O Globo
Do jeito que vai, pode perder o grande apoio
que poderia ter do centro. Na retórica, vai muito para a radicalização e ficará
preso numa bolha.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, está errando na estratégia. O discurso virulento de domingo, diante da multidão de bolsonaristas na Avenida Paulista, pode ter o condão de garantir-lhe os votos da parcela radical do bolsonarismo e provavelmente a boa vontade futura do ex-presidente. Tarcísio tenta dar provas de fidelidade para garantir o apoio de Bolsonaro, que, ambos sabem, não será elegível para 2026. Faz tudo para que o ex-presidente o apoie quando se convencer de que não disputará. No entanto está errando a dose. Pode estar ganhando apoio do bolsonarismo mais radical, mas perdendo o do eleitorado centrista.
Tarcísio tem um problema adicional a
pressioná-lo: prazo de desincompatibilização. Ele e os demais governadores
devem deixar os cargos até abril de 2026 se quiserem se candidatar à
Presidência. Precisa, portanto, de uma definição de Bolsonaro até esse limite
para que decida seu futuro.
Foi o eleitor de centro-direita que decidiu a
eleição passada a favor de Lula, acreditando que ele seria um presidente de
conciliação. No ano que vem poderia defini-la a favor de um candidato
antipetista moderado. A disputa entre Lula e Bolsonaro só interessa aos dois, e
é preciso aparecer um candidato que introduza uma dúvida no eleitor, no sentido
de haver alternativa à dupla.
Sempre que existe polarização, existe a
possibilidade de uma terceira via. Foi assim quando os tucanos e os petistas
disputaram durante anos a Presidência. A hoje ministra Marina Silva, o
ex-governador Ciro Gomes, o falecido governador de Pernambuco Eduardo Campos,
todos foram tentativas bem-sucedidas de oferecer alternativas ao eleitorado,
mas nenhum conseguiu chegar ao segundo turno. No futebol, tivemos a
predominância por anos de Cristiano Ronaldo e Messi. Só depois que os dois se
aproximaram da aposentadoria abriu-se espaço a um tertius, que poderia ser
Neymar se tivesse maturidade, Vini Jr., Rodri ou Mbappé. No tênis, surgiu
Djokovic no meio do caminho entre Federer e Nadal, e existe a perspectiva de que
o brasileiro João Fonseca possa vir, no futuro, a disputar com Alcaraz e
Sinner.
Tarcísio erra ao enveredar pela retórica
agressiva porque o bolsonarista radical não tem escolha: no segundo turno,
votaria nele. Os governadores de direita que se apresentam como pré-candidatos
— Ronaldo Caiado, de Goiás; Ratinho Jr., do Paraná; Eduardo Leite, do Rio
Grande do Sul; Romeu Zema, de Minas Gerais — se unirão ao que alcançar o
segundo turno contra Lula. Caso Bolsonaro parta para a decisão absurda de criar
uma chapa familiar, ou mesmo apenas encabeçada por alguém da família, entrará
na eleição com apoio minoritário, porque a direita terá outras opções no
primeiro turno.
Aparentemente, Tarcísio não disputaria contra
Bolsonaro. Sem o apoio, deve preferir disputar a reeleição em São Paulo, onde
está bem avaliado. Se a direita for para uma candidatura radical, e Lula vier
para o centro, mais uma vez será eleito. É muito difícil que Bolsonaro ganhe na
radicalização, ainda mais agora que a bandeira dos bolsonaristas, aquela que
“jamais seria vermelha”, transformou-se na stars and stripes dos Estados
Unidos.
Os antipetistas podem até se unir no segundo
turno para derrotar Lula, mas esse movimento seria mais natural se houvesse um
candidato como a direita moderada imagina que seria o Tarcísio verdadeiro, um
conservador não radicalizado. Ele tinha valor — digo “tinha”, porque tem
perdido essa importância — para trazer o centro para a direita, não permitir
que mais uma vez Lula vença prometendo um governo de conciliação que não
entrega. Do jeito que vai, pode perder o grande apoio que poderia ter do
centro. Na retórica, vai muito para a radicalização e ficará preso numa bolha.
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