Valor Econômico
Limitação proposta por Derrite à atuação da PF ameaçou impor à Câmara desgaste ainda maior que aquele causado pela PEC da Blindagem
O recuo do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) no relatório do PL antifacção aconteceu duas horas depois de um vídeo da Secretaria de Comunicação da Presidência sobre o tema ter sido colocado no ar. Nesta peça publicitária de menos de um minuto, o governo federal acusava as duas versões do relatório de Derrite, conhecidas até ali, de limitar a atuação da Polícia Federal no combate ao crime organizado e carimbava o texto de “PL antiinvestigação”. Ao seu lado, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não escondia seu incômodo: “Não são verdadeiras as narrativas de que a Câmara vai tirar o poder da PF.”
Naquele momento, Derrite ainda não havia apresentado aquela que seria a terceira versão do relatório. O texto, protocolado às 19h36, de fato, manteve as funções da PF e a Lei Antiterrorismo de 2016 inalteradas. Pareceu claro que Motta quis evitar a repetição, junto à opinião pública, do dano provocado pela aprovação, na Casa, da PEC da blindagem, que seria derrotada no Senado depois de expressiva mobilização nacional. Na entrevista de Derrite, ficou claro que o relator pretende ter protagonismo por meio do endurecimento penal mais reforçado, o que não impedirá a base governista de votar favoravelmente seu relatório se esta for a mudança mais substantiva. O PL insiste na equiparação entre crime organizado e terrorismo.
Ao chegar ao Congresso do Ministério Público no início da noite de ontem, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, comentou a entrevista do relator. Ressaltou as duas “correções” anunciadas e mostrou-se ciente de que Derrite vai propor um novo projeto de lei que Motta, de olho em incorporá-lo ao legado de seu mandato na Presidência da Câmara, já batizou de “Marco Legal do Crime Organizado”. “Esse novo projeto terá como base nosso PL Antifacção que é muito completo”, disse.
Desde a escolha de Derrite como relator, na sexta, o Palácio do Planalto já trabalhava a perspectiva de que governo e oposição iriam para o enfrentamento no tema. Motta foi em frente com a escolha do secretário licenciado de Segurança Pública de São Paulo a despeito do desagrado manifesto pela ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann.
Com a segunda versão do relatório na praça,
dotada de alterações nas atribuições da PF, tanto Motta quanto Derrite, ouviram
de ministros do STF que as mudanças eram inconstitucionais e afetariam
marcadamente as prerrogativas da própria Corte visto que a PF é, também, uma
polícia judiciária. Derrite também revelou, ao longo da entrevista, ter falado
com o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, por intermédio de Motta. Numa nota
dura na noite de segunda a PF disse que as primeiras versões do relatório
feriam a autonomia da instituição e colocava em risco o enfrentamento do crime
organizado.
A votação do relatório nesta quarta marcará o
primeiro grande embate do ano eleitoral pelo tema da segurança pública. O
governo vai para a disputa política, como costuma dizer Gleisi Hoffmann, ciente
da dominância da oposição sobre o tema. O dilema já foi enfrentado em abril do
ano passado quando o governo decidiu enviar a PEC da Segurança. Entre se omitir
ante a necessidade de a União ter o instrumental normativo para atuar no tema e
a perspectiva de a oposição fazer cavalo de batalha em torno do texto, a
decisão foi a de que era inevitável correr o risco.
A avaliação é de que, por mais que as
iniciativas do governo no tema acabem, de um jeito ou de outro, sendo
apropriadas pela oposição, o governo tem que ser propositivo. Mantém, ainda,
algumas cartas na manga, todas na linha já delineada de combate ao
financiamento do crime, de compreensão mais difícil, pela população, do que o
endurecimento penal. Espera-se, ainda este ano, uma nova operação da PF no Rio
no âmbito da participação do mercado de combustíveis na lavagem de dinheiro do
crime organizado, exposto na Carbono Oculto.
O governo também pretende aproveitar o embalo para tentar emplacar o projeto do senador Eduardo Braga (MDB-AM) de taxação de bets e fintechs, repondo, assim, uma parte do teor da MP 1303. Depois que o texto desta medida fiscal caducou, o capítulo relativo ao corte de despesas foi apresentado à parte e aprovado. Aquele pertinente a novas receitas é aquele que se espera venha a ganhar impulso com o foco sobre o combate ao financiamento do crime organizado.

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