada pelo PCC. O assunto deveria
ser urgente. Mas está empacado no Ministério da Justiça por disputas envolvendo
criação de agência e nome do projeto.
Enquanto isso, no Congresso, a proteção que
se discute é outra. A blindagem aos próprios políticos. O resto dos servidores
fica abandonado à própria sorte. Dentro de seus carros. Sem escolta nem
blindagem.
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