Um
presidente em apuros
O
presidente Jair Bolsonaro negou que soubesse que fora gravada sua conversa com
o senador Jorge Kajuru (CIDADANIA) e que autorizou sua divulgação. Gravar
conversa com presidente da República é crime, segundo ele. (Não é, mas deixa
pra lá.) O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) denunciou Kajuru ao Conselho
de Ética do Senado que não se reúne há dois anos.
Kajuru
disse que grava todas as suas conversas com políticos para poder se defender
depois, caso digam que ele falou uma coisa que não tenha falado. Dispõe para
isso de uma caneta-gravador que ganhou de presente. Disse que avisou, sim, a
Bolsonaro, em um segundo telefonema, que divulgaria o conteúdo da conversa. E
que o presidente não se opôs a isso.
Bolsonaro
é presidente do baixo clero, como Kajuru é do baixo clero do Senado. Não se
deve dar importância ao episódio, aconselham políticos experientes e ministros
do Supremo Tribunal Federal. Valer-se de Kajuru como escada revela o crescente
isolamento de Bolsonaro. Os dois formam uma dupla do barulho. Ambos se merecem.
O país passaria muito bem sem eles.
Mas
como ignorar que Bolsonaro, deputado do baixo clero por quase 30 anos,
acidentalmente eleito presidente, governa – ou desgoverna – o país há 15 meses,
e tem mais 20 pela frente? O fato é que ele perdeu a batalha inicial da CPI
destinada a apurar os erros do seu governo no combate à Covid. Os senadores
mantiveram suas assinaturas no pedido de convocação.
Para completar, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, ordenou a Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, que instalasse a CPI. É o que ele começará a fazer hoje. Restou a Bolsonaro, portanto, criar tumulto com o propósito de retardar o início da CPI, e uma narrativa a ser compartilhada com seus devotos mais radicais sempre dispostos a defendê-lo.
A
conversa com Kajuru faz parte do tumulto. O pedido de convocação de outra CPI,
essa para investigar as ações de governadores e de prefeitos durante a
pandemia, também. Ocorre que o regimento interno do Senado, no seu artigo 146,
diz que investigar ações de governadores e prefeitos não lhe cabe. Cabe às
Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.
Em
2014, para esvaziar a CPI que investigaria a roubalheira na Petrobras, Renan
Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, ampliou o seu alcance, determinando
que também fossem investigadas supostas irregularidades em contratos relativos
aos trens e metrôs de São Paulo e do Distrito Federal. A presidente da
República era Dilma Rousseff, e Renan seu aliado.
A
oposição acionou o Supremo, e a ministra Rosa Weber deferiu liminar
determinando que a CPI fosse instalada com “objeto restrito”. Escreveu: “O
procedimento adotado pelo eminente presidente do Senado Federal, ainda que
amparado em preceitos regimentais, desfigura o instituto constitucional
assegurado às minorias políticas”. E argumentou:
–
Não se pode prever, ao certo, quais deliberações serão tomadas; mas é possível
antecipar que, uma vez alterada a quantidade de fatos determinados objeto das
investigações, o universo de deliberações e a dinâmica interna dessas já não
serão os mesmos constantes da proposta original.
Seria tão simples Bolsonaro proceder como sugeriu o deputado Fábio Faria (PSD-RN), seu ministro das Comunicações. Faria condenou a CPI, mas disse que se ela fosse instalada, ficaria provado que o governo Bolsonaro acertou em cheio no combate à pandemia. Ora, pois, vamos lá! CPI para salvar o governo e parar com essa história de que Bolsonaro é um genocida.
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