Presidente
dependerá mais do Centrão em 2022
Os manuais de biologia definem a simbiose como a relação entre duas
espécies em que uma, ou ambas, se beneficiam da união. Se apenas uma das partes
se favorece, o enlace descamba para o parasitismo.
Aplicando-se a biologia à política, a controversa CPI da pandemia
colocará à prova o casamento do Centrão com o governo Jair Bolsonaro, e o tempo
definirá a natureza dessa também relação simbiótica: mutualismo, comensalismo,
ou, num cenário de esgarçamento dos laços - diante de eventual corrosão da
popularidade presidencial -, parasitismo.
O apogeu dessa relação materializou-se na nomeação da deputada Flávia
Arruda, do PL do Distrito Federal, para a Secretaria de Governo. A CPI que
investigará responsabilidades do governo federal - mas também de governadores e
prefeitos - na condução da pandemia colocará à prova a solidez do enlace e a
habilidade da ministra estreante.
Se o Centrão tomar para si as rédeas da investigação, centrando fogo sobre os governadores, que entraram na mira graças à articulação de Bolsonaro, essa relação tende a se fortalecer, com a provável expansão dos domínios do bloco no governo, e fragilizando os militares.
Nessa hipótese, uma fonte miliar, com trânsito no Palácio do Planalto,
vê até mesmo o ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, velho amigo de
Bolsonaro, com a cabeça a prêmio, se o presidente for obrigado a reafirmar os
laços com o Centrão em um “recasamento” - que aliás, está na moda.
Esse raciocínio parte da necessidade de Bolsonaro ratificar a aliança
com o Centrão no ano que vem para a campanha da reeleição. “São os políticos
que têm bagagem para conduzir o processo eleitoral, não os militares”,
argumenta a fonte militar.
A mesma fonte observa que os três ministros palacianos - Fábio Faria
(Comunicações), Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral), e Flávia Arruda (Secretaria
de Governo) -, são pré-candidatos aos governos de seus Estados,
respectivamente, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, e Distrito Federal.
Faria é contabilizado como palaciano, porque despacha em dois gabinetes: no
Bloco R da Esplanada, e no Planalto.
“Os políticos vão querer estar com o Planalto na mão. E o Bolsonaro
precisará nessa hora dos políticos, não dos militares”, prossegue a fonte
militar. “Dos militares, o general Braga Netto [novo ministro da Defesa] vai
tomar conta. Por isso, o general Ramos terá dificuldade de ficar na Casa
Civil”, conclui.
É nesse pano de fundo, com o propósito de ter o governo em mãos, verbas
e cargos, que o Centrão vai para a CPI da Pandemia com a faca nos dentes, determinado
a blindar o governo com um time de atacantes. O ponta-de-lança é o presidente
do PP, senador Ciro Nogueira (PI), aliado de primeira hora do Planalto. Ele tem
na mira, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), ex-aliado, que tentará
apear do poder no pleito de 2022.
Mas será uma briga de profissionais, e cada sessão da CPI lembrará uma
final de campeonato. Quatro vezes presidente do Senado, e líder da maioria,
Renan Calheiros (MDB-AL) demarcou o espaço dos times no campo: a oposição será
majoritária, com pelo menos seis dos 11 integrantes. Ele calcula que se o PSDB
e o PSD indicarem quadros independentes, como Tasso Jereissati (CE), e Otto
Alencar (BA), respectivamente, o bloco da oposição poderá somar até oito dos 11
votos.
O MDB só escalou profissionais: Renan e o líder da bancada, Eduardo
Braga (AM). Como a maior bancada do Senado, os emedebistas invocam a
prerrogativa de indicar o presidente ou o relator. “Depois que o Bolsonaro
ajudou a esmagar o MDB nas urnas, só podemos fazer oposição ao governo”,
vociferou Renan à coluna.
Um problema lateral é que o Centrão é um parceiro inconstante. Endossou
ao lado de Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) a criação da
outrora temida CPI mista das “fake news”, emplacando na vice-presidência o
deputado Ricardo Barros (PP-PR. Como a política muda como as nuvens, meses
depois, Barros virou líder do governo na Câmara. Quando (e se) a CPMI for
retomada, Barros será um aliado na direção do colegiado.
Um dos autores do mandado de segurança para que a CPI da Pandemia seja
instalada, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) acredita que o presidente
Rodrigo Pacheco (DEM-MG) fará a leitura do requerimento hoje, abrindo prazo
para as indicações dos integrantes do colegiado. Ele aposta na fusão dos
requerimentos de investigação do governo federal, e dos governadores e
prefeitos. “Não vejo dificuldade para isso, podemos trabalhar com
subrelatores”, descomplica. Vieira não acredita que o Supremo Tribunal Federal
module a liminar de Luís Roberto Barroso para retardar a instalação do
colegiado para o fim da pandemia.
Renan acrescenta que a ampliação da investigação para governadores e
prefeitos já é consenso, e não será obstáculo à instalação do colegiado. Ele
duvida que Pacheco continuará protelando a CPI. “Não acredito que ele
continuará pagando o preço desse desgaste, ele está se tornando cúmplice desse
morticínio”.
Em 2005, Renan presidia o Senado quando teve de acatar determinação do
STF para instalar a CPI dos bingos. A decisão partiu do então decano da Corte, Celso
de Mello, que abriu o precedente hoje invocado por Barroso. Mello registrou em
seu voto que as comissões de inquérito são direitos das minorias porque “as
maiorias não precisam de CPIs”.
Na biologia, é o “comensalismo” que mais evoca a relação do governo, o
“hospedeiro maior” ou “anfitrião”, com o “comensal menor”, que seria o aliado.
Um exemplo dessa espécie de casamento na natureza são as hienas e os leões. Os
primeiros se alimentam dos restos da caça dos grandes felinos.
Se a relação na política se deteriora, beirando o fim da aliança, assemelha-se gradativamente ao “parasitismo”. Neste caso, o parasita é o único a se beneficiar, sugando a energia do hospedeiro até o fim. Na natureza, os exemplos mais comuns são as pulgas e os carrapatos.
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