O Estado de S. Paulo
A despeito de Trumps e Bolsonaros, a economia e as instituições brasileiras funcionam, como a OMC
Apesar de Trump, o mundo funciona – não tão bem como funcionaria sem as medidas truculentas impostas pelo presidente dos Estados Unidos aos demais países, mas funciona. O comércio internacional é um exemplo. Submetido a duro teste de resistência pelas tarifas que Trump espalhou pelo mundo a torto e a direito, mais a torto do que a direito, enfraqueceu, mas continua vivo.
“Muitas vezes proclamaram a morte da
Organização Mundial do Comércio (OMC)”, lembrou a diretora-geral da
instituição, Ngozi Okonjo-Iweala, em artigo publicado no jornal britânico
Financial Times (e reproduzido no Brasil pelo Valor Econômico). “Obituários
como esse para o sistema de comércio multilateral têm surgido desde, pelo
menos, os anos 1980, mas as atuais rupturas não têm precedentes em sua
velocidade e abrangência, e inegavelmente abalaram a confiança no comércio
aberto e previsível”, reconheceu. Mas o comércio mundial não parou. “O resto do
mundo, em grande medida, continuou a negociar em condições normais, em meio aos
esforços das empresas para recalibrar-se.”
A mais recente projeção da OMC para o volume
do comércio mundial de mercadorias é de um aumento de 0,9% neste ano, na
comparação com 2024. É bem menos do que os 2,7% projetados antes de Trump
espalhar tarifas, mas significativamente melhor do que a queda de 0,2% prevista
em abril.
O Brasil foi um dos países mais atingidos
pela fúria tarifária da Casa Branca, e um impacto óbvio da medida apareceu nos
números da balança comercial de agosto, primeiro mês de vigência das medidas
especiais que Trump aplicou contra os produtos brasileiros. As exportações para
os Estados Unidos diminuíram 18,5% na comparação com o mês anterior. Como
previsto, ficou mais difícil colocar produtos brasileiros no mercado dos
Estados Unidos.
Há pelo menos dois brasileiros atualmente
vivendo na terra de Trump que devem ter celebrado números como esses. Por
coincidência, ambos são descendentes de militares que ocuparam a Presidência da
República – um no fim do regime ditatorial, outro até dezembro de 2022, tendo
este último abandonado o cargo alguns dias antes do término de seu mandato.
Notícias recentes dão conta de que essas duas pessoas, de nacionalidade
brasileira atualmente foragidas nos Estados Unidos, pois no Brasil podem ser
interrogadas pelas autoridades policiais ou até presas, estimularam governantes
norte-americanos a adotar medidas punitivas contra seu próprio país. Suas motivações
são apenas de natureza eleitoral ou familiar.
Um grupo de empresários brasileiros esteve na
semana passada em Washington para tentar iniciar um diálogo técnico que possa
levar à redução das tarifas impostas pelo governo norte-americano. Até agora,
se êxito alcançou, a viagem parece ter sido pouco produtiva. Uma das respostas
que esses empresários ouviram do vice-secretário de Estado, Christopher Landau,
foi a de que a questão não é econômica, comercial ou financeira. É política. O
presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, que
liderava a missão empresarial brasileira em Washington, pareceu surpreendido
com a resposta, que considerou inédita.
A verdade é que, desde o início da crise
comercial decorrente do tarifaço de Trump, estava claro que sua motivação era
política; tratava-se de uma chantagem. O principal defensor da chantagem contra
o Brasil, um político eleito para defender os interesses da população – o ainda
deputado federal Eduardo Bolsonaro –, tem repetido que o problema só se
resolverá se seu pai, Jair Messias Bolsonaro for inocentado ou anistiado.
Talvez os Bolsonaros (o chefe do grupo, sua
esposa e seus filhos) tenham de esperar sentados. Do ponto de vista
econômico-comercial, embora as exportações brasileiras para os Estados Unidos
tenham diminuído, as vendas totais cresceram e, mais importante, o saldo
comercial de agosto foi 35,8% maior do que o de um ano antes. E a redução das
exportações para os Estados Unidos pode refletir em parte uma antecipação de negócios
em julho, para evitar quanto possível a sobretaxação que viria nos meses
seguintes, de modo que doravante a queda tende a ser menor do que a de agosto.
Mas, ainda muito mais importante, a chantagem
política implícita na atitude da Casa Branca e explícita nas palavras de
Eduardo Bolsonaro (a queda das sobretaxas está condicionada à não punição de
Jair Bolsonaro) não deve – e não pode – prosperar. Iniciado no Supremo Tribunal
Federal (STF) na semana passada, o julgamento do núcleo principal da trama golpista,
liderado por Jair Bolsonaro e formado por mais sete réus, será retomado hoje.
Nesta parte haverá a votação que pode levar à condenação dos réus a penas de
mais de 30 anos de prisão.
A despeito de Trumps e Bolsonaros, a economia
e as instituições brasileiras funcionam, como a OMC. Os que cometeram crimes
contra a democracia e o País não podem ser inocentados – nem muito menos
anistiados.
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