COP30 deixa sabor de frustração
Por O Globo
Conferências multilaterais não têm se mostrado à altura do desafio de conter a emergência climática
Nada mais simbólico que o incêndio na Zona
Azul, área oficial da COP30, em Belém. O fogo, felizmente controlado, foi a
última evidência da desorganização que prejudicou a conferência do clima desde
o início — sentida nos preços extorsivos de diárias de hotel e alimentação, na
qualidade sofrível do ar-condicionado (movido a diesel) ou na reprimenda
oficial da ONU aos
organizadores. Tudo isso poderia ser encarado como mero transtorno se a COP30
tivesse obtido sucesso em sua missão principal: gerar instrumentos capazes de
conter outro fogo, o aquecimento da atmosfera que desarranja o clima na Terra.
Mas também nisso ela deixou a desejar.
Era, é verdade, possível prever resultados modestos. A Cúpula dos Líderes que antecedeu a COP30 atraiu pouco mais de 30 chefes de governo e Estado, menos da metade do registrado no ano passado e um terço dos presentes na Rio-92. Entre os ausentes, Donald Trump, presidente do país que mais poluiu desde a Revolução Industrial, e Xi Jinping, líder do maior emissor de gases. Sem aval dos dois, qualquer avanço já seria relativo. Também não compareceram líderes de países como Austrália, Indonésia, Turquia, Argentina ou Japão. A COP30 passou a ser encarada como encontro de “implementação” de decisões tomadas. E, mesmo com metas pouco ambiciosas, as conquistas ficaram aquém do necessário.
Um dos objetivos era avançar no financiamento
para países em desenvolvimento enfrentarem a crise climática. Em Baku, os
países ricos concordaram em triplicar o apoio de US$ 100 bilhões para US$ 300
bilhões ao ano até 2035. O objetivo desta vez era mobilizar US$ 1,3 trilhão
anual, patamar considerado mínimo para haver chance de êxito. No documento
final, a menção ficou vaga, sem compromisso formal.
A principal lacuna é a falta de um roteiro
concreto, com metas e prazos para eliminar combustíveis fósseis. Em Dubai, o
texto final reconhecera a necessidade da transição, sem estabelecer prazo.
Apesar do esforço brasileiro, com a volta do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva à negociação, o documento de Belém omitiu o tema e recebeu críticas dos
cientistas. Restou apenas a promessa de retomar a discussão.
Um dos poucos avanços foi a adoção de um
conjunto de indicadores para monitorar a adaptação às mudanças no clima. Outro
foi o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), iniciativa brasileira que
captou US$ 6,7 bilhões de governos — início promissor, mas o TFFF precisa
captar US$ 25 bilhões para ser viável. Outras ideias brasileiras nas áreas de
compras governamentais, cadastro rural e auditoria de ações de governos também
foram incorporadas ao instrumental climático planetário.
Antes do Acordo de Paris, o mundo caminhava
para chegar ao fim do século entre 3,3ºC e 3,8ºC mais quente que no período
pré-industrial. Os compromissos assumidos de lá para cá baixaram a estimativa
para entre 2,5ºC e 2,9ºC. Mas a realidade está longe de 2ºC, maior temperatura aceitável
para evitar cenários catastróficos. Cumprir tal objetivo exige, segundo
cientistas, cortar emissões fósseis pelo menos 5% ao ano desde já, para
zerá-las no máximo até 2045. Com os Estados Unidos fora, a timidez nas metas de
corte e a dificuldade de chegar a acordos na COP30, é difícil acreditar que
seja viável. O modelo de conferências multilaterais movidas pelo consenso e o
arcabouço frágil criado em Paris não têm se mostrado à altura do desafio.
Brasil gasta em segurança tanto quanto países
semelhantes — mas gasta pior
Por O Globo
Cerca de 1,3% do PIB é dedicado à maior preocupação da população. Falta de integração gera desperdício
Apesar de a violência ser
a maior preocupação do brasileiro, a prioridade para a segurança não se
materializa na prática. Governo federal, estados e municípios aumentaram gastos
em valores absolutos, mas proporcionalmente eles ficaram estagnados nos últimos
anos, revelam
dados analisados pelo GLOBO. Correspondiam a 1,4% do PIB em 2021 e
estão em 1,3% desde 2022.
O gasto federal passou de R$ 15,4 bilhões em
2021 a R$ 21 bilhões em 2024 (em valores corrigidos), segundo o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública. Mas o aumento resulta principalmente da ampliação
das verbas de Defesa Civil, de R$ 1,6 bilhão para R$ 5,4 bilhões. Quando se
olham os investimentos em policiamento, o aumento é mais modesto, de R$ 4,3
bilhões para R$ 4,6 bilhões. Estados e municípios mantiveram comportamento
parecido. Os estados destinaram R$ 38,4 bilhões em 2023 e R$ 39,1 bilhões em
2024, os municípios R$ 5,4 bilhões e R$ 6,6 bilhões, respectivamente.
É preciso cautela antes de concluir que o
Brasil gasta pouco. Seria mais correto dizer que gasta mal. A fatia do PIB
brasileiro destinada a “serviços de polícia” (1,07%) não difere muito da
despendida em economias emergentes (1,2%), pelos dados da OCDE. E é maior que
nas avançadas (0,8%). A realidade mostra que os estados, com atribuição
constitucional para combater a violência, mantêm despesas expressivas com
pessoal, viaturas ou armamento. Mas os recursos não são empregados de forma
racional. Isso se reflete em resultados pouco eficazes.
Para piorar, o governo federal cogita deixar
parte dos gastos da segurança fora do arcabouço fiscal — a exemplo do que
ocorreu com a Defesa. Isso só se justificaria se fossem despesas
extraordinárias, mas não é o caso. O malabarismo fiscal não resolverá o
problema da segurança e ainda criará outro, já que ocultar gastos faz aumentar
o endividamento público.
Os recursos da segurança seriam mais bem
empregados se houvesse integração e padronização entre as forças federais,
estaduais e municipais — e certamente trariam melhores resultados. Hoje, os
estados enfrentam sozinhos facções criminosas que atuam em diferentes regiões e
até no exterior. Falta um plano nacional contra o crime organizado. É essencial
haver maior participação de Brasília.
O Planalto tenta corrigir a omissão com a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, que prevê maior atuação
das polícias federais no combate às facções, maior integração entre as forças,
compartilhamento de dados (hoje compartimentados) e aperfeiçoamento do Sistema
Único de Segurança Pública. A PEC tramita no Congresso em meio a divergências.
É preciso acelerá-la.
Aumentar recursos sem coordenação e racionalidade de nada adianta para reverter a escalada da violência. Não há dúvida de que a polícia precisa estar bem equipada, e isso custa dinheiro. Mas resolver a crise da segurança no país vai além. Enquanto vigorar a política do cada um por si, haverá gastos de mais para resultados de menos.
A caminho da verdade do clima na COP30
Por Folha de S. Paulo
Na conferência da ONU encerrada em Belém, não
vingou roteiro para livrar o mundo dos combustíveis fósseis
Houve avanço em adaptação à crise climática,
mas sem meta de financiamento; falhas em logística e infraestrutura sinalizaram
despreparo
Em que pesem avaliações negativas que se
podem traçar da COP30,
a cúpula sobre mudança
climática de Belém do
Pará, cumpre não subestimar as várias conquistas do evento. Entre as mais
notáveis, que a reunião se tenha concluído no prazo usual, isto é, com o atraso
regular dos últimos anos.
Mais de 60 mil delegados de quase duas
centenas de países passaram pela metrópole de 2,7 milhões de pessoas encravada
na floresta e envolta nas águas abundantes da amazônia. Padeceram com calor,
umidade e alagamentos, amostra do que já enfrentam populações mais vulneráveis
a eventos extremos do aquecimento global.
Houve
consideráveis percalços, como a tentativa de invasão da zona azul
—área restrita a negociadores— e um incêndio no mesmo espaço. Sinais de
despreparo, que por sorte não fez vítimas graves, só arranhões na reputação dos
organizadores.
O desastre logístico predito por não poucos
não chegou a se materializar. Por outro lado, no que toca à substância de
decisões e documentos, houve poucos avanços, como a entronização do ideal de
transição justa, mecanismo para dar a sociedades desfavorecidas meios para
renunciar a combustíveis fósseis e adaptar-se à mudança do clima.
Teria sido melhor detalhar tal compromisso com
cifras e prazos, mas assim procedem as COPs: palavra por palavra, até que em
futuro incerto o verbo coalesça em metas identificáveis, desprovidas porém de
controles para cumprimento. Assim caminha o multilateralismo imprescindível,
com lentidão aquém da emergência climática.
Na prática, abusa-se do poder de veto. Arábia
Saudita, China, Índia e Rússia incineraram o
mapa do caminho para longe dos fósseis que a presidência
brasileira preconizava. A União Europeia travou o financiamento, ficando apenas
a promessa genérica de triplicar os recursos a desembolsar por países
desenvolvidos.
Restam pouco mais de 11 meses, até a COP31
na Turquia,
para produzir o roteiro prometido pelo Brasil, doravante por conta própria. A
diplomacia nacional confia no apoio de 80 países, e uma reunião separada sobre
o tema espinhoso deverá ocorrer na Colômbia no primeiro semestre.
O avanço possível se deu não no item
principal da mitigação (redução das emissões de carbono), mas no da adaptação.
No jargão das COPs, trata-se de enfrentar as condições ameaçadoras criadas pela
omissão internacional, 33 anos após adotada a Convenção da ONU sobre
Mudanças Climáticas, na neutralização dos fósseis que a ciência prescreve para
2040.
A COP30 seria a COP da verdade e foi: nunca
esteve tão evidente o abismo que separa governos comprometidos com deter a
crise climática —para esta e para futuras gerações— dos que trabalham há um
terço de século pela precedência dos próprios interesses econômicos e
estratégicos, doa a quem doer.
Receita heterodoxa para a economia do Japão
Por Folha de S. Paulo
Novo governo propõe pacote de expansão de
despesas incoerente com riscos fiscal e inflacionário
Variação dos preços ao consumidor deveria se
aproximar da meta de 2% em 2026; tal projeção tende a esvaziar-se com o pacote
de Takaichi
Há apenas um mês à frente do governo do Japão, a
conservadora Sanae Takaichi enviou na sexta (21) ao Parlamento
o mais ambicioso pacote de estímulo econômico desde o auge da pandemia. Com
inusitado viés heterodoxo, a expansão de gastos públicos e os cortes
tributários previstos para o próximo ano fiscal abarcam 21,3
trilhões de ienes (US$ 135,4 bilhões).
A reação dos mercados foi imediata, com
desvalorização da moeda japonesa e pressão por melhores remunerações aos
títulos públicos de longo prazo.
O pacote prevê despesas de 17,7 trilhões de
ienes —3,8 trilhões de ienes acima do plano vigente em 2024— e mais 900 bilhões
de ienes em gastos especiais. Em princípio, a maior parte desses recursos será
direcionada a setores estratégicos, como tecnologia e
construção naval, e à área militar.
Há também benesses para a população enfrentar
a carestia, o que conferiu conotação populista ao pacote. Entre elas, apoio
para municípios concederem auxílio-alimentação, bônus de US$ 130 por criança às
famílias e subsídios nas contas de gás e energia.
Já as receitas tendem a recuar com a
concessão de 2,7 trilhões de ienes em alívio tributário. Mas a
primeira-ministra não detalhou seu plano nem expôs suas estimativas de ganhos
para a economia e
a sociedade até o momento.
O expansionismo pode impulsionar a atividade
econômica em 2026 e fortalecer os argumentos do governo em favor de uma
bonança, ainda que de curto prazo, a ser derivada do pacote. Mas os riscos
fiscal e inflacionário embutidos sugerem sérias dificuldades estruturais mais à
frente.
A execução do projeto, mesmo com aumento da
dívida pública bruta do país —estimada em 229,5% do PIB em 2025 pelo Fundo
Monetário Internacional— no atual cenário de desequilíbrio fiscal japonês, pode
interferir na percepção dos mercados sobre o grau de solvência do país.
Ademais, parece insensato pretender aliviar
a inflação despejando
enorme volume de recursos públicos na economia. Nas projeções do FMI, a variação
dos preços ao consumidor deveria se aproximar da meta oficial de 2% em 2026,
após saltar a 3,3% neste ano. Tal perspectiva tende a esvaziar-se com o pacote
de Takaichi.
Não deixa de surpreender a aposta em uma política de frouxidão fiscal de uma ex-ministra de Segurança Econômica que se dizia comprometida com a responsabilidade no setor. A execução daqui para a frente terá de ser examinada com cautela, sobretudo para não gerar mais incertezas e desequilíbrios em uma das cinco maiores economias no mundo.
Tarifas pesam sobre Trump, que inicia recuo
com Brasil
Por Valor Econômico
O ajuste geral de Trump nas tarifas tem
motivos políticos
O presidente Donald Trump deixou
momentaneamente de lado as razões políticas alegadas para a sobretaxação de 40%
sobre produtos brasileiros e eliminou-as, a partir de 13 de novembro, para
cerca de 200 bens, entre eles carne e café - dois dos principais itens de
exportação para os Estados Unidos -, além de frutas e partes e peças para
aviões. Trump mencionou as negociações em curso com o Brasil e suas discussões
com o presidente Lula para justificar o fim das tarifas punitivas que abrangiam
10,21% das exportações brasileiros, ou US$ 4 bilhões (Valor, 21-11). O novo ajuste
tarifário marca realismo político de Trump, diante de sua queda de
popularidade, na qual a inflação tem peso forte, e mostra também os primeiros
sucessos da tática brasileira de privilegiar antes de tudo negociações, e não a
retaliação, contra o protecionismo americano, uma decisão de Lula que acabou
acertada.
No ato em que decidiu eliminar tarifas de
40%, o presidente americano deixou em aberto que os próximos passos positivos
dependerão do resultado do diálogo aberto, um terreno desejado pelo Brasil, que
sequer tem superávits com os EUA, mas déficits, que quintuplicaram este ano até
outubro em relação a 2024: US$ 7 bilhões. As barreiras comerciais fizeram as
vendas do Brasil para lá caírem 38% em outubro. Mesmo com os recuos já realizados,
há ainda muito em jogo - 40,95% das exportações brasileiras, ou US$ 16,1
bilhões (2024), continuam sob pesada taxação. A maior parte são produtos
industrializados, com maior valor agregado, como máquinas e equipamentos, além
de açúcar, etanol e café solúvel.
A partir da decisão política de Trump para
abrir a negociação, à qual se recusou durante meses, os temores de que
prevalecesse nos encontros a ala mais dura contra o Brasil, representada pelo
secretário de Estado, Marco Rubio, parecem provisoriamente afastados. Após um
longo período em que o deputado Eduardo Bolsonaro, fixado nos EUA, fez franca
campanha para pressionar por tarifas contra o Brasil, usando-as politicamente a
favor de sua família, Rubio teve um encontro amistoso com o chanceler
brasileiro, Mauro Vieira. Ficou de responder a curto prazo se os EUA concordam
com a proposta brasileira de uma trégua de 90 dias nas tarifas aplicadas, à
espera de um entendimento que os dois lados considerem adequado e mutuamente
satisfatório.
O lado puramente comercial da relação pode
avançar mais, porque Trump é pragmático e está calibrando a carga tarifária não
só sobre o Brasil, apesar de ter sempre negado que tarifas provoquem aumento de
preços. Mas a inflação americana foi pressionada e subiu após a guerra comercial
dos EUA com o mundo. Os produtos que mais aumentaram, embora possam não ter
peso significativo nos índices de preços, são massivamente consumidos pela
população. Nos 12 meses encerrados em setembro, o café tinha aumentado 18,9% e
as carnes, 14,7%.
O peso das tarifas não se abateu sobre os
preços de uma só vez, mas gradualmente, em um movimento que se estenderá por
2026. Nos primeiros meses, importadores, varejistas e indústria, que utiliza
insumos importados, assumiram parte dos custos em alta para manter vendas e não
perder mercados. Mas os preços não deixaram de crescer. Segundo o Price Lab da
Harvard Business School, que reflete a evolução diária de 3.500 produtos nos
principais varejistas do país, de março a 12 de outubro a média dos itens
importados aumentou 6,14%. Móveis e equipamentos do lar evoluíram 6,31%. No
índice de sentimento do consumidor da Universidade de Michigan de novembro, os
entrevistados apontaram que este é o pior momento em 40 anos para comprar bens
duráveis no país.
Depois de acusar acidamente seu antecessor
Joe Biden pela inflação, Trump prova do mesmo remédio amargo. Sua popularidade,
segundo a mais recente pesquisa Reuters-Ipsos, mostra aumento da desaprovação a
seu governo, agora em 60% (era de 41% quando tomou posse) e queda do apoio (38%
ante 47%). Sobre o desempenho de Trump diante do custo de vida, apenas 26%
aprovaram suas ações e 65% desaprovaram.
O ajuste geral nas tarifas tem motivos
políticos e se tornou mais imperativo diante das eleições para os governos de
New Jersey e Virginia e prefeitura de Nova York, em que os republicanos foram
amplamente derrotados. Em um ano haverá eleições legislativas, no qual os
democratas poderão retomar o controle do Senado, da Câmara ou de ambos, e as
eleições regionais realizadas não emitiram bons sinais para Trump. Há uma
debandada de parte do eleitorado hispânico e negro que votou nele em 2024 de
volta para os democratas.
Depois de a tarifa efetiva americana aplicada
a todos os países atingir em julho 17,4%, a maior desde os anos 1930, os
ajustes feitos para calibrá-la reduziu-a a 12,8% (Oxford Economics). No caso do
Brasil, a tarifa média ponderada, que foi de 33% em julho, caiu agora para
27,7%, ainda uma enormidade diante dos 2,2% de antes da guerra comercial, ou
mesmo em relação à China, o principal alvo americano, cuja trégua firmada com
Trump cortou-a para 32% (de 42%).
A mudança de Trump do radicalismo para algum realismo, pode, com relativo sucesso dos negociadores brasileiros, devolver o Brasil à situação anterior à guerra tarifária, da qual, por motivos comerciais, pelo menos, nunca deveria ter saído.
Ninguém leva a meta fiscal a sério
Por O Estado de S. Paulo
Sem respostas fáceis para uma crise complexa
como a da segurança, Lewandowski defende recorrer à velha manobra do governo de
ampliar gastos e excluir as despesas das regras fiscais
E ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski,
revelou que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva avalia retirar uma parte dos
gastos com segurança pública do arcabouço fiscal. Segundo ele, o Executivo
estuda dar à área o mesmo privilégio que o Congresso conferiu à Defesa e o
governo sancionou, ao permitir que R$ 30 bilhões em despesas para modernização
das Forças Armadas sejam excluídos do limite de gastos e da meta fiscal nos
próximos seis anos. Uma alternativa, de acordo com o ministro, seria fixar na
Constituição um valor mínimo de gastos com segurança pública, a exemplo dos
pisos da Saúde e da Educação, vinculados às receitas. Ou seja, mais
engessamento orçamentário.
De acordo com Lewandowski, o combate ao crime
organizado requer um volume de recursos incompatível com as regras fiscais.
“Não se resolve o problema sem investimento”, afirmou Lewandowski, em
entrevista ao portal Jota. O presidente Lula, segundo o ministro, estaria
“convencido” de que a segurança pública merece tratamento especial.
Graças à disputa política sobre o projeto de
lei antifacção na Câmara e às trapalhadas do relator, deputado Guilherme
Derrite (PP-SP), as declarações de Lewandowski não receberam tanta atenção. Mas
deveriam: impressiona a tranquilidade com que o ministro disse o que disse sem
qualquer constrangimento, boicotando o arcabouço fiscal que foi elaborado e
proposto pelo próprio governo Lula para substituir o teto de gastos.
Procurado para se manifestar sobre o
posicionamento de Lewandowski, o Ministério da Fazenda, segundo o jornal O
Globo, respondeu que “não houve discussão sobre o tema” até o momento, o que,
na prática, não quer dizer rigorosamente nada. Logo se saberá se a equipe
econômica foi realmente excluída desse debate ou se apenas quis manter as
aparências enquanto o martelo não foi batido.
Este é o tipo de proposta que, convenhamos, é
a cara do governo Lula. Diante de qualquer problema, a saída é sempre gastar
mais, e muitas vezes nem importa exatamente a razão. Quando o gasto não cabe no
Orçamento, em vez de remanejar recursos, apostar em planejamento e investir em
boas políticas públicas, algo que dá trabalho e gera desgaste político, basta
excluir a despesa das amarras fiscais.
Reportagem publicada pelo Estadão já mostrou que, de
2023 a 2026, ao menos R$ 387,8 bilhões em gastos não serão contabilizados na
meta fiscal. Entre eles estão a recomposição do Orçamento por meio da emenda
constitucional da transição, o calote dos precatórios na administração de Jair
Bolsonaro, a ajuda ao setor cultural no pós-pandemia, o ressarcimento por
descontos ilegais em aposentadorias e pensões e o apoio a exportadores
prejudicados pelo tarifaço imposto pelos Estados Unidos, entre outros.
Como se vê, essa prática está longe de ser
uma exceção ou mesmo uma novidade. Em seu segundo mandato, Lula dizia que
investimento não era gasto e usou essa justificativa para excluir da meta os
gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e das grandes estatais.
Sem respostas fáceis para a complexa crise na
segurança pública – temática que deve dominar a disputa eleitoral de 2026 e na
qual os petistas não costumam se sair bem –, não será surpresa alguma se Lula
assumir o aumento dos gastos na área e sua exclusão da meta como solução.
A verdade é que, se dependesse apenas de
Lula, todo e qualquer gasto ficaria fora das regras fiscais e o governo
gastaria sem qualquer limite. O problema dessa tese é que ela ignora o fato de
que os recursos públicos são finitos e que financiar o que falta não sai de
graça. Ademais, despejar essa dinheirama na economia eleva a inflação – não por
acaso acima do centro da meta – e requer juros elevados.
O resultado é um arcabouço fiscal que já não
atinge seu principal objetivo, pois o cumprimento da meta é incapaz de conter o
aumento da dívida pública. Meritórios ou injustificados, gastos são sempre
gastos, e todos eles, sem exceção, deveriam ser contabilizados dentro das
regras fiscais. Abrir exceções é o maior estímulo para que todas as áreas
busquem obter o mesmo status. Se Lula não leva o dispositivo a sério, não serão
os ministros que o farão.
Pseudociência como negócio
Por O Estado de S. Paulo
Médicos que atacaram as vacinas contra covid
agora lucram com ‘tratamento’ para uma doença inexistente, afrontando a ética
médica e testando os limites da omissão dos conselhos de medicina
O Estadão trouxe
a público uma informação estarrecedora: alguns dos médicos mais estridentes na
cruzada antivacina contra a covid no País agora lucram com cursos, consultas e
tratamentos voltados a uma tal de “spikeopatia”– uma síndrome inventada.
Passados quase três anos desde o fim da pandemia, esse comportamento expõe a
persistência de um padrão leviano. Profissionais que colocaram em risco a saúde
pública durante a maior tragédia sanitária em mais de um século seguem
espalhando desinformação, mas agora como negócio.
O imunologista Roberto Zeballos, o
infectologista Francisco Cardoso e o neurologista Paulo Porto de Melo são os
grandes propagadores da novidade pseudocientífica. Nas redes sociais, onde
somam mais de 1,6 milhão de seguidores, eles defendem a existência de uma
intoxicação que seria causada por vacinas de RNA mensageiro, com sintomas
semelhantes aos da covid longa – esta, sim, reconhecida pela ciência. Mas a
suposta “síndrome pós-spike”, o outro nome que deram para a criação, não
resistiu ao rigor do método científico: na literatura especializada, nada há
que corrobore os “achados” dos médicos, menos ainda sua relação com os
imunizantes que foram decisivos para conter o avanço do coronavírus.
Um estudo publicado pelos três médicos na
revista IDCases, e posteriormente retratado pela Editora Elsevier, deixou isso
claro. Ao retirar o artigo de circulação, a editora reconheceu que, de fato,
não havia evidências empíricas que sustentassem qualquer relação entre a
“síndrome pós-spike” e as vacinas mRNA. O texto, baseado em cinco relatos de
caso, não passava de mera especulação travestida de achado clínico para lustrar
a venda de cursos, consultas e tratamentos por seus autores.
Apesar da fragilidade do tal estudo,
Zeballos, Cardoso e Porto de Melo trataram de monetizá-lo. Cursos oferecidos
pelos três chegam a custar R$ 685, e consultas particulares ultrapassam R$ 3,2
mil. Trata-se de uma reedição da lógica que marcou a atuação destes mesmos
médicos ao longo da pandemia: difundir teses infundadas, gerar pânico e vender
placebos. Não faltam exemplos. Os médicos citados colecionam dezenas de
publicações corrigidas pelo Estadão Verifica e pelo Comprova contendo
informações falsas ou distorcidas sobre covid, vacinação e medidas de prevenção
contra a doença.
Se a conduta dos doutores é moralmente
reprovável por si só, quiçá criminosa, torna-se ainda mais grave por afrontar o
Código de Ética Médica de forma tão desabrida. O artigo 113 do código é
inequívoco ao proibir a divulgação, fora da esfera científica, de terapias sem
reconhecimento por órgão competente. Contudo, isso não impediu que os médicos
recorressem às redes sociais, sobretudo o Instagram, para promover um
tratamento fajuto para uma síndrome que não existe no mundo dos fatos, ou seja,
no mundo da ciência.
Diante desse descalabro, uma pergunta se
impõe: onde estão o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
(Cremesp) e o Conselho Federal de Medicina (CFM)? O papel dessas instituições é
zelar pela integridade da prática médica no Estado e no País, além de proteger
a sociedade de condutas que atentem contra a boa técnica e a saúde pública. No
entanto, a leniência parece ser a regra. Durante a pandemia, a omissão dessas
guildas diante do desserviço prestado por médicos alinhados politicamente ao
governo de Jair Bolsonaro, um notório negacionista, abriu espaço para a
proliferação de “protocolos” sem base científica, desde o “kit covid” até a
difusão de falsos riscos associados às vacinas. É ocioso relembrar aqui todas
as sandices veiculadas naqueles tempos perturbadores.
A tolerância com condutas que distorcem os
fatos, geram pânico e exploram financeiramente a angústia da população corrói a
credibilidade da Medicina. É imperativo que o Cremesp e o CFM cumpram seu papel
de repreender a conduta desses médicos. A sociedade já pagou caro demais pela
desinformação durante a pandemia e não pode continuar sendo vítima de quem
insiste em fazer do charlatanismo sua mercadoria. Nesse contexto, o silêncio
corporativista das conselhos profissionais não é apenas constrangedor, é
inaceitável.
Prefeitura do Rio não é boteco
Por O Estado de S. Paulo
Ao ofender o chanceler alemão, Paes esqueceu
que não é um cidadão comum numa conversa com amigos
O destempero verbal do prefeito do Rio de
Janeiro, Eduardo Paes (PSD), ultrapassou todos os limites aceitáveis até para
uma comunicação informal. Ao reagir, nas redes sociais, a uma frase infeliz do
chanceler alemão, Friedrich Merz, sobre as condições de realização da COP-30,
Paes recorreu ao insulto pessoal gratuito: o prefeito carioca chamou o chefe de
governo estrangeiro de “nazista”, “vagabundo” e “filhote de Hitler”, nada
menos. Em seguida, apagou a postagem – um reconhecimento tácito da gravidade do
erro que cometeu.
A frase de Merz no Parlamento alemão, segundo
a qual jornalistas de seu país teriam ficado “felizes” ao voltar “daquele
lugar” à Alemanha, referindo-se a Belém (PA), é de fato indelicada, para dizer
o mínimo. Nações amigas, especialmente quando recebem eventos de porte global,
devem tratar-se com respeito mútuo. Ainda assim, Paes escolheu a pior forma
possível de reagir: atacou não a impropriedade pontual de Merz, mas a pessoa,
recorrendo a referências históricas que, para qualquer cidadão alemão, carregam
um peso moral inimaginável.
Esse tipo de ofensa, além de politicamente
imprudente, tem contornos jurídicos muito bem delineados. À luz da legislação
penal brasileira, a conduta de Paes pode, em tese, configurar o crime de
injúria, agravado pelo fato de ter sido cometido contra um dignitário
estrangeiro (art. 141, inciso I, do Código Penal). Autoridades públicas têm
dever redobrado de temperança não apenas em função do cargo que ocupam, como
também porque representam o Estado. Suas palavras não cabem na moldura da
“piada”.
Há muito, Paes cultiva a persona do carioca
folgazão, o piadista sempre à beira do deboche. Essa construção política pode
lhe ter rendido bônus eleitorais, mas não o exime da responsabilidade
institucional intrínseca ao cargo de prefeito da segunda maior metrópole do
País. Linguajar de boteco pertence ao boteco. Deveria ser ocioso lembrar que
redes sociais de autoridades devem refletir a sobriedade e a compostura
necessária ao exercício do múnus público.
Ademais, a impostura de Paes expõe um
problema mais amplo da política contemporânea: a confusão entre espontaneidade
e irresponsabilidade. O fato de uma autoridade acreditar que a comunicação
facilitada pelas redes sociais lhe permite falar “diretamente com o povo” ou
“como gente comum” não a libera das amarras formais que protegem a civilidade
republicana. Ao contrário, exige dela ainda mais prudência, pois seu
comportamento modela o entendimento dos cidadãos do que significa exercer um
mandato eletivo.
O sr. Eduardo Paes deveria lembrar que o cargo de prefeito do Rio é maior e mais importante do que seus traços de personalidade – é corolário do voto popular. É em tudo incompatível com essa responsabilidade uma atitude que, em vez de defender Belém e o Brasil com firmeza e decoro, recorre à fanfarronice. Para o bem da vida institucional brasileira, é preciso que autoridades compreendam – e pratiquem – a distinção elementar entre humor e desrespeito, entre crítica e injúria, entre o cidadão comum e quem fala em nome de seus governados.
A aplicação da tecnologia nas escolas
brasileiras
Por Correio Braziliense
Se quiser crescer e competir no mundo
globalizado, o Brasil não pode permitir que os recursos tecnológicos sejam
usados de maneira superficial nas escolas
A presença cada vez maior da tecnologia no
dia a dia tem transformado a vida das pessoas em todas as esferas. Na educação,
esse processo também acontece de maneira acelerada, modificando a forma como os
estudantes aprendem e os professores ensinam. Mas, diante das inúmeras
possibilidades, situações preocupantes surgem na mesma proporção. Um dos
principais pontos — a oferta democrática das ferramentas — é um desafio em
diversos países, entre eles o Brasil.
Nas últimas décadas, houve avanços
significativos na ampliação do acesso à internet, na popularização de
dispositivos digitais e na criação de plataformas educacionais voltadas para
diferentes faixas etárias. O uso de recursos que possibilitam aulas mais dinâmicas,
contribuindo para despertar o interesse dos alunos, também tem sido ampliado a
partir da adaptação dos espaços das instituições de ensino.
Porém, não se pode negar que a aplicação da
tecnologia na educação ainda enfrenta problemas estruturais e pedagógicos. O
primeiro obstáculo é agravado com a desigualdade entre as regiões brasileiras.
Colégios localizados nas periferias das cidades, em zonas rurais e até mesmo em
municípios de menor porte enfrentam a realidade de não ter sequer internet
estável — situação que compromete, por exemplo, a realização de videoaulas e atividades
interativas. Laboratórios desatualizados e número insuficiente de equipamentos
também são realidade.
A diferença entre as escolas municipais e
estaduais em comparação com as particulares representa outra barreira. A
descontinuidade de projetos, decorrentes de trocas políticas, e a falta de
recursos para manutenção e atualização tecnológica criam uma distância entre o
público e o privado. O investimento constante e o cuidado duradouro precisam
ser considerados metas permanentes, independentemente da gestão de momento.
Outro desafio central diz respeito às
condições adequadas para os professores. Sem preparo contínuo, muitos
educadores não conseguem integrar a tecnologia de forma significativa ao
conteúdo trabalhado com os estudantes, restringindo as diversas alternativas em
atividades superficiais. A falta de valorização e de atenção com os docentes,
que é um empecilho histórico no país, agrava a questão, porque compromete ainda
mais a formação dos profissionais. É fundamental pensar, também, no acesso que
os professores têm à tecnologia fora do ambiente escolar. A capacitação para
integrar a tecnologia de maneira pedagógica e estratégica é essencial.
Se quiser crescer e competir no mundo
globalizado, o Brasil não pode permitir que os recursos tecnológicos sejam
usados de maneira superficial, apenas como substitutos do quadro e do livro, e
não como instrumentos que ampliam a aprendizagem. O caminho a ser percorrido
pelo país é gigante e exige mobilização da sociedade para cobrar
resultados.
Democratizar a tecnologia nas escolas depende de investimentos duradouros, formação docente sólida e ações que garantam acesso igualitário, permitindo que todos os estudantes participem plenamente da cultura digital sem que as diferenças limitem o seu potencial transformador.
A fraude à cota de gênero, a Justiça e o
aviso para 2026
Por O Povo (CE)
Cassações recentes no Ceará reforçam
tolerância zero da Justiça com candidaturas laranjas. Partidos devem levar a
lei a sério rumo a 2026
Recente decisão da Justiça Eleitoral, que
resultou na cassação de 12 vereadores e vereadoras eleitos em 2024 em cinco
municípios cearenses, não é apenas uma estatística jurídica local. É sintoma de
uma patologia política persistente e aviso cristalino para o futuro próximo.
Como mostra reportagem recente do O POVO, as
irregularidades detectadas em cidades como Granja, Altaneira, Potengi, Pereiro
e Iguatu revelam: para muitas agremiações partidárias, a legislação que visa
incentivar a participação feminina na política ainda é tratada como um
obstáculo burocrático a ser contornado — e não como um instrumento
civilizatório de inclusão.
Fraudes à cota de gênero via candidaturas
fictícias ou "laranjas" são um desrespeito duplo. Primeiro, à lei,
que estipula o mínimo de 30% de candidaturas a cada sexo. Segundo, e mais
grave, à própria democracia, que resta capenga sem a representatividade de mais
da metade da população.
É imperativo que, como sociedade, apoiemos o
Ministério Público e a Justiça Eleitoral neste quesito. A tolerância com tais
manobras deve ser zero. A cassação de diplomas e a anulação de todos os votos
da chapa — alterando o quociente eleitoral e redistribui as cadeiras — é a
única linguagem que as oligarquias partidárias parecem compreender. A pedagogia,
infelizmente, tem se dado pela perda do mandato.
Não se pode ignorar que o Ceará é palco de
casos emblemáticos que mostram que o problema não se restringe a pequenos
diretórios municipais. A Assembleia Legislativa do Estado vive sob a tensão do
julgamento que envolve a bancada do Partido Liberal (PL).
Eleitos em 2022, quatro deputados estaduais
da sigla ainda correm o risco real de perderem seus mandatos devido a
irregularidades apontadas no cumprimento da cota de gênero. Se confirmado o
ilícito em instâncias superiores, será um terremoto político que reforça a
tese: ninguém está acima da lei, e o "jeitinho" não compensa.
Olhando para o horizonte, aproximamo-nos de
um novo ciclo eleitoral em 2026. O momento de agir é agora. Não é aceitável que
os partidos deixem para a véspera das convenções a busca desesperada por
mulheres somente para preencher formulários.
A construção de candidaturas femininas
viáveis exige investimento, tempo, formação política e garantia de recursos e
visibilidade. Os diretórios estaduais e nacionais precisam ser cobrados — pela
imprensa e pelos eleitores — a demonstrar o que estão fazendo, hoje, para não
repetirem as fraudes no amanhã.
A insistência na burla à lei revela um machismo que se recusa a dividir o poder. Porém, a resposta das autoridades eleitorais tem sido à altura. Ao validar a tese de que a fraude de um contamina toda a chapa, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os Tribunais Regionais enviam uma mensagem direta: a responsabilidade é coletiva.

Nenhum comentário:
Postar um comentário