Desgastes
na imagem do governo dificultam a conquista da maioria necessária para aprovar
seus projetos
O
resultado dos embates para a sanção do orçamento federal de 2021 foi negativo.
Como em 2020, o governo precisou redefinir as regras do resultado primário, do
teto dos gastos e de ouro - “veda que os ingressos financeiros oriundos do
endividamento sejam superiores ao conjunto de investimentos, inversões
financeiras e amortização da dívida”.
As despesas relativas à pandemia superiores a R$ 100 bilhões (1,3% do PIB) retiradas do cálculo das regras fiscais incluem: o Auxílio Emergencial de R$ 44 bilhões; os gastos em saúde com a pandemia; o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) - transferências em contrapartida aos acordos para manutenção do vínculo de emprego em caso de suspensão temporária do contrato de trabalho e de redução da jornada e do salário; e o Programa Nacional de Apoio aos Microempreendedores e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) - financiamento para investimentos ou capital de giro por 36 meses à taxa Selic mais 1,25% ao ano para empresas no Simples com renda anual de até R$ 4,8 milhões.
O
aumento dos recursos destinados às emendas parlamentares não acrescentou por si
só um risco relevante para a sustentabilidade da dívida pública. Parte da
elevação dessas despesas obrigatórias não será executada, pois muitos
beneficiários serão incapazes de atender as condições para liberação dos
recursos. No entanto, a redefinição das regras fiscais sinaliza possível nova
alta de gastos em 2022, quando haverá eleições para renovação do Congresso.
Porquanto
cientes dos riscos, alguns participantes do mercado avaliam que a definição do
orçamento deste ano foi favorável ao transferir o foco para uma agenda mais
positiva. Segundo essa leitura, os parlamentares passarão a analisar medidas
para o equilíbrio fiscal e para o aumento do crescimento potencial, como os
projetos de melhoria das condições de negócios e as Reformas Administrativa e
Tributária - o acordo é que a primeira comece a transitar na Câmara dos
Deputados e a segunda no Senado.
Sou
cético sobre a aprovação de medidas profundas o suficiente para promover uma
transformação dos fundamentos. As propostas do governo têm sido parciais, além
de serem prejudicadas pela dubiedade do presidente da República. A aprovação da
Reforma Previdenciária, quando o governo tinha uma base de apoio robusta e uma
maior taxa de aprovação, é um bom exemplo. As propostas do Ministério da
Economia esbarraram na visão do presidente, que apoiou mudanças que
estabeleceram uma menor idade mínima para a aposentadoria, regras de transição
mais suaves e a manutenção de privilégios para os militares.
A
proposta de Reforma Administrativa padece do mesmo mal, ao não incluir os
atuais servidores e, portanto, impedir que haja uma economia relevante por
muitos anos. Além disso, não existe uma percepção consolidada na sociedade
sobre a desmedida transferência de recursos públicos para os servidores.
Enquanto não ocorrer esse convencimento, os ajustes não terão impacto no curto
prazo. Apesar dos seus pontos positivos, a falta de uma defesa enfática dessa
reforma pelo presidente estimulará a desconfiguração do projeto, com a
submissão de muitas emendas para defesa dos privilégios do funcionalismo.
O
governo divulgou o conceito geral da sua Reforma Tributária no ano passado, mas
optou por só encaminhar a primeira fase no PL 3887/2020, supostamente para
elevar a chance de sua aprovação. A falta de articulação com os projetos já em
tramitação no Congresso - PEC 45/2019 da Câmara dos Deputados e PEC 110/2019 do
Senado - foi notória e tende a prolongar a tramitação da proposta. O relatório
da Comissão Mista da Reforma Tributária, já postergado várias vezes, buscará
aparentemente uma consolidação dos pontos consensuais do PL e das PECs. Mesmo
assim, é provável que essa versão também sofra alterações substanciais durante
sua tramitação.
As
propostas de Reforma Tributária desde 2004 têm sido sujeitas a muita pressão
por parte dos entes da federação e de grupos de interesse. Os Estados e
municípios lutam pelo aumento da sua parcela das receitas, enquanto os diversos
setores buscam a redução da sua carga de impostos e a manutenção de subsídios e
renúncias tributárias. Apesar de o debate sobre os pontos comuns às três
propostas ser possivelmente a alternativa viável, é difícil discutir apenas parte
da reforma e alcançar uma tributação eficiente. De toda forma, nem os
coordenadores políticos do governo nem os líderes da sua coalizão de apoio têm
tratado das reformas, o que sugere que o debate está longe de despertar
interesse.
Esses
obstáculos crescem com os prognósticos incertos sobre a vacinação, em função de
questionamentos sobre a oferta de vacinas pelos laboratórios no exterior e de
insumos para sua produção doméstica. Com o número de mortes por covid-19
alcançando cerca de 3,5 mil por dia e acumulando quase 400 mil, o governo terá
dificuldade para transferir o foco do Congresso para outro tema.
A
fraca articulação política do Executivo também não permite vislumbrar avanço
imediato no debate sobre as duas reformas. A instalação da CPI da Pandemia no
Senado atesta essa fragilidade. O governo não foi capaz de construir uma base
majoritária na comissão nem de garantir a escolha de um presidente e de um
relator que lhe seja favorável. Assim, é provável que o Executivo sofra
desgastes reiterados na sua imagem nos próximos meses, dificultando a conquista
de uma maioria sólida necessária para aprovar seus projetos.
Em suma, ajustes mais significativos no curto prazo exigiriam uma liderança política do governo ainda inexistente. O atual momento da saúde pública e a falta de interesse do presidente em cortar privilégios sugerem que o otimismo de uma parte dos participantes de mercado está mais associado à esperança de uma resposta política adequada do que à realidade. Nessas condições, é possível que haja uma desilusão sobre esses avanços e uma maior certeza de que o progresso virá apenas com a posse de um novo governo e uma eventual renegociação do atual acordo social.
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