Valor Econômico
Economistas do Partido Republicano enfrentam
um dilema: como defender seu líder político se ele contraria os fundamentos
teóricos que sustentam há décadas?
Além de destroçar a geopolítica global, o
tarifaço de Donald Trump suscita pitadas de ironia e humor.
Economistas ortodoxos estão obviamente desconfortáveis e, muitos, emudecidos. Acreditavam que a orientação econômica do presidente dos EUA, na hora que o jogo fosse para valer, iria espelhar, pelo menos parcialmente, a convencional política republicana, como a adotada por Ronald Reagan, Bush pai, Bush filho etc.
De um conservador e direitista, esperava-se
ênfase em defesa do livre-comércio, da austeridade fiscal, do respeito à
autonomia das instituições, da privatização, do Estado mínimo, do incentivo à
globalização.
Agora, os autodenominados liberais (ou
neoliberais) fazem contorcionismos para fugir de constrangimentos e encontrar
alguma lógica na bagunça trumpista.
Redução de barreiras alfandegárias e abertura
comercial são dogmas liberais adotados pela ortodoxia econômica. Mas Trump, na
contramão desse receituário, espalhou tarifas pelo mundo como quem chacoalha um
saleiro sobre uma salada. Medidas radicalmente protecionistas atingiram países
amigos e inimigos e salgaram relações com parceiros históricos como México,
Canadá, Reino Unido, Índia e Brasil. Acordos de livre-comércio foram
literalmente jogados no lixo.
Dogmas liberais de austeridade e
responsabilidade fiscal também foram ignorados por Trump. Ele reduziu impostos
para empresas e para rendas mais altas, em linha com o pensamento ortodoxo, mas
não fez movimento algum para cortar gastos e compensar as perdas orçamentárias.
Com isso, a dívida pública já atinge inacreditáveis US$ 36 trilhões, 120% do
Produto Interno Bruto (PIB) do país, e o déficit público deve fechar o ano em
US$ 2,4 trilhões (8,2% do PIB), números que envergonham pregadores da
austeridade que normalmente apoiam a direita americana.
Trump anunciou a demissão da diretora do
banco central (Fed) Lisa Cook, numa manobra para tentar interferir no Comitê de
Mercado do Fed e na trajetória da taxa básica de juros. Ela se negou a deixar o
cargo e desafiou o presidente. O caso está na Justiça, porque Trump não pode
demitir sem justa causa diretores do banco central, que tem independência do
governo, outro dogma liberal contrariado e que deixa a direita econômica
desconfortável. O desrespeito à autonomia das instituições atingiu também
universidades e órgãos públicos.
O receituário liberal dá grande importância à
previsibilidade da condução das políticas, mas Trump fez e faz exatamente o
contrário: é imprevisível, provoca choques, muda constantemente de opinião,
exagera em ameaças e chantagens.
Trump adota política nacionalista e
populista, algo difícil de ser “engolido” pela ortodoxia acadêmica, mas fácil
de ser assimilado pelo eleitor comum americano, que se sente esfolado pela
globalização e pela “invasão” de imigrantes.
Economistas do Partido Republicano enfrentam
um dilema: como defender seu líder político se ele contraria os fundamentos
teóricos que sustentam há décadas?
Com seu receituário protecionista,
nacionalista e xenófobo, Trump quer cortar importações e promover a
reindustrialização americana, prometendo uma nova era de ouro para a América.
Ele tenta começar o processo abruptamente, mas a transferência de indústrias
americanas para o exterior, principalmente para a Ásia, se deu ao longo de
décadas e certamente não haverá um retorno relevante tão cedo, por mais
eficazes que venham a ser as tarifas trumpistas.
A atitude de Trump faz lembrar a teoria do
economista sul-coreano Há-Joon Chang, exposta no livro “Chutando a Escada”
(2002). A ideia é que os países desenvolvidos teriam subido a escada que leva à
riqueza ao longo da história usando tarifas elevadas, subsídios e variados
tipos de protecionismo. Uma vez alcançado o topo da riqueza, com vantagens
tecnológicas, institucionais e produtivas, chutaram a escada e passaram a
exigir dos subdesenvolvidos austeridade, abertura comercial e outras regras que
os impedem de galgar os mesmos degraus. Trump aparentemente considera que os
EUA empobreceram e precisam subir a escada outra vez.
A ironia é uma das formas mais eficazes de crítica, observa o professor da Unicamp Fernando Nogueira da Costa. Em artigo-crônica, ele sugere que Trump teria se apropriado de forma distorcida e anacrônica de teorias econômicas estruturalistas da economista e professora Maria da Conceição Tavares (1930-2024). Assim, teria transformado uma crítica sobre dependência periférica em manual protecionista para reviver um império industrial que não mais existe, ignorando por completo os limites estruturais da globalização. Graduado em ciência econômica na Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, Trump estaria operando como se fosse um aluno aplicado, mas analfabeto, de Conceição Tavares.
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