quinta-feira, 28 de agosto de 2025

O prazo de validade do imperador Nero, por Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Aos 30 anos, o imperador Nero consultou o oráculo de Delfos sobre o seu futuro e ficou eufórico com a resposta que lhe passara a pitonisa, em nome de Apolo: “Só tens a temer os 73 anos”.

Nero concluiu que tinha mais 43 anos para gozar a vida e, naturalmente, para cometer impunemente todas as atrocidades que lhe viessem à cabeça. E saiu festejando.

Enquanto isso, em um recanto da longínqua Espanha, o general Galba treinava em segredo seu exército. Galba tinha, então, 73 anos. E não precisa ser dito aqui o que aconteceu depois.

Quem contou esse episódio e, com ele, a esparrela em que se metem certos senhores do mundo quando interpretam as mensagens dos deuses, foi o historiador romano Suetônio (69 a 141 d.C.), em sua obra A Vida dos Doze Césares.

Por um jeito meio torto, esse episódio levanta a pergunta sobre qual será o prazo de validade de outro imperador, o dos Estados Unidos, Donald Trump, e de sua política. Uma sibila qualquer o convenceu de que seria imortalizado com o Prêmio Nobel da Paz se conseguisse acabar com a Guerra da Ucrânia empregando uma mistura de conversas e de ameaças. Mas, na longínqua Rússia, o atual czar, Vladimir Putin, tem outras intenções. Seu objetivo é anexar, se não a Ucrânia inteira, pelo menos extensos territórios seus. Por irônica coincidência, Putin completa neste outubro seus 73 anos. Quer isto dizer que Trump deve temer pelo que Putin lhe vai aprontar?

Mas este pode não ser o principal erro estratégico a ameaçar seu futuro. Outra pitonisa, Steve Bannon (ex- estrategista e conselheiro de Trump), meteu-lhe na cabeça que seria um presidente consagrado pela História se restabelecesse, com uma profusão de decretos, a antiga grandeza dos Estados Unidos.

Seu grande equívoco é entender que o retorno da indústria e dos empregos aos velhos e bons tempos possa ser atingido com um tarifaço.

As tarifas alfandegárias só podem ser aplicadas sobre produtos físicos, como bens industriais, minerais e agropecuários. Não podem ser aplicadas sobre serviços. E, no entanto, nada menos que 79% do PIB dos Estados Unidos é produzido pelo setor de serviços. A indústria pesa apenas 19% e a agricultura por pouco mais de 1,0% (veja o gráfico).

Por mais que sobretaxe mercadorias industrializadas, Trump não conseguirá obter o efeito desejado, especialmente se sua estratégia exigir, como vem exigindo, um desmonte de toda a arquitetura econômica e de valores construídos no passado. Mas, nessa ordem, as dúvidas são outras.

No fim das contas, trata-se de saber qual será o limite de validade da política de reviravolta global imposta pelo presidente Donald Trump.

 

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