A próxima grande faxina da presidente Dilma
Rousseff deveria ser na política econômica. Com dois anos perdidos e apenas
meio mandato pela frente, ela tem pouco tempo para se livrar do entulho de
erros e montar uma estratégia de crescimento de longo prazo. A melhor síntese
dos enganos acumulados nos últimos dez anos está na balança comercial, onde
aparecem com clareza tanto os equívocos da política interna quanto os enormes
tropeços da diplomacia econômica. O desestímulo à indústria, a perda de
competitividade, o erro de diagnóstico no meio da crise, a perigosa dependência
da China e o delírio da opção terceiro-mundista estão refletidos na evolução do
comércio de manufaturados e de commodities. Esses dados combinam perfeitamente
com a estagnação industrial nos últimos dois anos, com a redução do
investimento, mostrada no último relatório sobre o Produto Interno Bruto (PIB),
e com a produção declinante de bens de capital - uma queda de 10,1% nos 12
meses até outubro.
O erro de diagnóstico já foi apontado mais de
uma vez por vários analistas e confirmado por todos os dados recentes. O governo
gastou muita munição para estimular o consumo e negligenciou a capacidade de
resposta da indústria. O déficit comercial do setor de manufaturados, US$ 96
bilhões em 2011, deve chegar neste ano a US$ 100 bilhões, segundo estimativa da
Confederação Nacional da Indústria (CNI). A participação de manufaturados
estrangeiros no mercado interno de consumo praticamente dobrou em dez anos e
chegou a 20,1% em 2011. O grande salto ocorreu em anos recentes.
O desajuste industrial está longe de ser uma
tendência nova. Entre 2000 e 2011 a produção do setor de transformação cresceu
a uma taxa média anual de 2,4%, enquanto a produtividade da mão de obra
aumentou 0,6% ao ano, segundo a CNI. Pelo menos 18 economias industriais
bateram o Brasil nesse quesito. A lista ficaria muito maior com a inclusão de
emergentes.
No entanto, apesar de todas as desvantagens
comparativas, a exportação de manufaturados tem resistido razoavelmente ao
impacto da crise global, enquanto o comércio de produtos primários é
severamente afetado pela desaceleração das grandes economias, a começar pela
chinesa. De janeiro a novembro, o Brasil exportou manufaturados no valor de US$
83,4 bilhões, 1,4% menor que o de um ano antes. A receita dos básicos, US$
104,2 bilhões, foi 7,8% inferior à de janeiro-novembro de 2011. A redução é
explicável tanto pelos volumes quanto pelas cotações. Os preços de bens
industriais, sabe-se há muito tempo, são menos sujeitos a grandes oscilações em
tempos de crise. Não há nenhum mal em fomentar as vendas de produtos primários
e semielaborados. Mas é um erro enorme descuidar do comércio da indústria de
transformação, deixando-o na dependência de alguns mercados tradicionalmente
acessíveis, como os latino-americanos. O Brasil tem perdido também esses
mercados para produtores mais competitivos, como os chineses e outros
asiáticos.
De janeiro a novembro, a exportação para a
China, US$ 38 bilhões, foi 7,3% menor que a de igual período de 2011. Mais
detalhes da pauta só estão disponíveis até outubro. Nesses dez meses, a receita
obtida com os básicos foi 7,4% inferior à de um ano antes. A de manufaturados
cresceu 17,2% e a de semielaborados, 3,38%, mas esse conjunto representou
apenas 16,4% do valor total. A relação comercial entre Brasil e China é de
estilo colonial. Foi definida como estratégica, no entanto, pelos formuladores
da diplomacia petista.
As vendas brasileiras para os Estados Unidos
chegaram a US$ 22,7 bilhões até outubro e US$ 24,9 bilhões até novembro (com
ganho de 5,7% em relação ao ano anterior). Esse crescimento foi puxado pela
indústria de transformação. Até outubro, as vendas de manufaturados para o
mercado americano alcançaram US$ 11,1 bilhões, 48,8% do valor total. O aumento
foi de 19% sobre os meses correspondentes de 2011. Incluídos os
semimanufaturados, o total dos industrializados chegou a US$ 15,4 bilhões, 68%
da receita. A relação com o Império é bem mais igualitária do que o comércio
com os parceiros "estratégicos".
Uma diplomacia econômica mais adulta teria ao
mesmo tempo ampliado o comércio com os grandes parceiros tradicionais - e para
isso conviria negociar acordos com Estados Unidos e União Europeia - e
continuado a diversificação geográfica, iniciada de fato há muito tempo. Uma
política orientada para o comércio com todos os mercados, sem bobagens terceiro-mundistas,
teria imposto uma atenção muito maior à produtividade e à inovação. O resultado
seria uma economia muito mais dinâmica. Não se chega a isso com improvisações,
incentivos parciais e provisórios, remendos tributários, demagogia na educação,
voluntarismo e loteamento do governo. Se a presidente insistir nesse rumo, o
País perderá bem mais que os quatro anos deste seu mandato.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário