O Globo
Brasil é o país na América Latina com o maior
percentual da população vivendo sob regras impostas por grupos criminosos
‘O crime organizado tem apresentado crescimento preocupante, com facções e redes ilícitas adotando modus operandi de caráter mafioso’, diz uma versão preliminar do projeto antimáfia do Ministério da Justiça, que será enviado ao Congresso nos próximos dias. O texto desenha o que é o “caráter mafioso”: intimidação, corrupção sistêmica, domínio territorial e infiltração no setor público e econômico. Descreve a realidade de parte expressiva do Brasil hoje.
Estudo publicado pela Cambridge University
Press e noticiado pelo GLOBO mostra que o Brasil é, de longe, o país na América
Latina com o maior percentual da população vivendo sob regras impostas por
grupos criminosos. Aqui, um em cada quatro brasileiros está submetido à
“governança criminal”. Estamos na frente do México e
da Colômbia.
Daí a violência ser a principal preocupação do brasileiro, segundo pesquisa
da Quaest de
agosto. O entorno de Lula sabe
que o combate à criminalidade será usado como arma na eleição de 2026. A PEC da
Segurança, medidas como o aumento da pena por receptação e, justamente, o
pacote antimáfia, todas iniciativas do Ministério da Justiça, são a aposta de
defesa.
O projeto antimáfia, porém, sofre fogo amigo
— até no nome. Os jornalistas Octavio Guedes e Reynaldo Turollo Jr revelaram
que a proposta muda de oito para dez anos de prisão a pena para quem participa
de facções; dobra a pena para crimes eleitorais e de lavagem de dinheiro;
coloca lideranças em regime de prisão mais severo; e estipula novos critérios
para progressão de pena. Medidas vistas por setores do governo como políticas
de encarceramento, na contramão do programa da esquerda. Outro ponto de
divergência é a agência antimáfia, que opôs integrantes do Ministério Público
à Polícia
Federal. Lincoln Gakiya, que investiga há 20 anos o PCC e colabora com o texto,
defendeu a criação do órgão para coordenar esforços no combate às organizações
criminosas. Mas o diretor da PF, Andrei Rodrigues, disse ontem que há
“interesses desconhecidos” na proposta.
Em reunião na segunda-feira, o ministro da
Justiça, Ricardo
Lewandowski, mandou as equipes se entenderem e avançarem rápido com o
projeto (há uma versão desde o começo do ano).
— Nós somos favoráveis ao endurecimento da
pena, mas dando racionalidade. Isso é técnico e será tudo mantido no texto —
disse ele à coluna, ao explicar que a agência antimáfia caiu porque o
ministério já tem órgão com competência semelhante.
Gakiya defende que o projeto seja chamado de
antimáfia, porque, para ele, são máfias que atuam aqui:
— E estamos perdendo de goleada.
Lewandowski prefere chamar a proposta de
combate às facções:
— No Brasil, não temos essas máfias. Isso é
um fenômeno italiano, que age de outra maneira.
Uma das frases mais marcantes de “O poderoso
chefão” é quando Clemenza, um dos homens de Corleone, fala para um comparsa,
após executarem um integrante do grupo:
— Deixe a arma, leve o cannoli.
Uma passagem que expõe a brutalidade e o cotidiano
da Máfia — e lembra a lógica a que estão submetidos mais de 50 milhões de
brasileiros.
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