André
Duchiade / O Globo
Tendo
atuado como senador por 36 anos, Joe Biden foi um dos políticos americanos que
mais assistiu a discursos presidenciais em sessões conjuntas do Congresso. Na
condição de vice, por oito anos ele acompanhou os pronunciamentos de Barack
Obama aos congressistas. Nesta quarta-feira, antevéspera de completar o
centésimo dia de mandato, Biden fala pela primeira vez a deputados e senadores
reunidos, numa sessão em que pretende fazer um balanço do início de sua gestão
e apresentar caminhos a seguir, com o anúncio de mais
um pacote econômico, o terceiro que propõe, agora destinado a ampliar
a rede de proteção social do país.
O discurso em sessão conjunta do Congresso no primeiro ano de mandato foi adotado pelos seis últimos presidentes americanos. A fala — que geralmente ocorre em fevereiro, mas foi adiada em função da pandemia — substitui o discurso sobre o Estado da União, e tem como propósito expor a agenda presidencial aos congressistas. Já o discurso do Estado da União, em janeiro dos anos seguintes, serve para que o mandatário faça um resumo de suas realizações.
A
grande novidade do discurso será o anúncio de mais um volumoso pacote
financeiro, destinado a reforçar a educação, a assistência infantil e os
direitos trabalhistas nos EUA. Denominado Plano para as Famílias Americanas, o
pacote terá um custo de US$ 1,8 trilhão. Entre as suas prioridades, estão o
acesso gratuito a faculdades comunitárias, acesso universal a creches, a
instituição de licença médica e familiar remunerada e créditos fiscais para os
mais pobres.
O
pacote, se aprovado, será financiado principalmente por aumentos de impostos
para os americanos mais ricos. Entre as propostas em discussão estão a volta da
alíquota de Imposto de Renda para pessoas físicas superior aos índices
anteriores aos cortes de 2017 instituídos por Trump; de 37%, a contribuição
voltaria para 39,6%. Além disso, a taxa de ganhos de capital para pessoas que
ganham mais de US$ 1 milhão anuais subiria para 39,6%, dos atuais 20%. Há ainda
outras propostas em discussão, como um imposto sobre a transferência de ativos
após a morte.
Este
será o terceiro grande pacote econômico de Biden, que tem
apostado em uma estratégia de medidas ousadas, em busca de visibilidade. O
presidente busca inspiração direta em Franklin Roosevelt, tendo pendurado um
quadro do arquiteto do New Deal em seu escritório na Casa Branca. Como disse há
um mês, após o governo de Donald Trump e a pandemia do coronavírus, e frente à
ascensão da China — que em breve será a maior economia em termos absolutos —
Biden entende ser crucial provar ao público que
“a democracia funciona”.
Assim
como ocorreu com o já
aprovado plano de resgate contra a pandemia, de US$ 1,9 trilhão, e
com o
pacote de infraestrutura e empregos, ainda em avaliação no Congresso, de US$
2,25 trilhões, republicanos e investidores de Wall Street devem
apresentar uma ferrenha resistência ao novo pacote. Funcionários do governo
afirmam que, embora vá se mostrar aberto ao diálogo, o presidente está disposto
a aprovar os planos mesmo sem apoio bipartidário, pois o momento exige ação.
O
governo cita pesquisas que mostram apoio majoritário a uma reforma tributária.
No discurso, Biden classificará as medidas como uma forma de tornar mais justa
a proporção entre os impostos pagos pela classe média e pelos muito ricos.
Segundo cálculos do Tesouro, uma repressão agressiva à evasão fiscal por parte
de corporações e dos ricos poderia levantar pelo menos US$ 700 bilhões líquidos
em 10 anos. O presidente também deve ressaltar que os aumentos de impostos
atingem um número muito restrito de americanos.
Em
termos de popularidade, estas medidas ainda não serviram para expandir o apoio
ao presidente. A aprovação de Biden mantém-se estável desde que ele assumiu o
cargo. De acordo com um balanço da CNN, desde janeiro, o democrata nunca teve
menos de 52% de aprovação, e nunca mais do que 55% — índice reiterado por uma
pesquisa do Ipsos/Reuters divulgada ontem.
O
índice é mais alto do que o desfrutado por Trump em qualquer momento de seu
mandato: o republicano nunca teve mais de 50% de apoio, e, em seu centésimo
dia, tinha o trabalho aprovado por 45% dos americanos. Ainda assim, a aprovação
de Biden não é historicamente significativa, e supera apenas a de Trump e a de
Gerald Ford. Quando Barack Obama estava havia 100 dias na Casa Branca, 62% dos
americanos o apoiavam. George W. Bush, por sua vez, tinha o endosso de 63%.
Além
de apresentar o novo pacote, Biden provavelmente abordará uma reforma da
polícia, um assunto reacendido após a condenação,
na semana passada, do ex-policial de Minneapolis Derek Chauvin pelo
assassinato de George Floyd em 2020.
Em
termos de conquistas até aqui, espera-se que, no discurso, Biden faça um
balanço de seus esforços para combater a pandemia, que já matou mais de 570 mil
americanos. Antes de assumir o governo, ele definiu uma meta de administrar 100
milhões de vacinas em 100 dias. Até
segunda-feira, 231 milhões de doses foram administradas, e quase 96
milhões de americanos (29% da população) já tinham recebido as duas doses.
Ontem, o governo anunciou que quem estiver vacinado pode andar sem máscara em
espaços abertos.
Ainda assim, a pandemia restringirá o alcance do evento. Devido ao vírus, o discurso será apenas para convidados, e cerca de 200 pessoas comparecerão, em vez das mais de mil habituais. O discurso está marcado para as 21h locais (22 de Brasília), e será transmitido pela TV. Após a fala de Biden, o senador republicano Tim Scott, da Carolina do Sul, apresentará uma resposta em nome do Partido Republicano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário