Guedes
imprimiu as próprias digitais na resistência do governo à aquisição das vacinas
durante o ano passado, prato cheio para a CPI da Covid.
No
mesmo dia em que a CPI da Covid foi instalada no Senado, cerimônia na qual o
seu relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que seu trabalho será
orientado pela ciência e não pelo negacionismo, doa a quem doer, o ministro da
Economia, Paulo Guedes, em reunião do Conselho de Saúde Complementar, voltou a
alimentar especulações de que o novo coronavírus é um produto de laboratório da
China. De quebra, menosprezou a vacina produzida pelo Instituto Butantan, a
CoronaVac, de origem chinesa, ao afirmar que a principal vacina utilizada para
conter a pandemia no Brasil, aplicada em 80% dos imunizados até agora, é menos
efetiva do que o imunizante da Pfizer, produzido nos Estados Unidos, embora ele
próprio tenha utilizado a vacina chinesa.
Guedes não sabia que a reunião estava sendo gravada, mas isso não atenua a gravidade do que falou, pela importância do cargo que ocupa e pelo fato de que a China é o principal parceiro comercial do Brasil e o nosso maior fornecedor de insumos para produção de vacinas: “O chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa. Então, os caras falam: ‘Qual é o vírus? É esse? Tá bom, decodifica’. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor do que as outras”, disse Guedes. Sua declaração ocorre num momento delicadíssimo, em que o Brasil precisa desesperadamente de insumos chineses para produzir tanto a vacina do Butantan quanto a que está sendo fabricada pela Fiocruz, a AstraZeneca.
As
insinuações de que o vírus da covid-19 seria um produto de laboratório da
China, que teria saído do controle — ou que tenha sido disseminado pelo governo
chinês numa suposta “guerra biológica” contra o Ocidente —, são disseminadas
intensamente nas redes sociais pelos grupos negacionistas, tendo sido
reverberadas, no ano passado, pelo filho do presidente da República, deputado
Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), então presidente da Comissão de Relações Exteriores
da Câmara, o que provocou um incidente com o embaixador chinês no Brasil, Yang
Wanming.
Como
Guedes fez agora, na ocasião, Eduardo Bolsonaro atribuiu à China
responsabilidades pela pandemia. “Quem assistiu a Chernobyl vai entender o que
ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela
chinesa. A culpa é da China”, escreveu em seu perfil no Twitter, em 18 de
março do ano passado. A embaixada foi dura na resposta: afirmou que o
filho do presidente da República havia “contraído vírus mental” ao retornar de
viagem aos Estados Unidos. E que o alinhamento do governo brasileiro com o
então presi- dente norte-americano, Donald Trump, estaria “infectando amizades”
entre as populações de Brasil e China.
Um dos assuntos que serão investigados pela CPI da Covid é o atraso na compra de vacinas. O presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar a aquisição da CoronaVac. “Da China, nós não compraremos. É decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população, pela sua origem. Esse é o pensamento nosso”, disse, em outubro passado. Bolsonaro também recusou a oferta de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, que seriam entregues em dezembro. Desenvolvida por um casal de cientistas turcos radicado na Alemanha, criadores da Biontech, a vacina poderia estar sendo aplicada no Brasil desde janeiro. Com sua declaração, Guedes imprimiu as próprias digitais na resistência do governo à aquisição das vacinas durante o ano passado, prato cheio para a CPI da Covid.
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