Mesmo com todo o desgaste e as concessões que foram feitas a políticos para barrar a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara dos Deputados, o governo mostrou que não está imobilizado. Contrariando teses e avaliações sobre a fragilidade política em que se encontra, Temer baixou duas medidas provisórias, na semana passada, que terão grande repercussão no ajuste das contas públicas do próximo ano.
Até mesmo o instrumento que escolheu - MP e não projeto de lei - surpreendeu analistas, principalmente depois do desentendimento entre o chefe da Nação e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O deputado carioca chegou a dizer que não votaria mais medidas provisórias, enquanto a tramitação das MPs não fosse regulamentada.
Havia também uma preocupação na área econômica com o desdobramento desta questão, pois o uso de projetos de lei e não de MPs para as medidas do ajuste fiscal atrasaria o ingresso dos recursos nos cofres do Tesouro e a redução de despesas, o que tornaria ainda mais difícil a situação das contas públicas em 2018.
Com a medida provisória 805, Temer oficializou o que tinha sido anunciado pela equipe econômica ainda em meados de agosto. Adiou para 2019 o reajuste salarial de 23 categorias de servidores do Executivo, que estava inicialmente previsto para janeiro do próximo ano; elevou de 11% para 14% a alíquota de contribuição previdenciária sobre a remuneração dos funcionários ativos e inativos dos três Poderes da União que ultrapassar o teto do INSS (R$ 5.531,31); e reduziu os benefícios concedidos aos servidores por meio do auxílio moradia e ajuda de custo.
Em defesa da elevação da alíquota previdenciária, o ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, informa, na exposição de motivos da MP, que o déficit atuarial do regime próprio de previdência social da União (RPPS-União) "apresenta déficit crescente, demandando a adoção de medidas imediatas para a contenção deste crescimento". De 2013 para 2016, o déficit aumentou de R$ 1,11 trilhão para R$ 1,36 trilhão. Esta é a razão para a elevação da alíquota previdenciária.
Com a medida, o governo espera arrecadar R$ 2,2 bilhões no próximo ano, enquanto o adiamento do reajuste dos servidores permitirá uma economia de R$ 4,4 bilhões. O atraso na edição das MPs reduziu, é bom que se diga, a receita que será obtida. A elevação da alíquota previdenciária está submetida ao regime da noventena, ou seja, só terá validade 90 dias após a edição da MP. Ela, portanto, entrará em vigor em fevereiro.
Se a medida provisória tivesse saído antes, a norma passaria a vigorar já em janeiro. O atraso decorreu do receio de que a adoção de medidas impopulares dificultaria a rejeição da segunda denúncia contra Temer.
O fato, no entanto, é que o governo não está imobilizado. Além de ajustar as receitas e as despesas com os servidores, Temer editou outra medida provisória que aumentou a arrecadação federal por meio da tributação dos rendimentos acumulados pelas carteiras de fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado. A receita estimada com a MP 806 é de R$ 6 bilhões em 2018.
O governo fez o que tinha anunciado, embora com atraso, garantindo o ajuste das contas em 2018, que ainda apresentarão déficit primário considerável, de R$ 159 bilhões. É difícil acreditar que o Congresso não aprovará as duas medidas provisórias, embora seja adequado ficar atento ao lobby que certamente será feito junto aos deputados e senadores pelas categorias mais organizadas dos servidores. No caso da elevação da alíquota previdenciária, o governo Temer está apenas adotando uma medida já incorporada na legislação de vários Estados.
Ao governo Temer, cabe insistir na retomada da votação da proposta de reforma da Previdência Social, aprovada na comissão especial da Câmara dos Deputados que analisou o assunto. Se a reforma for aprovada agora, o próximo presidente da República, quem quer que seja ele, não passará pelo desgaste de ter que encaminhar o assunto.
Talvez não haja mais tempo para que a reforma seja aprovada em ambas as Casas do Congresso Nacional ainda neste ano. Mas se o governo conseguir aprová-la na Câmara terá dado um passo gigantesco para o equacionamento do problema.
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