O Globo
Ele acha que é esperto politicamente e não
tem ideia do perigo que desperta
O governador paulista, Tarcísio de Freitas, deu início, na semana passada, a um movimento golpista. Não é paranoia ou hipérbole. É simples leitura da História. Tarcísio anda falando muito disso, de História, em sua pregação pela anistia de Bolsonaro e dos generais. Como, ao recontar essa história, fala muita bobagem, é razoável acreditar que não conheça como se formou a República que ele deseja governar. Por isso é possível dar-lhe o benefício da dúvida. Ele acha que é esperto politicamente e não tem ideia do perigo que desperta. Mas é importante deixar uma coisa clara: ele está mexendo com forças da nossa cultura política muito perigosas, que exigem de todos os democratas, à direita, à esquerda e, principalmente, ao centro, máxima atenção.
O primeiro ponto: dar golpe de Estado não é
trivial. Um golpe é, em essência, um truque. O golpista neutraliza as peças
certas no Estado e o imobiliza. O que precisa é convencer atores o suficiente
de que o regime passado deixou de existir e é quem manda agora. Durante seu
governo, Jair
Bolsonaro tentou. Neutralizou a Procuradoria-Geral da República. Mas
não conseguiu controlar nem Congresso, nem STF.
Bolsonaro precisou enfrentar também pressão americana do governo Joe Biden. O
núcleo forte da advocacia resistiu, a partir do Largo de São Francisco.
Empresários o suficiente fizeram frente, assim como toda a grande imprensa.
Nesse cenário, ele não conseguiu mobilizar generais no Alto-Comando do
Exército.
Tarcísio anda dizendo que o Brasil sempre
anistiou. É verdade parcial. Anistiou militares golpistas, mas não os outros.
Um dos exemplos absurdos que deu em um discurso mostra que não sabe do que
fala. Disse que Getúlio anistiou quem promoveu a Intentona Comunista. Mentira:
ficaram presos por dez anos. Olga Benário e Elisabeth Saborowski, judias, foram
despachadas por Getúlio para a Alemanha nazista,
na abjeta política de boa vizinhança varguista. Morreram nos campos. O marido
de Saborowski, Arthur Ewert, foi tão torturado nos porões de Filinto Müller que
perdeu a razão. Morreu, depois de expulso do Brasil em 1947, num sanatório da
Alemanha Oriental.
O segundo ponto: de fato, o Brasil anistiou
muito. E quase todos os militares anistiados voltaram a tentar golpes de
Estado. Fizeram parte do golpe de 1889 Hermes da Fonseca (era capitão) e
Augusto Tasso Fragoso (era tenente). Nada sofreram, o golpe deu certo. Hermes
comandou a tentativa de golpe em 1922 que conhecemos como “18 do Forte”. Tasso
liderou o golpe que apeou Washington Luís da Presidência em 1930. Na tentativa
de 1922, eram tenentes Eduardo Gomes e Arthur
da Costa e Silva. Foram anistiados. O brigadeiro Eduardo Gomes estava entre
os vitoriosos de 1930 e conspirou contra Getúlio em 1954. Costa e Silva estava
no meio de 1954, assim como na tentativa de golpe contra Jango, em 1961. Essa,
Tancredo Neves neutralizou. Mas ele voltou a tentar um golpe em 1964, e este
conseguiu. Tornou-se o segundo general-ditador.
Esses são apenas alguns dos muitos exemplos,
e não são acidentais. Golpe é algo que se aprende a fazer. Não sabemos o que
aconteceu no turbilhão entre 2019 e 2022. Mas quem estava envolvido no golpe
sabe exatamente o que faltou. Que general não foi convencido e por quê. O que
poderia ter sido dito para este ou aquele político. Onde se deveria ter posto
dinheiro. Quem era incompetente, mas encarregado de tal missão.
Essa é a história da República brasileira.
Toda ela. Golpes que deram certo são oito: 1889, 1891, 1930, 1937, 1945, 1955
(o contragolpe), 1964 e 1968. Golpes que deram errado e escaparam sem punição
são mais que o dobro. Em todos os golpes que deram errado, havia militares que
depois comandaram golpes que deram certo. Porque aprenderam. Porque estavam
livres para usar o que aprenderam.
Na última semana, no Supremo, nenhum advogado
de defesa, de militares ou políticos, negou que tenha havido tentativa de
golpe. Uma anistia é deixar livres golpistas que aprenderam. Serão soltos num
país exausto de Lula, cansado do STF, com o Congresso dominado por um Centrão
irresponsável. E há um iliberal na Casa Branca.
Ainda assim, a união de democracia liberal
com economia de mercado é a fórmula que mais levou a enriquecimento,
distribuição de riqueza e construção de felicidade na História. Vivemos isso
entre os anos 1990 e 2000. Não podemos perder isso. A irresponsabilidade de
Tarcísio com a democracia não pode definir nosso futuro.
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