Valor Econômico
Grupo de países emergentes já tem uma
dinâmica diferente com a expansão
A “cúpula extraordinária” virtual de líderes
do Brics, realizada na terça-feira, 21, para discutir a “situação no Oriente
Médio, com particular referência a Gaza”, foi o primeiro teste do grupo dos
grandes emergentes com a nova configuração com 11 países. E o resultado foi o
primeiro racha, que impediu uma declaração conjunta, ilustrando como a
convergência de interesses será ainda mais difícil.
Em agosto deste ano, os líderes dos países fundadores - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul -, reunidos em Joanesburgo, anunciaram a expansão do grupo. Entre mais de 20 candidatos, seis novos países foram convidados a se tornar membros a partir de janeiro de 2024: Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Egito e Etiópia.
Com isso, o Brics na nova configuração passa
a representar perto da metade da população mundial, 36% do Produto Interno
Bruto global e mais de 50% das reservas de hidrocarburantes do planeta. Em
comparação, o Ocidente desenvolvido reunido no G7 (Estados Unidos, Alemanha,
Japão, França, Itália, Reino Unido, Canadá) tem 9,8% da população e um terço da
riqueza mundial.
Líderes deixaram clara a ambição do Brics de
rivalizar com as potenciais ocidentais e impulsionar a construção de uma ordem
mundial multipolar que reflita melhor dispositivos e necessidades dos países em
desenvolvimento. Ao mesmo tempo, não se ignora que a heterogeneidade de
interesses diminui a capacidade desse grupo de emergentes, podendo limitá-lo a
muitas declarações e pouca ação concreta.
As condições de entrada não ficaram claras. A
China e a Rússia querem simplificar ao máximo com uma declaração geral dos
futuros novos membros. Já o Brasil e a Índia esperam adesão deles às
declarações do Brics, incluindo o apoio à expansão Conselho de Segurança da
ONU, que é de especialmente interesse de Brasília e Nova Déli. O Brasil, porém,
provavelmente não será mais rígido ou mais realista que a Índia, que pode
capitular de novo e deixar os brasileiros sozinhos, como ocorreu quando ambos
resistiam a uma expansão meio frouxa impulsionada por Pequim.
Agora, faltando cinco semanas para o novo
ano, quando a expansão deveria ser efetivada, nenhum dos seis convidados
respondeu formalmente ao convite para fazer parte do Brics. A Arábia Saudita
sinalizou há alguns meses que queria assegurar que se juntar ao grupo não
levaria a alinhamento contra outros países ou grupos - ou seja, uma coalizão
pró-China e antiocidental -, e que isso não afetaria a posição política do
reino. E a Argentina acaba de eleger um novo presidente, que já prometeu não
colocar o país no Brics.
Nesse cenário, a África do Sul, na
presidência do grupo, organizou a cúpula extraordinária sobre Gaza convidando
também os líderes dos seis países da expansão na qualidade de “amigos da
presidência”. O que não impediu o presidente Xi Jinping de destacar que “nosso
encontro de hoje para coordenar posições e ações sobre o conflito
palestino-israelense marca um bom começo para maior cooperação do Brics em
seguida a seu alargamento”. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de
considerar,“valiosa e imprescindível a contribuição do Brics, em sua nova
configuração, junto a todos os atores em favor da autocontenção e da
desescalada” no Oriente Médio.
A reunião com 11 de fato já colocou uma
dinâmica diferente no Brics - não foi possível negociar uma declaração conjunta
num tema especialmente sensível para novos membros como Irã, Egito, Arábia
Saudita e Emirados Árabes Unidos. Na discussão, a Argentina e o Irã ocuparam os
dois extremos. A Argentina queria menção explícita ao reconhecimento do direito
de defesa por parte de Israel. O Irã nem sequer queria menção a atos
terroristas por parte do Hamas. Com o impasse, o jeito foi o presidente
sul-africano, Cyril Ramaphosa, fazer um “sumário do presidente”, no qual
incluiu a defesa de uma solução de dois Estados. É algo o Brasil que defende,
mas o Irã não queria ver de jeito nenhum no texto.
Para Karin Vazquez, professora associada de
prática diplomática na Universidade Global O.P. Jindal, da Índia, ainda é
preciso ver o que, concretamente, o Brics expandido será capaz de alcançar em
termos de posicionamento comum. “O grande ponto de interrogação é até onde eles
serão capazes de chegar como um grupo - como uma coalizão, não como países
individuais”, opina.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández,
tinha confirmado participação na cúpula virtual, mas após a vitória de Javier
Milei enviou seu chanceler, Santiago Cafiero. A expectativa é que a diplomacia
de Milei, depois de um momento “Ernesto Araújo”, se curve um pouco à realidade
e, ao invés de se recusar a entrar no Brics, deixe a porta aberta para mais
tarde.
No fim deste mês, uma reunião técnica na
África do Sul já terá os sherpas (representantes pessoais dos líderes) dos seis
países convidados, na linha da China e da Rússia de fazer a expansão um fato
consumado. A Rússia receberá a presidência do Brics para 2024. Moscou
obviamente procurará fazer do grupo um grande espetáculo para tentar demonstrar
que não está isolado e aparecer bem na foto. Ironicamente, o discurso de
Vladimir Putin na cúpula virtual na terça-feira estava inaudível, por problemas
técnicos.
Resta a questão: para onde caminha realmente
o Brics, na busca de reequilibrar a ordem global? Como continuar incorporando
mais membros, como quer a China, como vai lidar com múltiplas crises globais e
regionais?
*Assis Moreira é correspondente em Genebra
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