quarta-feira, 12 de novembro de 2025

O Congresso entre a inação e o açodamento, por Vera Magalhães

O Globo

Votar a toque de caixa uma proposta complexa como a que muda toda a abordagem para enfrentar o crime organizado pode levar a judicialização

Um sintoma claro da falta de massa crítica que existe hoje no Congresso Nacional é o grau de improviso assustador que se percebe quando deputados e senadores se veem forçados a apresentar soluções para problemas complexos que vão além de seus próprios interesses. Nessas horas, eles saem da inação completa para um açodamento que sempre implica risco enorme de produzirem uma barbaridade.

O tema da segurança pública é o campeão em suscitar essa aflição por fazer alguma coisa (qualquer coisa) para “dar uma satisfação à sociedade” sem que se saiba direito o quê. Depois da megaoperação das polícias do Rio em 28 de outubro, foi dada a largada a mais uma dessas corridas malucas.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), designou o secretário licenciado de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, para relatar um substitutivo juntando propostas absolutamente discrepantes entre si: o Projeto de Lei antifacção do governo (Projeto de Lei 5.582/2025) e outro, do deputado Danilo Forte (PL 1.283/25), que modifica a Lei Antiterrorismo, de 2016, e enquadra os crimes praticados por facções criminosas que agem no Brasil nessa categoria.

Uma das razões para a demora do envio da proposta do Executivo sobre o assunto foi justamente a resistência no governo a abrir brechas para chamar essas organizações criminosas por nomenclaturas como máfias ou grupos terroristas. As razões vão do risco que isso implicaria à soberania nacional a prejuízos que poderiam sofrer investimentos estrangeiros no Brasil e negócios de empresas brasileiras no exterior. A medida foi classificada como “novo tarifaço” pelos malefícios que poderia acarretar.

Não bastasse isso, quando se obteve acesso às duas primeiras versões do texto de Derrite, integrantes de corporações que integram o arcabouço de combate ao crime organizado, como Polícia Federal e Ministérios Públicos federal e estaduais, passaram a apontar riscos para sua atuação a partir de condicionantes incluídas pelo deputado-secretário.

A indicação de Derrite ainda dinamitou a reaproximação que vinha ocorrendo entre Motta e o governo, depois de seguidos episódios de bateção de cabeça e hesitação de liderança por parte de Motta. O acúmulo de desgastes, aliás, explica a ansiedade do deputado paraibano por votar a toque de caixa qualquer coisa sobre segurança.

Leia também: Derrite e Motta buscam aval do STF para projeto

Não é factível imaginar que uma proposta tão complexa, que mexe na tipificação de crimes, na imputação de penas, nos mecanismos de colaboração entre entes federativos, cria novas estruturas para enfrentar facções e se propõe a ampliar a inteligência para minar o poderio financeiro desses grupos, vá ser votada menos de uma semana depois da designação de um relator que nem estava no exercício do mandato. Isso não é dar uma resposta, é fazer brincadeira em cima de um assunto sério.

O fato de o texto precisar de três remendos em 24 horas mostra sua fragilidade absoluta. A matéria não produzirá efeitos imediatos em realidades como a vivida em comunidades do Rio, da Bahia, do Ceará e de outros estados brasileiros. Justamente por ser uma proposta de mudança nos paradigmas de enfrentamento a longo prazo às facções que exercem domínio territorial e submetem essas populações a jugo sem que o Estado se faça presente, ela precisa ser bem formulada.

Um projeto que não leve em conta todas as consequências das mudanças propostas, inclusive a chance de abrir brechas ao próprio crime organizado, além da judicialização óbvia, será um desserviço a uma pauta em que o consenso é tão difícil de obter.

A busca por protagonismo com vista à eleição de 2026 tampouco ajuda nesta hora. A matéria foi fruto de intensa discussão do governo, que, obviamente, é seu autor. Que o Congresso atue para aprimorá-la, e não para disputar sua paternidade de olho nos palanques do ano que vem.

 

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