quarta-feira, 12 de novembro de 2025

O golpe do voto distrital misto, por Elio Gaspari

O Globo

Como uma assombração, ele voltou

O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu articular, com o apoio do Centrão, a adoção do modelo de voto distrital misto a partir da eleição de 2030. Ele traria a vantagem de barrar candidatos ligados a organizações criminosas.

Trata-se de uma patranha. O voto distrital, simples ou misto, teria a mesma influência que os anéis de Saturno para conter o avanço do crime organizado na política. O que ele pretende, na proposta atual, é eleger candidatos sem voto, patrocinados pelas caciquias partidárias ou por quem quer que seja.

O professor Delfim Netto ensinava que aquilo que não foi conseguido na vigência do Ato Institucional nº 5 (1968-1978) jamais acontecerá. Por exemplo, a cobrança de anuidades nas universidades públicas ou o voto distrital. Ele ronda a política há mais de meio século.

À primeira vista, essa modalidade de voto aproxima os eleitos de seus eleitores. Ele divide os estados em distritos, e cada um deles elege um deputado. Beleza, o sistema funciona na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas fica uma pergunta: quem desenhará os distritos? Tomando o mapa eleitoral do Rio, pode-se criar um distrito em que a Rocinha seria engolida pela Barra da Tijuca. Com outro desenho, a Barra seria engolida pelo eleitorado da Cidade de Deus.

Essa é a dificuldade do voto distrital simples, como o americano. Mas o pessoal do Centrão quer um sistema misto em que surge a figura da lista fechada, elegendo parte da bancada a partir de escolhas feitas pelas caciquias.

Se o crime organizado consegue se infiltrar no sistema atual, salta aos olhos que sua vida será facilitada com a novidade. A questão da segurança pública virou um terreno baldio onde jogam-se ideias malucas. Afinal, quando se chama uma matança de “megaoperação”, tudo pode acontecer.

O voto distrital simples é coisa séria e merece ser discutido. O modelo misto carrega perigosas vulnerabilidades, pois com as listas seriam eleitos candidatos sem voto. Na teoria, elas elegeriam personalidades que têm muito valor e pouco voto. Na prática, poderão eleger consiglieri de facções criminosas, sem valor nem voto.

Hoje, os senadores têm suplentes, muitas vezes escolhidos entre os financiadores de campanhas. Em julho passado, o empresário Breno Barbosa Chaves Pinto, segundo suplente do senador Davi Alcolumbre (União-AP), sofreu o constrangimento de ver-se envolvido numa investigação da Polícia Federal. Em 2018 foi preso o empresário Joel Malucelli, ex-suplente do senador Alvaro Dias. Se a farra das suplências ensinou alguma coisa, serviu para expor o perigo de eleger quem assina cheques.

O projeto que cria o sistema distrital misto foi aprovado no Senado em 2017 e dorme desde então numa comissão da Câmara. Trata-se de acordá-lo, pautando-o para uma eventual aprovação. Tudo no escurinho de Brasília, com o poder de fogo do Centrão.

O projeto aprovado em 2017 teve autoria do então senador José Serra. Candidato a deputado na eleição de 2022, ele obteve 89 mil votos, mas não se elegeu.


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