Correio Braziliense
Há um Brasil submerso, cujas
raízes históricas nos dão algumas pistas sobre a radicalização política que
estamos vivendo, na qual Lula e Bolsonaro lideram a polarização eleitoral
A polarização entre o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas da corrida eleitoral para o
Planalto, e o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem muitas explicações. As mais
evidentes são o recall dos dois mandatos do petista como chefe do Executivo, de
um lado, e as vantagens estratégicas de uma candidatura à reeleição no pleno
exercício do mandato, na qual a inércia do poder favorece o presidente da República,
como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso, o próprio Lula e Dilma Rousseff.
Decorrem daí as dificuldades dos demais pré-candidatos para romper a polarização, ou seja, de Ciro Gomes (PDT), Sergio Moro (União), João Doria (PSDB) e Simone Tebet (MDB). Mas isso apenas não explica a resiliência de Lula, que chegou a ser preso na Operação Lava-jato, acusado de envolvimento com a corrupção no seu governo, nem a de Bolsonaro, que protagonizou o negativismo antivacina durante a pandemia de covid-19, cujo saldo de 661 mil mortes não foi suficiente para tirá-lo do páreo, assim como a estagnação, o desemprego e a maior inflação da história do real. Há um Brasil submerso, cujas raízes históricas nos dão algumas pistas sobre a radicalização política que estamos vivendo.
Lula
O ex-presidente Lula é protagonista de um
processo no qual a redemocratização do país coincidiu com a emergência de um
novo movimento operário, mais centrado em grandes unidades de produção e capaz
de liderar a numerosa classe média assalariada que surgiu com a forte presença
das empresas estatais no modelo econômico adotado pelos militares no período de
1964 a 1985. A formação de uma sociedade civil mais complexa emoldurou essas
mudanças na transição à democracia, rivalizando com os partidos.
A criação do PT desvinculou a esquerda
brasileira dos modelos soviético e social-democrata, mas agarrou com as duas
mãos o nacional-desenvolvimentismo impregnado da ideia de revolução brasileira,
inspirada em Caio Prado Junior e outros autores. A velha aliança
operário-camponesa se traduziu no apoio de Lula ao MST, que protagonizou a
ocupação de terras num momento em que a reforma agrária já não fazia sentido,
do ponto de vista do desenvolvimento capitalista no campo, com a emergência do
agronegócio produtor de commodities de grãos e proteínas, mas refletia a
iniquidade o social que persistia no campo, mesmo em grande parte tendo migrado
para as cidades.
Lula pôs em prática uma política de
projeção do Brasil na cena internacional, exercendo forte influência em toda a
América Latina, a partir de um novo modelo de capitalismo de Estado, no qual
grandes empresas brasileiras, as “campeãs nacionais”, foram financiadas pelo
Estado para que se tornassem players de cadeias globais de comércio,
principalmente de minérios, alimentos e serviços de infraestrutura. Em
contrapartida, essas empresas financiariam o seu projeto de poder, o que acabou
resultando nos escândalos da Lava-Jato.
O colapso econômico desse modelo arrastou
consigo a sustentabilidade política do governo Dilma Rousseff. Do ponto de
vista das concepções, havia uma linha de continuidade entre a “nova matriz
econômica”, as Reformas de Base de João Goulart e o Plano de Metas de Juscelino
Kubitschek. Até que ponto Lula estará disposto a retomar esse fio da história é
a grande interrogação de sua atual candidatura à Presidência.
Bolsonaro
As ideias reacionárias de Bolsonaro e dos
militares e setores conservadores que o apoiam também não surgiram do nada, são
centenárias. Talvez a matriz possa ser encontrada em Oliveira Vianna, um dos
ideólogos do Estado Novo, cujo primeiro livro, Populações Meridionais do
Brasil, lançado em 1920, viria a influenciar fortemente o movimento tenentista
e a Revolução de 1930.
Vianna interpretava a realidade brasileira
em duas chaves. A primeira desagregava o país em três formações
político-culturais: o sertanejo, o matuto e o gaúcho. Os centros de formação do
matuto, as regiões montanhosas do Estado do Rio, o grande maciço continental de
Minas e os platôs agrícolas de São Paulo, exerceriam forte influência na
organização da vida social e do patriarcado brasileiro. A segunda seria a
incompatibilidade entre o liberalismo e a realidade brasileira. As instituições
políticas nacionais refletiriam o divórcio entre o Brasil real e o Brasil legal.
Nossas elites dirigentes seriam alienadas da realidade nacional, sob influência do liberalismo de origem francesa e anglo-saxônica, descolado das características do Brasil e desagregador da coesão nacional. O antiliberalismo, o elitismo castrense e o nacionalismo estão disseminados de forma difusa na sociedade brasileira e são catalisados pelo projeto político de Bolsonaro. O regime militar (1964 e 1985) também refletia esses sentimentos. Os generais que presidiram o Brasil nesse período eram jovens oficiais nos anos 1930 e 1940, no auge do prestígio de Oliveira Viana.
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