Valor Econômico
Etanol é uma obsessão de Donald Trump quando
fala de vendas para o Brasil e tem importância política enorme para os
republicanos
O USTR, Agência de Representação Comercial
dos EUA, realizará audiência pública na quarta-feira que vem na Comissão de
Comércio Internacional dos EUA, em Washington, na investigação para determinar
se atos, políticas e práticas do Brasil são injustificadas ou discriminatórias
e sobrecarregam ou restringem o comércio americano.
Essa investigação pela Seção 301, com poderes para impor sanções comerciais contra parceiros, pode ser concluída entre seis meses e um ano - coincidindo com o calendário eleitoral no Brasil. A convicção na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, é que a crise com os EUA vai continuar até o ano que vem e pode escalar.
Parte do setor privado americano aproveita a
investigação para alimentar pressões do USTR sobre o Brasil. O Instituto
Americano do Ferro e do Aço (AISI) pede, por exemplo, para o governo Trump
interceder junto ao governo brasileiro sobre um acordo de venda pela Anglo
American dos seus negócios de níquel no Brasil para a mineradora chinesa MMG,
alegando que Pequim passaria a controlar ainda mais reservas de minerais
críticos.
De seu lado, a Associação Nacional de
Produtores de Milho (NCGA, na sigla em inglês) defende que o USTR não só exija
do Brasil indenização por supostos prejuízos na sua exportação de etanol, como
alveja outra “ameaça” para eles: o programa brasileiro de combustível
sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês).
O etanol é uma obsessão de Donald Trump
quando fala de vendas para o Brasil e tem importância política enorme para os
republicanos. Quando o presidente anunciou a ordem executiva para preparar
tarifas de retaliação, no começo de seu governo, o primeiro país citado foi o
Brasil e o produto foi o etanol.
No geral, os produtores americanos de milho
reclamam que nos últimos anos o Brasil expandiu rapidamente sua produção
agrícola “impulsionado em parte por vantagens protecionistas e após décadas de
atenção negligente ao desmatamento” da Amazônia e do Cerrado, e toma mercado
dos americanos.
Agora, “além de tudo isso”, consideram que o
Brasil representa uma “séria ameaça” à competitividade de longo prazo das
exportações dos EUA no mercado emergente de SAF, que é uma das principais apostas
do setor aéreo global para atingir sua meta de emissão zero de carbono até
2050. O Brasil é visto com forte potencial no fornecimento do combustível
renovável, que pode ser produzido de diversas formas.
Produtores americanos observam que o Brasil
estabeleceu em 2024 o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação
(ProBioQAV) para estimular o uso de SAF na matriz energética brasileira. As
companhias aéreas são obrigadas a aumentar seu consumo de SAF em 1% ao ano, até
atingir um máximo de 10% em 2036.
Uma queixa americana é que o Brasil usa para
SAF um modelo de emissão neutra de carbono que atribui um valor premium à
avaliação do ciclo de vida de matérias-primas de culturas múltiplas (safra e
safrinha) produzidas em pastagens anteriormente “degradadas”. Para a NCGA, isso
incentiva naturalmente a prática brasileira de cultivo duplo anual de soja e
milho e desvaloriza a avaliação do ciclo de vida do milho de safra única dos
EUA.
“O mais preocupante” é que
“desafortunadamente” o Brasil emergiu como um ator central em fóruns
internacionais de definição de padrões para biocombustíveis, como a Organização
Internacional da Aviação Civil (ICAO, na sigla em inglês) e a Organização
Marítima Internacional (IMO), lamentam os produtores americanos.
Exemplificam que, no início deste ano, o
Comitê de Proteção Ambiental da Aviação (CAEP) da ICAO aprovou uma recomendação
sobre o plantio múltiplo, seguindo o modelo do Brasil. Essa recomendação
provocou uma objeção do Departamento de Estado dos EUA, alegando “penalização
injusta” aos agricultores americanos em benefício do Brasil nos mercados
globais.
O temor americano é que, à medida que esses
órgãos internacionais e outros mercados estrangeiros, incluindo Japão e União
Europeia, eventualmente aceitem as asserções de sustentabilidade do Brasil
relacionada seus sistemas de plantio múltiplo, a competitividade das
exportações dos EUA será seriamente afetada, minando o valor comercial da
produção agrícola e das terras de cultivo das matérias-primas para
biocombustíveis americanos, perda de exportação, lucros menores, maiores riscos
e custos de financiamento para os agricultores, produtores de etanol.
“É por isso que o Departamento de Estado dos
EUA apresentou objeções à ICAO”, diz. “O USTR deve se unir aos esforços do
Departamento de Estado para lidar com a influência preocupante do Brasil nesses
mercados internacionais.”
A NCGA propõe a criação de um grupo de
trabalho EUA-Brasil, 90 dias após a investigação do USTR, para tratar
especificamente da modelagem de emissões em fóruns internacionais, para
“eliminar o ônus injusto e cientificamente infundado que o modelo brasileiro
impõe à competitividade das exportações dos EUA”.
Também pede para o USTR considerar trabalhar com contrapartes intergovernamentais “para proibir o uso de etanol brasileiro no Programa de Padrão de Combustível Renovável dos EUA até que os produtores dos EUA tenham elegibilidade recíproca no programa RenovaBio do Brasil”. Trump já eliminou incentivos fiscais para fontes renováveis e os limitou para o SAF apenas aos produtores e matérias-primas da América do Norte, que tem produção essencialmente a partir do etanol de milho.
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