Temos visto, uns após outros, casos de
corrupção que mostram não apenas que o patrimonialismo continua sendo o cupim
de nossa democracia como também que estamos vivendo uma época de
desestruturação de valores da cidadania. Essa politização exacerbada na escolha
dos componentes da máquina do Estado, que leva o aparelhamento político a
níveis os mais profundos, pode chegar até ao Supremo Tribunal Federal como
revela a recente entrevista do ministro Luiz Fux à "Folha de S.
Paulo".
Se não aconteceu da maneira como os petistas
supunham não foi devido ao entendimento de que a independência dos juízes é
fundamental, mas ao que consideram simplesmente uma traição do escolhido com o
suposto compromisso de ajudar o governo nessas votações. O ministro Fux alega
que, ao chegar ao STF, tinha uma visão do processo do mensalão que desmoronou
diante da leitura atenta dos autos, onde teria constatado que existiam, sim,
provas contundentes contra os réus.
O presidente atual do STF, o temido ministro
Joaquim Barbosa, disse na sua posse que os juízes deveriam ficar longe da
política, mas ele mesmo admitira que procurou um contato com o então
ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, antes de ser escolhido para o
Supremo. A sorte dele é que àquela altura estávamos em 2003 e não havia ainda o
mensalão.
A ministra Eliana Calmon, quando também
temida corregedora do CNJ, admitiu que para chegar ao STJ teve o apoio político
do político baiano mais influente até hoje, Antonio Carlos Magalhães, embora
ressalve que nunca ofereceu, nem lhe foi pedido, qualquer posição como juíza.
Seja lá como for, a posição que o STF tomou
no julgamento do mensalão mostra uma independência elogiável desses ministros,
cuja maioria foi nomeada por governos petistas. O fato é que temos hoje
instituições nacionais funcionando como órgãos de Estado, e não servindo ao
governo da ocasião, o que é um exemplo de maturidade de nossa jovem democracia
e faz contraponto a essa desestruturação da cidadania que serve a um projeto
político autoritário.
O Ministério Público continua atuando com
independência, e foi assim, por meio do procurador-geral da República, Roberto
Gurgel, que atuou no processo do mensalão, embora ele tenha sido indicado pelo
presidente Lula. Essa independência toda levou a que petistas tentassem
desmoralizá-lo em represália, na CPI do Cachoeira, e que também agissem contra
a própria instituição, colocando para andar na Câmara um projeto que impede o MP
de realizar investigações. Sintomaticamente já está sendo conhecida como
"a lei da impunidade".
Agora mesmo temos o exemplo da Polícia
Federal agindo de maneira autônoma e investigando nada mais nada menos que a
chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, tida por todos como
"a namorada do Lula". Os petistas mais paranoicos viram na ação uma
tentativa de desestabilizar Lula, e citam como prova o fato de o ministro da
Justiça não ter sido informado. Cardozo diz que não deveria mesmo sê-lo e
defende a PF.
Não passa de uma balela, portanto, que a
independência desses órgãos acontece graças aos governos petistas, como o
ministro Gilberto Carvalho, da secretaria particular da Presidência, andou
dizendo, corroborado pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Na
verdade, deve-se essa atuação a um processo que vem se desenrolando há muitos
anos, desde a aprovação da chamada Constituição cidadã em 1988, e a democracia
brasileira vai se tornando cada vez mais forte à medida que fique cada vez mais
difícil aos governos controlar órgãos de Estado. Sempre que algum desvio é
tentado, e a opinião pública toma conhecimento disso, há uma reação muito
grande. Temos o exemplo da CPI do Cachoeira, cujo relatório vergonhoso
primeiramente apresentado foi rejeitado, em uma CPI em que o governo tem
maioria.
O caso do dirigente da Agência Nacional de
Águas (ANA) Paulo Vieira, que acabou sendo aprovado pelo Senado depois de ter
sido rejeitado duas vezes, certamente não teria esse desfecho se a oposição
tivesse colocado a boca no trombone. O que importa hoje no Brasil é que há
instituições que podem trabalhar com independência, e a opinião pública atua
fortemente para frear abusos de governos autoritários.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário