Correio Braziliense
O julgamento ocorre em meio a
um ambiente político de forte polarização. O destino judicial do ex-presidente
e seus generais se entrelaça com tensões políticas, diplomáticas e econômicas
mais amplas
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro
e de outros sete réus pela tentativa de golpe de Estado recomeça nesta
terça-feira, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), com uma
escalada de tensões políticas. No domingo, num ato em apoio ao ex-presidente na
Avenida Paulista, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR), fez
duros ataques ao Supremo e ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso.
Tarcísio tenta conquistar o apoio de Bolsonaro para se candidatar à Presidência da República e subiu o tom contra o Supremo. Enquanto manifestantes gritavam “fora, Moraes”, na Avenida Paulista, o governador paulista disparou: “Por que vocês estão gritando isso? Talvez porque ninguém aguente mais. Ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes. Ninguém aguenta mais o que está acontecendo neste país”.
Decano da Corte, o ministro Gilmar Mendes, em
resposta, divulgou uma nota nas redes sociais em defesa do Supremo. “Não há no
Brasil ‘ditadura da toga’, tampouco ministros agindo como tiranos. O STF tem
cumprido seu papel de guardião da Constituição e do Estado de Direito. O que o
Brasil realmente não aguenta mais são as sucessivas tentativas de golpe que, ao
longo de sua história, ameaçaram a democracia e a liberdade do povo.” Segundo o
ministro do Supremo, “crimes contra o Estado Democrático de Direito são
insuscetíveis de perdão!”
O julgamento eleva a radicalização política a
um novo patamar, com o mesmo viés golpista que antecedeu o 8 de Janeiro. Parece
um filme que estava com a imagem congelada e voltou a rodar. Entretanto,
representa um divisor de águas na história do Brasil. Pela primeira vez, um
ex-chefe de Estado e oficiais-generais das Forças Armadas são levados ao banco
dos réus por conspirarem contra a ordem constitucional. A Procuradoria-Geral da
República (PGR) sustenta que houve uma articulação criminosa para impedir a
posse de Luiz Inácio Lula da Silva, anular o resultado das eleições de 2022 e
instaurar um regime de exceção.
Negativa de autoria
Segundo a PGR, Bolsonaro liderava o chamado
“núcleo crucial” de uma organização criminosa. Esse núcleo reunia ex-ministros,
assessores próximos e militares de alta patente, todos empenhados em sustentar
a narrativa de fraude eleitoral e preparar medidas para inviabilizar a posse de
Lula. Entre as provas listadas, estão os depoimentos de delatores, como Mauro
Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência, mensagens apreendidas
em celulares, relatórios militares e a famosa “minuta de decreto do golpe”
encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres. O documento previa medidas
extraordinárias, como a instauração de “estado de defesa” e a prisão de
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
No entendimento da PGR, havia um plano
consistente para abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Relatos de
reuniões no Palácio da Alvorada e tentativas de quebra de hierarquia nos
quartéis apontam que se discutiu, inclusive, a possibilidade de assassinato ou
prisão de autoridades, numa escalada de radicalização que culminaria nos
ataques do dia 8 de janeiro, quando sedes dos Três Poderes foram invadidas e
depredadas em Brasília.
Bolsonaro e seus auxiliares são acusados de
tentativa de golpe de Estado, organização criminosa, incitação à violência,
dano qualificado ao patrimônio público e ataque a bens tombados. Suas defesas —
exceção para o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que fez delação premiada — têm
em comum a alegação de que não há provas suficientes para sustentar a denúncia
da PGR. A delação de Mauro Cid é desqualificada como prova central. O documento
com a “minuta do golpe” encontrado com Anderson Torres, também. Assim, não
haveria materialidade que configure tentativa de golpe.
Outra linha de argumentação é a de que
Bolsonaro e seus aliados sempre atuaram dentro das alternativas previstas pela
Constituição. Nenhum decreto foi publicado, nenhuma ordem militar foi dada,
afirmam. Os advogados também acusam o Supremo de atropelar o devido processo
legal e cercear a defesa. Bolsonaro foi “dragado”. Generais acusados negam
qualquer plano de ruptura. Reforçam que, se houve crimes, foram atos isolados
de indivíduos, não um projeto coordenado pelo governo.
O julgamento ocorre em meio a um ambiente
político de forte polarização. O destino judicial de Bolsonaro se entrelaça,
assim, com tensões diplomáticas e econômicas mais amplas. O cenário externo
pressiona. O presidente norte-americano, Donald Trump, tem atacado Lula e
defendido Bolsonaro em discursos e entrevistas, apresentando-o como vítima de
perseguição judicial. Ao mesmo tempo, a relação Brasil-EUA atravessa uma crise
comercial causada pelo tarifaço imposto por Trump contra exportações
brasileiras, o que dá um contorno geopolítico ao julgamento.
A oposição se organiza para ganhar novamente
as ruas e transformar o processo em bandeira contra o governo e contra o
Supremo. No Congresso, parlamentares bolsonaristas anunciaram obstrução de
pautas e pedem uma anistia ampla para os envolvidos no 8 de Janeiro. O
julgamento é um campo de batalha simbólico sobre os limites da democracia
brasileira.
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