quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Ataque agora ao programa de etanol para aviação, por Assis Moreira

Valor Econômico

Etanol é uma obsessão de Donald Trump quando fala de vendas para o Brasil e tem importância política enorme para os republicanos

O USTR, Agência de Representação Comercial dos EUA, realizará audiência pública na quarta-feira que vem na Comissão de Comércio Internacional dos EUA, em Washington, na investigação para determinar se atos, políticas e práticas do Brasil são injustificadas ou discriminatórias e sobrecarregam ou restringem o comércio americano.

Essa investigação pela Seção 301, com poderes para impor sanções comerciais contra parceiros, pode ser concluída entre seis meses e um ano - coincidindo com o calendário eleitoral no Brasil. A convicção na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, é que a crise com os EUA vai continuar até o ano que vem e pode escalar.

Parte do setor privado americano aproveita a investigação para alimentar pressões do USTR sobre o Brasil. O Instituto Americano do Ferro e do Aço (AISI) pede, por exemplo, para o governo Trump interceder junto ao governo brasileiro sobre um acordo de venda pela Anglo American dos seus negócios de níquel no Brasil para a mineradora chinesa MMG, alegando que Pequim passaria a controlar ainda mais reservas de minerais críticos.

De seu lado, a Associação Nacional de Produtores de Milho (NCGA, na sigla em inglês) defende que o USTR não só exija do Brasil indenização por supostos prejuízos na sua exportação de etanol, como alveja outra “ameaça” para eles: o programa brasileiro de combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês).

O etanol é uma obsessão de Donald Trump quando fala de vendas para o Brasil e tem importância política enorme para os republicanos. Quando o presidente anunciou a ordem executiva para preparar tarifas de retaliação, no começo de seu governo, o primeiro país citado foi o Brasil e o produto foi o etanol.

No geral, os produtores americanos de milho reclamam que nos últimos anos o Brasil expandiu rapidamente sua produção agrícola “impulsionado em parte por vantagens protecionistas e após décadas de atenção negligente ao desmatamento” da Amazônia e do Cerrado, e toma mercado dos americanos.

Agora, “além de tudo isso”, consideram que o Brasil representa uma “séria ameaça” à competitividade de longo prazo das exportações dos EUA no mercado emergente de SAF, que é uma das principais apostas do setor aéreo global para atingir sua meta de emissão zero de carbono até 2050. O Brasil é visto com forte potencial no fornecimento do combustível renovável, que pode ser produzido de diversas formas.

Produtores americanos observam que o Brasil estabeleceu em 2024 o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV) para estimular o uso de SAF na matriz energética brasileira. As companhias aéreas são obrigadas a aumentar seu consumo de SAF em 1% ao ano, até atingir um máximo de 10% em 2036.

Uma queixa americana é que o Brasil usa para SAF um modelo de emissão neutra de carbono que atribui um valor premium à avaliação do ciclo de vida de matérias-primas de culturas múltiplas (safra e safrinha) produzidas em pastagens anteriormente “degradadas”. Para a NCGA, isso incentiva naturalmente a prática brasileira de cultivo duplo anual de soja e milho e desvaloriza a avaliação do ciclo de vida do milho de safra única dos EUA.

“O mais preocupante” é que “desafortunadamente” o Brasil emergiu como um ator central em fóruns internacionais de definição de padrões para biocombustíveis, como a Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO, na sigla em inglês) e a Organização Marítima Internacional (IMO), lamentam os produtores americanos.

Exemplificam que, no início deste ano, o Comitê de Proteção Ambiental da Aviação (CAEP) da ICAO aprovou uma recomendação sobre o plantio múltiplo, seguindo o modelo do Brasil. Essa recomendação provocou uma objeção do Departamento de Estado dos EUA, alegando “penalização injusta” aos agricultores americanos em benefício do Brasil nos mercados globais.

O temor americano é que, à medida que esses órgãos internacionais e outros mercados estrangeiros, incluindo Japão e União Europeia, eventualmente aceitem as asserções de sustentabilidade do Brasil relacionada seus sistemas de plantio múltiplo, a competitividade das exportações dos EUA será seriamente afetada, minando o valor comercial da produção agrícola e das terras de cultivo das matérias-primas para biocombustíveis americanos, perda de exportação, lucros menores, maiores riscos e custos de financiamento para os agricultores, produtores de etanol.

“É por isso que o Departamento de Estado dos EUA apresentou objeções à ICAO”, diz. “O USTR deve se unir aos esforços do Departamento de Estado para lidar com a influência preocupante do Brasil nesses mercados internacionais.”

A NCGA propõe a criação de um grupo de trabalho EUA-Brasil, 90 dias após a investigação do USTR, para tratar especificamente da modelagem de emissões em fóruns internacionais, para “eliminar o ônus injusto e cientificamente infundado que o modelo brasileiro impõe à competitividade das exportações dos EUA”.

Também pede para o USTR considerar trabalhar com contrapartes intergovernamentais “para proibir o uso de etanol brasileiro no Programa de Padrão de Combustível Renovável dos EUA até que os produtores dos EUA tenham elegibilidade recíproca no programa RenovaBio do Brasil”. Trump já eliminou incentivos fiscais para fontes renováveis e os limitou para o SAF apenas aos produtores e matérias-primas da América do Norte, que tem produção essencialmente a partir do etanol de milho.

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