O Globo
Como uma assombração, ele voltou
O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta
(Republicanos-PB), decidiu articular, com o apoio do Centrão, a adoção do
modelo de voto distrital misto a partir da eleição de 2030. Ele traria a
vantagem de barrar candidatos ligados a organizações criminosas.
Trata-se de uma patranha. O voto distrital,
simples ou misto, teria a mesma influência que os anéis de Saturno para conter
o avanço do crime organizado na política. O que ele pretende, na proposta
atual, é eleger candidatos sem voto, patrocinados pelas caciquias partidárias
ou por quem quer que seja.
O professor Delfim Netto ensinava que aquilo que não foi conseguido na vigência do Ato Institucional nº 5 (1968-1978) jamais acontecerá. Por exemplo, a cobrança de anuidades nas universidades públicas ou o voto distrital. Ele ronda a política há mais de meio século.
À primeira vista, essa modalidade de voto
aproxima os eleitos de seus eleitores. Ele divide os estados em distritos, e
cada um deles elege um deputado. Beleza, o sistema funciona na Inglaterra e nos
Estados Unidos, mas fica uma pergunta: quem desenhará os distritos? Tomando o
mapa eleitoral do Rio, pode-se criar um distrito em que a Rocinha seria
engolida pela Barra da Tijuca. Com outro desenho, a Barra seria engolida pelo
eleitorado da Cidade de Deus.
Essa é a dificuldade do voto distrital
simples, como o americano. Mas o pessoal do Centrão quer um sistema misto em
que surge a figura da lista fechada, elegendo parte da bancada a partir de
escolhas feitas pelas caciquias.
Se o crime organizado consegue se infiltrar
no sistema atual, salta aos olhos que sua vida será facilitada com a novidade.
A questão da segurança pública virou um terreno baldio onde jogam-se ideias
malucas. Afinal, quando se chama uma matança de “megaoperação”, tudo pode
acontecer.
O voto distrital simples é coisa séria e
merece ser discutido. O modelo misto carrega perigosas vulnerabilidades, pois
com as listas seriam eleitos candidatos sem voto. Na teoria, elas elegeriam
personalidades que têm muito valor e pouco voto. Na prática, poderão eleger
consiglieri de facções criminosas, sem valor nem voto.
Hoje, os senadores têm suplentes, muitas
vezes escolhidos entre os financiadores de campanhas. Em julho passado, o
empresário Breno Barbosa Chaves Pinto, segundo suplente do senador Davi
Alcolumbre (União-AP), sofreu o constrangimento de ver-se envolvido numa
investigação da Polícia Federal. Em 2018 foi preso o empresário Joel Malucelli,
ex-suplente do senador Alvaro Dias. Se a farra das suplências ensinou alguma
coisa, serviu para expor o perigo de eleger quem assina cheques.
O projeto que cria o sistema distrital misto
foi aprovado no Senado em 2017 e dorme desde então numa comissão da Câmara.
Trata-se de acordá-lo, pautando-o para uma eventual aprovação. Tudo no
escurinho de Brasília, com o poder de fogo do Centrão.
O projeto aprovado em 2017 teve autoria do
então senador José Serra. Candidato a deputado na eleição de 2022, ele obteve
89 mil votos, mas não se elegeu.

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