Bolsonaro
terminara a quinta, 7 de abril, abatido. Roberto Barroso havia, pouco antes,
ordenado ao Senado que instalasse CPI cujo objeto consiste em investigar as
omissões do governo federal no enfrentamento à peste.
Uma
nota: Barroso — que não raro se excede para interferir no Legislativo — não
mandara abrir, de ofício, uma CPI; mas tão somente reagira a uma provocação, um
mandado de segurança, que invocava a Constituição por um direito das minorias
parlamentares. O ministro acertara. Lastreada em jurisprudência do tribunal, a
liminar era incontornável e vinha em defesa da democracia representativa. Uma
vez cumpridos os requisitos formais, havendo um terço de assinantes entre os
senadores, fato determinado e prazo definido, não caberia ao presidente do Senado
outro ato senão criar a comissão. Ponto final. Era, pois, o procrastinador
Rodrigo Pacheco, comportando-se como um general-ramos de Bolsonaro, a faltar
com a responsabilidade institucional — tocado a ser chefe de Poder pela vara do
Supremo.
E,
então, o abatimento de Bolsonaro na quinta: produto de seu isolamento,
aprofundado pela decisão do ministro. No mundo real: está fraco, dependente de
Valdemar da Costa Neto e de pachequismos no Congresso.
Na
sexta-feira, porém, o presidente mudaria — subiria — o tom; artificialmente,
conforme o padrão, para alimentar sua base de apoio sectária. Barroso — a
rigor, o STF como instituição a ser corroída — voltava a ser o inimigo. Inimigo
imaginário. Inimigo imaginário e secundário, aquele contra quem batalhar na
guerra — a principal — contra os tiranos governadores, os corruptos cerceadores
da liberdade e semeadores da pobreza.
Por
que não investigá-los também — incluí-los — na CPI?
Ali, Bolsonaro soprava o apito que ditaria o comportamento dos seus no curso do fim de semana. Haveria uma “jogada casada” entre STF e a “bancada de esquerda no Senado” — o establishment operando — para derrubá-lo (preservando os tucanos e comunistas). Não apenas. O presidente daria outra senha: era hora de retomar a carga pelo impeachment de ministros do Supremo; cobrou “coragem moral” de Barroso para determinar a abertura de processos dessa natureza.
Nota
para desprovidos de memória: por meio do filho Flávio, o moralmente corajoso
Bolsonaro trabalhara loucamente para que não prosperasse uma estrovenga chamada
CPI da Lava-Toga, proposta para... investigar ministros do STF. Outra nota: ao
contrário da instalação de CPI, que não depende do pacheco da vez, pautar
impedimento de ministro de corte constitucional é prerrogativa exclusiva do
presidente do Senado.
Chegamos
ao sábado. A agenda bolsonarista está posta: inchar a CPI para inviabilizá-la
tecnicamente. E eis que o senador Alessandro Vieira, dito independente,
apresenta petição para que o alcance da CPI seja ampliado. Do ponto de vista
legal, um absoluto despautério. Explico: o objeto de uma CPI só pode ser
alargado pela própria comissão — o que pressupõe que esteja estabelecida, com
membros escolhidos. Não é o caso. (Ainda.) E mesmo essa ampliação tem regras
limitadoras, de modo que jamais comportará a inclusão de governos estaduais e
municipais à baciada — o que significaria a perda do fato determinado
necessário à existência de uma CPI. (Essa ampliação exige fatos conexos. Por
exemplo: se se vai, e consta do requerimento, investigar a atuação do governo
federal no conjunto de barbaridades que resultou na falta de oxigênio em
Manaus, mui provavelmente, como desdobramentos, serão apuradas as
responsabilidades do prefeito daquela cidade e do governador do Amazonas na
tragédia.)
É
como funciona. E o senador Vieira sabe. Deveria saber também que sua medida,
formalmente inócua, inócua não é politicamente: ao fomentar insegurança sobre a
firmeza do objeto pelo qual se assinou a demanda por CPI, seu movimento
estimula senadores a retirar os nomes do documento. Quem subscreve algo cujo
conteúdo pode ser mexido no improviso? Não sei se lhe foi a intenção, mas o ato
de Vieira bagunça, desinforma e faz o jogo de Bolsonaro.
Não
foi, contudo, o pior evento do sábado. Do que só saberíamos no domingo, quando
o senador Kajuru tornou pública conversa — de sua parte, sob forma de quebra de
decoro, um desfile de vassalagem — havida com Bolsonaro na véspera. Parece-me
improvável que o presidente desconhecesse a gravação e a intenção do
interlocutor de divulgá-la. Seja como for, enquanto o outro implorava para ser
trigo e não joio (não tem votos sem o bolsonarismo), ouvimos Bolsonaro cometer
crimes; e mais que simples crimes de responsabilidade.
Para
muito além de — aí, sim — interferir num Poder (alguma manifestação de Pacheco
a respeito?) para minar CPI (para melar apuração em que, que tal?, seria
investigado), o presidente instrumentaliza um senador para intimidar e — a
palavra é esta — chantagear o Supremo. E assim continuará, radicalizando,
delinquindo, em busca de brechas para seus avanços autocráticos, impunemente,
desprovidos que vamos de procurador-geral da República.
Está fraco e isolado, mas não perdeu o senso de — o faro para — oportunidades. Conta com essa gentinha para lhe fornecer os ensejos.
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