terça-feira, 9 de setembro de 2025

Erro de estratégia. Por Merval Pereira

O Globo

Do jeito que vai, pode perder o grande apoio que poderia ter do centro. Na retórica, vai muito para a radicalização e ficará preso numa bolha.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, está errando na estratégia. O discurso virulento de domingo, diante da multidão de bolsonaristas na Avenida Paulista, pode ter o condão de garantir-lhe os votos da parcela radical do bolsonarismo e provavelmente a boa vontade futura do ex-presidente. Tarcísio tenta dar provas de fidelidade para garantir o apoio de Bolsonaro, que, ambos sabem, não será elegível para 2026. Faz tudo para que o ex-presidente o apoie quando se convencer de que não disputará. No entanto está errando a dose. Pode estar ganhando apoio do bolsonarismo mais radical, mas perdendo o do eleitorado centrista.

Tarcísio tem um problema adicional a pressioná-lo: prazo de desincompatibilização. Ele e os demais governadores devem deixar os cargos até abril de 2026 se quiserem se candidatar à Presidência. Precisa, portanto, de uma definição de Bolsonaro até esse limite para que decida seu futuro.

Foi o eleitor de centro-direita que decidiu a eleição passada a favor de Lula, acreditando que ele seria um presidente de conciliação. No ano que vem poderia defini-la a favor de um candidato antipetista moderado. A disputa entre Lula e Bolsonaro só interessa aos dois, e é preciso aparecer um candidato que introduza uma dúvida no eleitor, no sentido de haver alternativa à dupla.

Sempre que existe polarização, existe a possibilidade de uma terceira via. Foi assim quando os tucanos e os petistas disputaram durante anos a Presidência. A hoje ministra Marina Silva, o ex-governador Ciro Gomes, o falecido governador de Pernambuco Eduardo Campos, todos foram tentativas bem-sucedidas de oferecer alternativas ao eleitorado, mas nenhum conseguiu chegar ao segundo turno. No futebol, tivemos a predominância por anos de Cristiano Ronaldo e Messi. Só depois que os dois se aproximaram da aposentadoria abriu-se espaço a um tertius, que poderia ser Neymar se tivesse maturidade, Vini Jr., Rodri ou Mbappé. No tênis, surgiu Djokovic no meio do caminho entre Federer e Nadal, e existe a perspectiva de que o brasileiro João Fonseca possa vir, no futuro, a disputar com Alcaraz e Sinner.

Tarcísio erra ao enveredar pela retórica agressiva porque o bolsonarista radical não tem escolha: no segundo turno, votaria nele. Os governadores de direita que se apresentam como pré-candidatos — Ronaldo Caiado, de Goiás; Ratinho Jr., do Paraná; Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul; Romeu Zema, de Minas Gerais — se unirão ao que alcançar o segundo turno contra Lula. Caso Bolsonaro parta para a decisão absurda de criar uma chapa familiar, ou mesmo apenas encabeçada por alguém da família, entrará na eleição com apoio minoritário, porque a direita terá outras opções no primeiro turno.

Aparentemente, Tarcísio não disputaria contra Bolsonaro. Sem o apoio, deve preferir disputar a reeleição em São Paulo, onde está bem avaliado. Se a direita for para uma candidatura radical, e Lula vier para o centro, mais uma vez será eleito. É muito difícil que Bolsonaro ganhe na radicalização, ainda mais agora que a bandeira dos bolsonaristas, aquela que “jamais seria vermelha”, transformou-se na stars and stripes dos Estados Unidos.

Os antipetistas podem até se unir no segundo turno para derrotar Lula, mas esse movimento seria mais natural se houvesse um candidato como a direita moderada imagina que seria o Tarcísio verdadeiro, um conservador não radicalizado. Ele tinha valor — digo “tinha”, porque tem perdido essa importância — para trazer o centro para a direita, não permitir que mais uma vez Lula vença prometendo um governo de conciliação que não entrega. Do jeito que vai, pode perder o grande apoio que poderia ter do centro. Na retórica, vai muito para a radicalização e ficará preso numa bolha.

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