O Globo
Os cálculos de Tarcísio podem estar errados.
Ele assustou o centro que precisa atrair e tentou agradar à extrema direita,
que votaria nele contra Lula
“Cálculo eleitoral”. É essa a explicação que ouvi entre juristas e economistas para a radicalização do governador Tarcísio de Freitas. A dúvida é se ele tem mais a perder ou a ganhar com as afirmações incendiárias que fez. Ele estaria fechando a porta para um bolsonarista radical, ao ocupar o lugar, me explicou uma das fontes que ouvi. Outra fonte acha que ele pode perder apoio entre empresários definidos como “não partidários”, que seriam entre 25% a 30%. Analistas consideram que Tarcísio queimou a chance de se vender como moderado durante a campanha que se aproxima.
O que ouvi no Supremo é que o chefe do
Executivo paulista não mostrou respeito ao cargo que ocupa, nem deu
demonstração de ter “noção de institucionalidade”. E isso é grave para quem tem
a ambição de governar o Brasil. Em determinado momento do discurso, Tarcísio se
fez uma pergunta. “Será que a gente está vivendo um estado livre, democrático?”
E ele mesmo respondeu: “Certamente não”. É assustador que o governador do maior
estado do país seja capaz de dizer que o Brasil não é uma democracia. Se ele
não sabe diferenciar, apesar de ter sido eleito por ela, e querer se candidatar
ao cargo maior do país, a situação fica bem complicada.
O cálculo que o engenheiro Tarcísio de
Freitas fez pode não ser tão sólido. Ele avalia que terá a Faria Lima de
qualquer modo. Também terá o centrão. Precisaria demonstrar que tem fidelidade
à extrema direita. Ocorre que essa ala da política brasileira está no banco dos
réus exatamente por atentar contra a democracia. Há empresários que preferem
alguém de centro mesmo. Esses ele assustou com o discurso feito na Avenida
Paulista.
Há mais um dado para colocar nessa conta. A
enorme bandeira americana carregada pelos militantes para os quais ele falou é
contraproducente. Neste momento, brasileiros estão perdendo emprego, empresas
estão em situação difícil, e a incerteza envolve muitos negócios. Os manifestantes
estavam naquele ato agradecendo ao presidente que atirou contra a economia
brasileira.
Os tiros atingiram principalmente o estado
que Tarcísio de Freitas governa. É como se ele colocasse de novo o boné do
Trump em momento de hostilidade do presidente americano contra o Brasil.
A proposta de anistia que está sendo
defendida pelos bolsonaristas tem pontos bizarros. Concede perdão à
“organização criminosa ou à constituição de milícia privada”. O que tem causado
mais espanto é a anistia aos que “estejam sendo, ou, ainda, eventualmente
possam vir a ser investigados, processados ou condenados”. Não é apenas amplo,
geral e irrestrito, é também um perdão judicial no mercado futuro de crimes.
Abre uma temporada de crimes livres “até a data da entrada em vigor desta lei”.
É um convite para atos ilegais por todo esse período, inclusive hoje.
A dúvida é se o engenheiro civil formado pelo
Instituto Militar de Engenharia fez uma boa equação. Se aparecer como candidato
viável do eleitorado que não quer a reeleição do presidente Lula, é evidente
que a extrema direita vai votar nele. Dado que em hipótese alguma votaria em
Lula. Quando diz que não confia na Justiça, que o ministro relator do processo
é um ditador, e o Brasil não é uma democracia, ele vocaliza os mais radicais.
Que já votariam nele pela lei da gravidade. O que um dos analistas acredita que
ele teme ser desidratado por outro candidato mais radical. Só que o centro é
que está em disputa. E esse centro se assustou com a fala do governador.
Tarcísio vinha tentando fazer gestos em
direções opostas. Manifestava sua solidariedade a Bolsonaro, mas ao mesmo tempo
mantinha diálogo com os ministros do Supremo. Foi a Brasília articular a defesa
da anistia que inclusive revoga a inelegibilidade do ex-presidente, mas foi a
São Paulo bater o martelo junto com Geraldo
Alckmin no projeto Santos-Guarujá. No domingo, ele fez declarações
graves. O que Tarcísio disse poderia ter sido dito por muitos que estavam no
palanque, mas não por quem tem a responsabilidade institucional de governar o
Estado de São Paulo. O governador calculou mal.
O Brasil precisa se livrar do golpismo que
atormentou a nossa vida republicana. E é nessa linha que trabalha o Supremo
Tribunal Federal. O STF não
está impondo um processo tirânico. Está julgando vários réus, entre eles
Bolsonaro, baseando-se numa lei que foi sancionada pelo próprio ex-presidente Jair
Bolsonaro
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