terça-feira, 30 de dezembro de 2025

A jornalista e o ministro. Por Pedro Doria

O Globo

Uma das perguntas que mais tenho ouvido de amigos e familiares, nestes dias de Festas, é: "Qual o objetivo?".

Querem entender o que deseja a imprensa quando traz notícias de que o ministro Alexandre de Moraes pode ter pressionado o Banco Central em favor do Banco Master. A resposta não é complicada. O que a imprensa quer é trazer ao público aquilo que circula nos corredores do poder.

Embutida nessa pergunta — “qual o objetivo?” — existe a presunção de que estamos a serviço de um lado na briga política. Não é isso que nos dá gana um dia após o outro. Francamente, o tesão no trabalho está em ser o primeiro a trazer algo a público. Ao público. O barato está em conseguir explicar com mais clareza como o Brasil funciona, ou o mundo. Em ser útil — e ser lido por ser útil. Pelo ângulo pessoal, essa é a motivação de cada um de nós. Mas, na engrenagem da democracia, a imprensa cumpre um papel fundamental. Ela não julga, não condena. Alerta. Revela à sociedade aquilo que quem tem poder deseja manter em segredo. O jornalismo existe para ligar a sirene e apontar: tem problema ali. É preciso investigar formalmente.

O jornalismo não tem as ferramentas necessárias à investigação pelo Estado — quebra de sigilos, mandados de busca e tudo o mais. As ferramentas que cada jornalista tem à disposição são aquelas dadas pelas Constituições democráticas a cada cidadão. O direito de perguntar e ouvir respostas. De circular nos palácios dos três Poderes e ver o que acontece. Aí contar para todo mundo. Cidadãos têm de trabalhar, não podem gastar manhãs, tardes, noites ou mesmo madrugadas dentro de palácios, prestando testemunho do que faz o poder. Tentando entender as relações, os acordos. As trapaças. É por isso que democracias precisam de jornalismo. Democracias não se sustentam sem que alguém faça esse serviço. É o papel da imprensa.

É da natureza do poder que poderosos se sintam tentados a ganhar algo com as possibilidades abertas pelo próprio nome ou assinatura. A imprensa é um instrumento da sociedade para revelar quando ocorre. Às vezes, a imprensa levanta provas. Outras, não — as provas vêm após o alerta, com a investigação de procuradores ou policiais.

A imprensa noticiou, ativamente, a Operação Lava-Jato. Os desvios bilionários da Petrobras não foram ilusão. Roubou-se. Muito. A mesma imprensa voltou seu olhar ao juiz Sergio Moro quando conversas vazadas tornaram claro que ele mantivera relações promíscuas com os procuradores. Juiz não tem de ajudar parte num processo. Os mesmos jornalistas levantaram a corrupção da família Bolsonaro. Denunciaram o ataque de Bolsonaro à sociedade na pandemia. Demonstraram como foi a tentativa de golpe militar. E, agora, revelam que dois ministros do STF, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, estão promiscuamente próximos do caso do Banco Master. Isso é um problema. Um problema gigante. Precisam, no mínimo, ser afastados de qualquer julgamento envolvendo a dissolução do banco.

A máquina de ataque à imprensa de parte da militância da esquerda estava dormente desde a eleição de Jair Bolsonaro. Foi religada contra Malu Gaspar, colunista do GLOBO. Não tinha como falar algo perante a revelação de que a mulher de Moraes assinou um contrato sem objetivo específico que lhe valeria ao redor de R$ 130 milhões com o Master. Então resolveu dar o bote quando ela revelou que pessoas próximas viram o ministro pressionar o BC.

A informação que ela trouxe foi confirmada por Eliane Cantanhêde e David Friedlander, no Estado de S. Paulo, e por Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo. De certa forma, foi confirmada também por Daniela Lima, do UOL. Daniela, porém, diz que, de acordo com suas fontes, não houve pressão. Apenas menção. Jogo jogado. Fontes distintas podem ter percepções diferentes. Pois cinco dos jornalistas mais experientes da cobertura de política e economia no Brasil ouviram versões quase iguais da mesma história. Dos cinco, quatro ouviram que Moraes cruzou a linha. E muito. Segundo Mônica, a pressão não foi apenas contra o BC, mas também contra a Polícia Federal.

Parece ser um sinal de como será a cobertura da eleição de 2026. Aqui, nas redações, estaremos sob ataque contínuo da máquina bolsonarista e da parte mais agressiva da esquerda. A esquerda não gosta de ser comparada. Mas os métodos são iguais. A falta de compreensão de que uma imprensa livre estará sempre na cola de quem tem poder, e de que isso é desejável, idem.


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