Correio Braziliense
Darcy Ribeiro e Raul Jungmann têm razão: a
guerra civil precisa que o Brasil desperte e que a União adote sistemas
nacionais de segurança e de escolas com qualidade igual para todos
Há 40 anos, Darcy Ribeiro alertou que, se não
fizéssemos escolas, seríamos obrigados a construir prisões. Faz quase 10 anos,
Raul Jungmann avisou sobre a força e os riscos do crime organizado. O Darcy
construiu os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), mas o exemplo não
se espalhou pelo Brasil. Raul propôs a criação de um sistema nacional de
segurança, mas a ideia não prosperou. Agora, a realidade mostrou que eles
estavam certos.
Além da repulsa àqueles que deram a ordem ou puxaram o gatilho na operação policial nos complexos do Alemão e Penha, no Rio, é preciso denunciar os que foram eleitos sem entender as causas da guerra civil e sem tentar fazer o que Darcy, Raul e outros recomendam desde então. A violência é tratada como apenas problema de insegurança pessoal, escaramuças entre indivíduos. Não compreendemos as causas estruturais de uma guerra civil, nem percebemos a necessidade de o Brasil nacionalizar tanto a questão da segurança pública quanto o problema da educação básica, com ambição na qualidade e na equidade.
Os presidentes eleitos trataram a educação
básica como responsabilidade de municípios e das famílias. Nenhum deles assumiu
o tema como uma questão federal, nem definiu estratégia para assegurar com
equidade a todo brasileiro o direito à escola de máxima qualidade, nem como atender
àqueles que ficaram para trás: os 10 milhões de analfabetos adultos e os
milhões de jovens sem mapa para o mundo contemporâneo.
O propósito dos governos nacionais tem sido
ampliar o número de vagas no ensino superior para os poucos que concluem o ensino
médio, criando mecanismos para compensar suas fragilidades, sem estratégias
capazes de garantir que todos concluam sua formação de base com qualidade. A
cada ano, programas, projetos e planos são anunciados para fazer pequenos
avanços e atender desejos corporativos, mas sem intenção de executar ações para
atingir metas claras e ambiciosas.
Presidentes orgulham-se de termos alguns
filhos de pobres ingressando em universidades, mas nenhum tomou medidas
necessárias para que todos os filhos de todos os pobres concluam a educação
básica com a mesma qualificação dos filhos de ricos, preparados para disputar
vagas em condições iguais nas melhores universidades. Tampouco houve gestos
para erradicar o analfabetismo de adultos e oferecer formação a jovens que já ficaram
para trás por causa da evasão escolar.
A chacina do Rio deve ser denunciada como uma
violência brutal contra o direito à vida, em um país cuja Constituição proíbe a
pena de morte, mas onde ela é praticada sem julgamento, por decisão de líderes
políticos e de comandantes policiais. Cansada da falta de ações contra diversas
formas de violência — corrupção, privilégios, mordomias, tráfico de drogas e de
influência, assaltos, sequestros —, a população aplaude chacinas, ignorando alertas
de Darcy e de Raul. Em breve, as chacinas serão autorizadas e aplaudidas até
mesmo contra crimes menores.
Sem enxergar as causas nem os riscos da
violência, os candidatos à Presidência em 2026 já disputam qual será mais
violento na luta contra a violência sem um programa de pacificação da sociedade
por meio de educação de qualidade máxima com equidade para todas crianças e sem
um programa de inclusão para jovens deixados para trás sem emprego, sem renda,
sem expectativa de vida melhor. Os candidatos deveriam se comprometer a
enfrentar a impunidade com toda forma de delito por corrupção, gatunagem
disfarçada de privilégio, o tráfico e a milícia.
Ao mesmo tempo, definir estratégias para a
adoção federal da segurança pública nas cidades violentas e de escolas nas
cidades que não oferecem educação pública integral no padrão necessário. Para
os jovens que já estão "jogados ao mar da desescola", apresentar
ações de alternativas à rua: amplo programa de garantia de emprego para aqueles
com algum preparo; e incorporação remunerada em caráter interno ou
semi-interno, por seis meses, em centros civis com cooperação militar para
formação profissional, sociabilidade, disciplina, esporte e criação de laços de
amizade.
Darcy e Raul têm razão: a guerra civil precisa que o Brasil desperte e que a União adote sistemas nacionais de segurança e de escolas com qualidade igual para todos, independentemente da renda familiar e do município onde vive. Tão óbvio!

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