Folha de S. Paulo
Ministro não ignorou fatos cristalinos por
medo de kid preto ou vontade de visitar Disney
Nesta terça-feira, 9 de setembro de 2025, o
ministro Alexandre
de Moraes deve apresentar seu voto no julgamento dos
golpistas de Jair
Bolsonaro. É um momento histórico da democracia brasileira, e o ponto
culminante da biografia de um dos mais importantes ministros da história do
Supremo Tribunal Federal.
Escrevi "importante" e fiz questão
de não acrescentar "controverso", como se costuma fazer quando o
assunto é Xandão. O adjetivo caberia se entre os argumentos dos críticos e dos
defensores de Moraes houvesse lastros factuais de ordens de grandeza ao menos
similares.
Não há: descontados os que criticam Moraes porque apoiam os crimes que ele julga, descontados também os que esperam ganhar dinheiro ou subir na carreira dando-lhes crédito, as críticas legítimas a Alexandre de Moraes são só as que se poderia esperar em um julgamento desse tamanho, realizado em circunstâncias tão ruins.
Se, pelo tamanho do crime, esse é o maior
julgamento da história do STF, é também um
dos mais triviais: as provas contra os acusados são avassaladoras. Moraes não
se consagrou por desvendar sutilezas jurídicas, mas por não ignorar fatos
cristalinos por medo de kid preto ou vontade de visitar a Disney.
Faço questão, inclusive, de sair em defesa
dos advogados dos acusados: sim, seus argumentos na semana passada foram
frágeis e, muitas vezes, constrangedores. Mas não tenho dúvida de que, se
houvesse bons argumentos pela absolvição, as defesas teriam sido capazes de
citá-los. Se um único fato houvesse que fosse favorável aos acusados, as
defesas teriam sido capazes de trazê-lo à luz.
Como bem reconheceu a revista britânica The
Economist, a atuação de Moraes foi conforme à lei brasileira, que dá grandes
poderes para a Suprema Corte. Na fórmula criada pelos cientistas políticos
Carlos Pereira e Marcus Mello, os constituintes de 88 criaram uma "coleira
forte para cachorro grande" quando colocaram o STF para fiscalizar a Presidência
da República.
Mas é óbvio que o protagonismo do STF no
combate ao golpismo mostrou como nossas outras instituições fracassaram em suas
respectivas tarefas. Muito do que o STF fez deveria ter sido feito pela
Procuradoria-Geral da República, que, no entanto, era ocupada por Augusto Aras,
sempre dócil diante de Jair. Muito do que o STF fez deveria ter sido feito pelo
Congresso Nacional, mas Bolsonaro comprou os parlamentares com o fim da Lava
Jato e a criação do orçamento secreto.
Compare a atuação do STF e dos congressistas
brasileiros na semana passada. É para esse Congresso, em que os ladrões se
aliaram aos golpistas para tornar impossível prender políticos, que o STF
deveria ter delegado o combate ao golpe? Quem no centrão aguentaria, já não
digo nem uma sanção Magnitsky, mas um tuíte mal-educado de Trump que fosse?
No combate ao golpismo, o STF não teve
excesso de protagonismo. As outras instituições brasileiras, mais facilmente
capturáveis por ladroagens e direitismos variados, é que se omitiram.
De qualquer maneira, mesmo que depois o
Congresso nos envergonhe, Moraes nesta terça deve dar orgulho aos refundadores
da democracia brasileira que fizeram a Constituição de 1988. A maioria da
primeira turma do STF deve fazer o mesmo até sexta-feira. Nos últimos tempos,
tivemos semanas da pátria bem piores.
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