- Folha de S.
Paulo
Kajuru rebateu
ministros do STF e disse que não faz teatro; Flávio Bolsonaro acionou Conselho
de Ética
BRASÍLIA e SÃO
PAULO - A
publicação da conversa entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
e o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) sobre a CPI da Covid
provocou nesta segunda-feira (12) um bate-boca que atingiu outras autoridades e
ampliou o desgaste do governo com o Congresso e o STF (Supremo Tribunal
Federal).
O
conteúdo da ligação telefônica, que veio a público no domingo (11) e teve uma
segunda parte divulgada no dia seguinte, expôs a pressão de Bolsonaro para que
o Senado amplie o escopo da CPI que investigará responsabilidades
na pandemia, de forma a atingir também prefeitos e governadores.
A
instalação da comissão parlamentar de inquérito sobre a atuação do governo
federal na crise sanitária foi determinada na quinta-feira (8) pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso, em
decisão monocrática que deverá ser julgada no plenário físico da corte nesta
quarta-feira (14).
A exposição da conversa, feita por Kajuru em redes sociais, mostrava o presidente dizendo que, se os senadores não alargarem o foco de investigação da CPI, incluindo apurações sobre as ações de governos estaduais e prefeituras, serão escrutinados apenas o governo federal e seus aliados.
No
diálogo, o chefe do Executivo também estimulou o senador a atuar pelo
impeachment de ministros do STF, sugerindo que dá para fazer "do limão uma
limonada".
Na
manhã desta segunda-feira, ao conversar com simpatizantes em Brasília,
Bolsonaro condenou o registro e a divulgação do diálogo, indicando que não
sabia que estava sendo gravado.
"O
que está em voga hoje em dia é que eu fui gravado numa conversa telefônica. A
que ponto chegamos no Brasil aqui. Gravado", disse Bolsonaro, segundo
imagens divulgadas na internet por um apoiador.
"Não é vazar. É te gravar. A gravação é só com autorização judicial. Agora, gravar o presidente e divulgar. E outra, só para controle, falei mais coisas naquela conversa lá. Pode divulgar tudo da minha parte, tá?", complementou o presidente na porta do Palácio da Alvorada.
Kajuru,
durante entrevista à Rádio Bandeirantes ainda pela manhã, decidiu então
divulgar um trecho ainda inédito. Nele, Bolsonaro chamou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) de
"bosta" e afirmou que teria que "sair na
porrada" com o autor do requerimento de criação da CPI da Covid.
"Se
você [Kajuru] não participa [da CPI], vem a canalhada lá do Randolfe Rodrigues
para participar e vai começar a encher o saco. Daí, vou ter que sair na porrada
com um bosta desses", afirmou o presidente.
À
rádio Kajuru disse ter avisado a Bolsonaro às 12h40 de domingo que, em 20
minutos, divulgaria o áudio da conversa. De acordo com o parlamentar, todos
sabem que ele grava seus contatos telefônicos e que já divulgou outros diálogos
que teve com Bolsonaro.
O
senador relatou que em nenhum momento o presidente pediu que ele não publicasse
o áudio. Afirmou ainda que omitiu o ataque a Randolfe para proteger o chefe do
Executivo, que a ofensa foi desnecessária e que, ao ouvi-la, pediu calma a
Bolsonaro e disse não ser "hora disso".
Randolfe
disse à Bandeirantes que "o presidente devia ter coisas mais importantes
para se preocupar do que chamar senador para briga de rua". "Eu não
sei o presidente, mas eu não tenho idade para participar de briga de rua",
respondeu o parlamentar de oposição.
À Folha Kajuru
disse que sua ligação não foi nenhuma armadilha para Bolsonaro e que
não estava fazendo nenhum “teatro” durante a conversa,
diferentemente do que interpretaram ministros do STF.
Segundo
magistrados ouvidos pela coluna Mônica Bergamo, o diálogo poderia ter sido
armado pelos dois para constranger ministros da corte. Ministros disseram
acreditar que a conversa não teria sido espontânea, mas, sim, combinada
previamente.
No
plenário do tribunal, a tendência é que a decisão de Barroso pela instalação da CPI seja
mantida, mas os ministros articulam um meio-termo: a comissão só começaria a
funcionar depois que o Senado voltasse a se reunir presencialmente, com um
risco menor de contaminação pela Covid-19.
Os
ataques de Bolsonaro aos ministros causaram turbulência justamente no momento
em que o tribunal discutia um entendimento que, em tese, pode beneficiá-lo,
protelando a instalação da CPI. As conversas no STF se intensificaram no fim de
semana, mas ainda não há conclusão definitiva sobre o assunto.
O
ministro Marco Aurélio Mello disse ao Painel que as afirmações do
presidente causam perplexidade. "Em tempos estranhos nada surpreende,
deixa a todos perplexos", afirmou.
“Se
alguém fez teatro foi o presidente Bolsonaro. Eu não fiz teatro nenhum, não. Eu
fui reivindicar o meu direito de cobrar dele para ele ser justo e não colocar
todo o mundo [todos os senadores] na mesma vala”, afirmou Kajuru à Folha.
"Eu
não faço parte de teatro. Que esses ministros me respeitem. Eu respeito alguns
só, tanto que estou pedindo impeachment de Alexandre de Moraes e no
ano passado pedi do Gilmar Mendes. [...] Não tenho nada que
comentar uma barbaridade dessa, dita dessa forma", continuou.
O
senador insistiu que não participa "de teatro nenhum" e afirmou que
esse papel é feito, na verdade, pelo Supremo. "Basta ver os julgamentos,
com esses placares de 6 a 5. Ali que é teatro. Me
respeitem."
Kajuru
disse também que o presidente teve chances de se opor à divulgação, mas que não o fez e apenas nesta
segunda “mudou de ideia”, muito provavelmente após ter
sido alertado de que cometeu erros.
O
senador afirmou que telefonou para Bolsonaro "exclusivamente para reclamar
dele". "Ele não foi correto com outros senadores e nem comigo, ao
generalizar todos os senadores que queriam fazer só uma CPI contra ele, que ele chamou de 'CPI
Sacana'. [...] Chegou a chamar de canalhada todo o mundo."
Ele
disse que divulgou o material porque o considerava importante. "Eu decidi colocar no ar porque é público, eu
disse no Senado, na tribuna do Senado, que toda conversa minha com político eu
gravo. [...] Não vi crime nenhum, porque toda vez que conversei com ele, sobre
diabetes, sobre outros assuntos, eu botei no ar a nossa conversa. E ele nunca
reclamou. Por quê? Porque quando era bom não reclamava."
Kajuru
afirmou ainda que a divulgação da gravação ajudava a esclarecer outros
senadores sobre o posicionamento do presidente.
"Eu
pensei que isso aí esclarece de vez aos outros senadores que o Bolsonaro, pela
primeira vez, disse que não é contra a CPI, porque eu fiz ele falar isso. Ele
falou assim: 'Não, Kajuru, se ouvir governadores e prefeitos, tem mais é que
ter CPI mesmo, pronto, acabou, não estou nem aí. Coloca tudo pra frente,
impeachment, CPI, mas tem que ouvir governadores e prefeitos'."
O
parlamentar também ironizou o fato de o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ)
ter anunciado que iria ao Conselho de Ética contra ele.
Flávio sustenta que seu pai não deu consentimento à gravação da conversa. Para
ele, o gesto do colega de Senado causa "instabilidade institucional".
“A
gente iria juntos, cada um com o seu motivo", rebateu Kajuru. "Eu não
cometi crime nenhum. Qual crime que eu cometi? E ele?”, questionou, em
referência aos pedido de abertura de procedimento contra o filho do presidente,
por conta das acusações de crime de “rachadinha”.
Kajuru
afirmou ainda que não foi estimulado pelo presidente a entrar com pedidos de
impeachment de ministros do STF e que já trabalhava por isso. "Ele não me
instigou. Eu entrei antes de ele falar comigo. Eu disse: 'Já fiz isso,
presidente'. Não foi ele que determinou, não. Eu entrei tem 60 dias."
"Eu
não considero isso crime. Eu considero que foi uma opinião dada a ele e ele se
mostrou duvidoso: 'Ah, o Kajuru não vai entrar com pedido de impeachment [de
ministros do STF], nada'. E quis falar isso para mim."
A
troca de acusações entre Bolsonaro e Kajuru prosseguiu na noite de segunda.
Bolsonaro publicou em suas redes um vídeo em que o senador diz à CNN Brasil que
o presidente da farmacêutica Pfizer teria vindo ao Brasil no ano passado e
esperado por 10 horas no Palácio do Planalto para se reunir com o mandatário,
sem que ao final fosse recebido. A empresa negou à emissora que o episódio
tenha ocorrido.
"Mais
uma mentira do Kajuru", escreveu Bolsonaro.
Em
conversa com apoiadores ao voltar para o Palácio da Alvorada, Bolsonaro voltou
a questionar o parlamentar e disse que não tinha interesse nenhum em se deixar
ser gravado por Kajuru.
Depois
de ver seu filiado como pivô da nova crise do governo, o Cidadania anunciou
nesta segunda que convidará Kajuru a deixar o partido.
A
legenda afirmou, em nota, que defende a democracia e a separação entre os
Poderes, valores "diametralmente opostos aos observados na conversa"
do senador com o presidente, "em que flagrantemente se discute e se comete
um crime de responsabilidade".
O
presidente do Cidadania, Roberto Freire, afirmou no comunicado que o
partido "condena, de forma veemente, não apenas a interferência do
Executivo no Senado como também a tentativa clara de intimidação aos ministros
do STF, o que também deve ser merecedor de total repúdio da sociedade".
Também
nesta segunda, o PDT protocolou na Câmara dos Deputados um novo pedido de impeachment contra
Bolsonaro, alegando que o presidente ameaça o livre exercício dos Poderes. Uma
das razões apresentadas foi a reação de Bolsonaro à decisão de Barroso pela
instalação da CPI.
Na
ocasião, o presidente foi às redes sociais dizer que "falta coragem
moral" e "sobra imprópria militância política" ao ministro. No
pedido apresentado pelo PDT, que é assinado pelo presidenciável Ciro Gomes e pelo
presidente da legenda, Carlos Lupi, a postura do mandatário foi descrita como
"brutal e hostil".
"Já
não é nenhuma novidade que o presidente da República manifesta profundo
desprestígio ao Poder Judiciário. São inúmeras as notícias que dão conta da
proliferação de diversos atos acintosos ao livre exercício do Poder
Judiciário", diz o documento.
O
texto diz que, entre os possíveis crimes de responsabilidade que podem justificar
um afastamento estão atos do presidente que atentem contra a
Constituição e o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do
Ministério Público e das unidades da Federação.
A
suposta interferência de Bolsonaro em outros Poderes foi
mencionada por opositores diante da revelação da conversa com Kajuru.
Líder
da minoria na Câmara, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) disse que o
diálogo "é a confissão dos crimes do presidente na pandemia e mais um
motivo para impeachment".
"Bolsonaro
quer interferir no Legislativo e no STF para impedir que as investigações
aconteçam. Vamos exigir a instalação da CPI da Covid imediatamente",
afirmou em uma rede social. Ele também se solidarizou com Randolfe e disse que
Bolsonaro "apela para a violência para fugir das investigações".
O
ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou que "a
conversa entre um senador e o presidente da República articulando contra uma
CPI e um ministro do STF é um fato gravíssimo" e que "a própria CPI
poderá investigar o possível crime do presidente da República".
Já
a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), que se elegeu como
apoiadora de Bolsonaro e hoje faz críticas pontuais a ele, minimizou as
eventuais implicações jurídicas do episódio, afirmando não ver articulação
entre o presidente e o senador contra instituições.
"A
conversa de Bolsonaro com Kajuru me parece básica. Não vejo articulação",
afirmou em uma rede social. "Se há algo a investigar é justamente o
destino dado ao dinheiro liberado. [...] Eu mesma havia escrito aqui no Twitter
que a CPI, se realmente instalada, deveria ter esse foco!"
"Fui
a primeira a criticar o estilo Bolsonaro de enfrentamento da crise. Mas daí a
dizer que ele tem culpa pelas mortes, vai uma distância. [João] Doria fez sempre o oposto de Bolsonaro e,
em São Paulo, morre-se mais que no Brasil! CPI para que, afinal? Só se for para
seguir o dinheiro", disse a deputada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário