O Estado de S. Paulo
Câmara pode impedir uma brutal elevação de carga tributária no setor e recuperar a coerência no trato das políticas que o próprio Congresso promoveu
Desde sempre em minha atividade política
olhei o saneamento como uma das mais importantes políticas públicas. Seja pelo
aspecto ambiental, seja pelas questões relacionadas à saúde, seja pelo
“direito” ao acesso a um copo de água de boa qualidade.
No Ministério da Saúde, a minha visão sobre o
saneamento ficou ainda mais concreta. Em que pese seja muito bom ter
indicadores, a interferência deste segmento na saúde da população é tão
evidente que não precisamos nos alongar sobre algo tão óbvio.
Por tudo isso, mais de uma vez, mobilizei esforços para encerrar a cobrança de tributos e contribuições sobre a oferta de serviços de água e esgoto. Embora as empresas do setor não sejam contribuintes do ICMS e do ISS e, portanto, não estejam sujeitas ao seu pagamento, o PIS e a Cofins incidem sobre o setor.
O Congresso Nacional tem focalizado o
saneamento como uma das políticas a merecer maior cuidado, dada a precária
situação de 93 milhões de brasileiros que ainda não têm coleta de esgoto e dos
34 milhões que não acessam água potável, direitos universais. Em julho de 2020,
a Lei n.º 14.026 foi sancionada com a responsabilidade de ser o novo Marco
Legal do Saneamento. É verdade que a Lei n.º 11.445/2007 havia exercido este
papel, mas tratava-se de reafirmar que o País considerava o setor de saneamento
digno de ter um Marco Legal próprio.
Dois aspectos devem ser destacados na lei de
2020. O primeiro é a ambiciosa meta de universalização que prevê o atendimento
de água potável a 99% da população e coleta e tratamento de esgotos a 90% dos
brasileiros até 31 de dezembro de 2033, com possibilidade de flexibilização até
2040. O segundo é o deslocamento da ótica quase exclusivamente municipal, com a
abertura para condução de soluções de caráter regional.
O setor parece pronto para ganhar uma
intensidade jamais vista em seus negócios. A Associação Brasileira da
Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) estima que somente os novos
investimentos privados contratados após o novo marco sejam suficientes para
que, até 2033, o Brasil atinja 91% de cobertura em termos de acesso à água e de
55,8% para 68% dos domicílios com adequado atendimento por coleta e tratamento
de esgoto.
O setor está entabulando investimentos com um
amplo leque de formatos. Concessões, PPPs e venda de participação acionária
estão à testa dos formatos de destravamento dos investimentos mais
substantivos. Há esforço muito grande de entidades públicas de âmbito local
para fazer frente ao desafio colocado pelas metas de universalização.
O Plano Nacional de Saneamento Básico indica
necessidade de recursos de R$ 46 bilhões anuais por 13 anos para garantir o
cumprimento das metas. Certamente, os R$ 8,5 bilhões anuais anunciados no
âmbito do PAC serão importantes, especialmente em locais de menor acesso aos
financiamentos captados no mercado privado.
Sendo o saneamento um dos poucos polos
seguros de expansão da economia brasileira, causou extrema estranheza que a PEC
45/2019 tenha tratado o setor como outro qualquer. O texto que chegou ao Senado
Federal indicava que a alíquota aplicada ao setor seria a geral.
O problema é que essa mudança significa
elevar a alíquota incidente sobre o valor adicionado do setor de 9,25% para
27%, tomadas as mais recentes falas oficiais ou de organizações que formularam
a proposta de reforma. Este aumento de alíquota implicará elevação do preço da
água de 18%, segundo cálculos divulgados pela Associação Brasileira dos
Concessionários Privados de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon).
No caso de não repassar a tributação ampliada
aos preços, a redução dos patamares de investimento ficaria entre 40% e 47%,
segundo a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).
Obviamente, isso jogaria pelos ares qualquer esperança de cumprir as metas da
universalização.
Há uma evidente falta de sintonia entre a PEC
45 aprovada na Câmara e o Marco Legal do Saneamento, da mesma forma aprovado no
Congresso e balizador das decisões dos agentes econômicos. A aprovação do marco
não poderia ser seguida de uma negativa e profunda mudança no tema mais
sensível, justamente a tributação.
A mudança na incidência tributária sobre o
setor ultrapassa custos e preços. A insegurança sobre as alíquotas que serão
vigentes, num prazo que vai pelo menos até 2033, contamina toda a condição de
avaliação de crédito com respeito às empresas do setor. As avaliações no
mercado de capitais ficam igualmente muito mais incertas, com óbvio impacto
sobre o lançamento de debêntures. É razoável prever que a nova situação gere
uma paralisia nas decisões de investimentos.
Mas há a esperança de que o Congresso retome
o compromisso do País com o saneamento, no resgate de uma de nossas maiores
dívidas sociais. O texto da PEC aprovado pelo Senado Federal indicou a
necessidade de um regime específico para o saneamento. Seguindo esse caminho, a
Câmara pode impedir uma brutal elevação de carga tributária e recuperar a
coerência no trato das políticas que o próprio Congresso promoveu.
*Economista
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