quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

O funeral da Bardot. Por Elio Gaspari

O Globo

Brigitte, Marilyn e Greta Garbo, três mulheres do século XX

O ano de 2026 começará com o funeral de Brigitte Bardot, símbolo de uma libertação feminina. Bonita e irreverente, colecionou namorados (dez mais ou menos duradouros), transformou duas aldeias de pescadores (Saint-Tropez e Búzios) em pontos turísticos.

Ao chegar ao Rio, linda, depois de 12 horas de voo, deu uma entrevista coletiva e ouviu uma pergunta do repórter Orion Neves:

— A senhora pretende ter um filho brasileiro?

Resposta rápida:

— Com quem, com você?

Bardot morreu aos 91 anos, claustrofóbica e conservadora. Com ela, foi-se mais um pedaço do século XX. Nele, viveram mais duas mulheres lindas e fantásticas: Greta Garbo (1905-1990) e Marilyn Monroe (1926-1962).

Bardot e Garbo superaram as armadilhas da celebridade. Garbo avisou: “Quero ficar sozinha” — e conseguiu. Viveu seus últimos anos em Nova York e fazia longas caminhadas, de chapéu, vestindo suas enormes pernas em calças compridas; às vezes passava pela Park Avenue. La Garbo sofreu para ficar sozinha.

La Bardot viveu o suficiente para não ser aporrinhada. Da Garbo à Bardot, o século XX aprendeu a conviver com mulheres famosas. No meio do caminho, Marilyn Monroe chegou ao triunfo das cocottes. Namorou o homem mais poderoso do mundo, o presidente John Kennedy, e o irmão dele, Robert. As pressões, e talvez suas ambições, levaram-na ao suicídio.

La Bardot conseguiu ficar sozinha e esteve, à sua maneira, na Pasárgada de Manuel Bandeira. Teve os homens que quis, nas camas que escolheu.

Essas três mulheres seguiram roteiros diversos, e hoje o mundo é outro. Outro na França, nos Estados Unidos e sabe-se lá onde mais. Menos na Inglaterra, ou, com mais precisão, na casa reinante dos Windsors.

Lá o rei Charles III conseguiu fazer de Camilla Shand, ex-Parker Bowles, rainha consorte. Ela conseguiu o título que não passou pela cabeça de sua bisavó, Alice Keppel, namorada de fé do rei Eduardo VII.

Conta a lenda que Camilla Shand, ao ser apresentada ao príncipe Charles, disparou:

— Minha bisavó foi amante do seu bisavô, o que você acha disso?

Não se sabe exatamente quando, mas Charles achou a ideia boa. Seguindo a tradição inglesa, namorou-a enquanto ela estava casada. A infidelidade de Charles envenenou seu casamento, e ele foi o primeiro príncipe de Gales a se divorciar. Seu tio-avô foi forçado a abdicar para se casar com uma divorciada.

Quando Lady Di morreu, em 1997, nove em dez pessoas eram capazes de apostar que Camilla nunca conseguiria ser rainha. Ela conseguiu, a Inglaterra mudou, mas nem tanto.

Em tempo: a infidelidade de Charles corroeu sua popularidade. Tudo bem, e é falta de educação lembrar que, na crônica da embaixada do Brasil em Londres, uma cama do palacete tem fama porque nela teria sido gerado o príncipe Harry. (Charles, ao ver o bebê, estranhou seu cabelo ruivo.)

Bardot transgrediu num tempo de transgressões. Retraiu-se quando a fama começou a incomodá-la e blindou-se defendendo os animais e seguindo uma linha conservadora. De certa maneira, acompanhou o século XX.

Nenhum comentário: