É preciso alterar projeto de emendas parlamentares
O Globo
Na forma como foi aprovado, texto não impõe
transparência a toda destinação de recurso
É com base nos princípios constitucionais de
transparência, moralidade e publicidade que o Supremo Tribunal Federal (STF)
tem tentado disciplinar as emendas parlamentares. Essas linhas do Orçamento
permitem aos congressistas obter em Brasília verbas para suas bases eleitorais.
É verdade que os recursos são destinados segundo interesses paroquiais, e não
por necessidade ou critérios técnicos. Mesmo assim, é um mecanismo comum nas
democracias. Nos últimos dez anos, porém, as emendas tiveram um crescimento
explosivo no Brasil, quase 550% em termos reais. Hoje representam ao redor de
20% das despesas livres da União no Orçamento, patamar sem paralelo no mundo.
Os abusos ficaram evidentes no escândalo que ficou conhecido como “orçamento
secreto”.
Em 2022, sob a presidência da então ministra Rosa Weber, o Supremo declarou inconstitucionais as “emendas do relator”. Elas eram opacas — por omitir o parlamentar responsável pelo destino das verbas — e permitiam às lideranças do Congresso alocar verbas bilionárias segundo interesses políticos de ocasião, abrindo flanco a desvios e corrupção. Fechada uma porta, os congressistas encontraram outra: inflaram as “emendas de comissão”, verbas destinadas pelos colegiados temáticos do Congresso, também sem identificar os responsáveis. Elas saltaram de R$ 474 milhões em 2022 para R$ 15 bilhões neste ano.
Em reação, o ministro Flávio Dino suspendeu
em agosto todos os repasses de emendas, exigindo regras de transparência e
rastreabilidade. Em sua justificativa, foi didático ao explicar que a mudança
de rubrica não torna legal uma prática classificada como inconstitucional.
Ainda que depois sua decisão tenha sido confirmada pelo plenário, ela foi
tomada de modo abrupto e desencadeou uma crise desnecessária entre os Poderes.
Felizmente, nas últimas semanas houve uma negociação que resultou num Projeto
de Lei Complementar (PLP), cujo objetivo é corrigir práticas ilegais associadas
às emendas. Depois de votado na Câmara, o PLP seguirá para o Senado.
Na forma como foi aprovado, o texto está
manco. Deixa a desejar em relação aos princípios constitucionais invocados nas
decisões do STF e não reflete as melhores práticas internacionais. No campo
positivo, prevê comunicações regulares ao Tribunal de Contas da União (TCU),
que passará a fiscalizar a execução das emendas. Também procura acabar com a
prática de destinar recursos ao caixa das prefeituras sem projeto ou critério
de acompanhamento definido (conhecida como “emenda Pix”). Prioriza o que chama
de obras “estruturantes” e permite ao governo cortar emendas para cumprir
despesas obrigatórias. Mas o texto ficou distante do mínimo desejado em
transparência.
Nada impediria um município beneficiado de
aplicar os recursos em projetos distintos do indicado. Nas emendas de bancada
ou de comissão, criou-se um mecanismo que mantém a opacidade das indicações. A
tentativa de controlar o crescimento explosivo das emendas é tímida. O texto
não contém a fatia do Orçamento na mão do Congresso, uma anomalia na comparação
com o resto do mundo. Na forma como está, o PLP pode até funcionar para
pacificar a relação entre os Poderes, mas não para disciplinar os abusos nas emendas.
Os senadores devem corrigir as deficiências antes de aprová-lo.
Caso Bruno Henrique traduz eficácia no
combate a fraude nas apostas
O Globo
Bets são as principais interessadas em evitar
a manipulação e o favorecimento ilícito de apostadores
A operação deflagrada ontem pela Polícia
Federal, com apoio do Ministério Público, em endereços do Flamengo traduz
a eficácia dos mecanismos usados para coibir as fraudes no mercado de apostas esportivas,
em fase de regulamentação no Brasil. O principal alvo foi o atacante Bruno
Henrique, suspeito de ter forçado um cartão amarelo em partida do
Campeonato Brasileiro para beneficiar parentes e amigos. O episódio ocorreu em
1º de novembro de 2023, numa partida entre Flamengo e Santos em Brasília (a
equipe paulista venceu por 2 a 1). Nos acréscimos do segundo tempo, Bruno
Henrique levou amarelo depois de uma falta. Em seguida, recebeu o vermelho por
ofender o árbitro, segundo a súmula do jogo.
A investigação foi iniciada a partir de uma
comunicação da Unidade de Integridade da CBF, de relatórios da International
Betting Integrity Association e da empresa Sportradar, que monitoram o mercado.
Dados obtidos junto às casas de apostas revelam palpites suspeitos. Além do
próprio Bruno Henrique, a PF investiga um irmão dele, uma cunhada, uma prima e
moradores de Belo Horizonte, sua cidade natal. A operação reuniu mais de 50
agentes e cumpriu 12 mandados de busca e apreensão, não só no Flamengo, mas também
na casa do jogador, na Barra da Tijuca, em empresas de que ele é sócio e em
cidades como Lagoa Santa, Ribeirão das Neves, Vespasiano e Belo Horizonte, em
Minas Gerais.
Com a expansão das apostas em todo o mundo,
suspeitas de manipulação de resultados se tornaram frequentes. O jogador Lucas
Paquetá, ex-Flamengo, atualmente no West Ham, é investigado pela Federação
Inglesa sob a acusação de receber cartões amarelos de forma deliberada em jogos
da Premier League para beneficiar amigos. O atacante Luiz Henrique, do
Botafogo, é alvo de uma investigação na Espanha que apura a manipulação de
resultados para fraudar apostas esportivas.
A questão ganhou vulto no ano passado, com a
descoberta de um esquema de manipulação de resultados. Jogadores eram aliciados
por quadrilhas para fazer pênaltis ou levar cartões de forma intencional. As
investigações do Ministério Público de Goiás (estado onde o caso foi
descoberto) alcançaram não apenas clubes da Série B, mas também times da elite
do futebol brasileiro. Em maio do ano passado, 16 suspeitos foram denunciados
por fraudes em partidas do Brasileirão e de campeonatos estaduais.
Tanto no Brasil quanto no exterior, empresas
contratadas pelas federações rastreiam as movimentações suspeitas. Embora
evidentemente não peguem 100% dos casos, a mera investigação do episódio
envolvendo Bruno Henrique comprova a eficácia do monitoramento. As maiores
interessadas em detectar e coibir fraudes são as próprias empresas de apostas,
as bets, já que são as primeiras a perder. Clubes e federações também devem se
empenhar para que a prática criminosa não prospere. Será ruim para o futebol se
torcedores acreditarem que pênaltis e cartões discutidos à exaustão nas
resenhas esportivas não passam de teatro.
Correções do regime fiscal não podem ser
cosméticas
Valor Econômico
O novo regime fiscal criou um mecanismo para
conter a velocidade (não o crescimento) do endividamento público e ao mesmo
tempo aumentar acima da inflação as despesas públicas. Não está dando certo
O governo prepara a segunda correção de rumos
do novo regime fiscal, empurrado pela pressão da piora das contas públicas,
pelo aumento dos juros futuros e pela maxidesvalorização do real. Depois de
adiar as metas originais - o governo Lula não precisará apresentar um superávit
até o fim do mandato, usando o piso permitido -, procura-se corrigir alguns
defeitos de concepção, como a indexação dos pisos de saúde e educação à
evolução das receitas. Os efeitos negativos e a deterioração das contas
públicas foram magnificados por um fator estranho ao regime fiscal: a concessão
de aumentos reais para o salário mínimo, que indexa as despesas
previdenciárias, as mais pesadas da União. O presidente Lula reinstituiu a
regra de inflação mais o PIB de dois anos anteriores e não aceita abrir mão
dela. Com isso, forçou a equipe econômica a fazer contorcionismos para tentar
conseguir um equilíbrio precário das contas, missão cujo sucesso está sob
enorme desconfiança dos investidores.
O fim do novo sistema de reajuste real do
mínimo por si só seria uma enorme ajuda à busca do superávit fiscal. Cálculos
de dois economistas da ARX Investimentos, Gabriel Barros e Johann Soares,
mostram que os gastos encolheriam R$ 1,2 trilhão em 10 anos e R$ 19 bilhões em
2025 com a extinção do mecanismo (Valor,
ontem). Paulo Bijos, ex-secretário de Orçamento Federal e hoje consultor de
orçamento da Câmara dos Deputados, tem cálculos parecidos - uma economia de R$
1,1 trilhão em 10 anos (Valor,
idem).
A equipe econômica não tem muitas saídas além
das que estão sendo divulgadas. Há a possibilidade remota de restringir a
correção real do mínimo à variação permitida pelo novo regime fiscal, de 0,6% a
2,5%. No primeiro caso, a economia de recursos em relação ao sistema atual
seria de R$ 890 bilhões, de acordo com Bijos. No segundo, seria bem menor,
porque o PIB tem crescido 3% nos últimos dois anos. De qualquer forma, a
mudança afronta um veto do presidente ao assunto.
Os pisos constitucionais para educação e
saúde, ao que tudo indica, perderão a indexação pelas receitas. Como o regime
fiscal petista se baseia no aumento da arrecadação, seu sucesso automaticamente
eleva os gastos, o que é um contrassenso para quem leva a sério a necessidade
de obter superávits. Segundo os economistas da ARX, os ganhos com a mudança não
seriam grandes de imediato - R$ 4,7 bilhões em 2025 -, mas expressivos a longo
prazo, de R$ 54,4 bilhões em 2034. Nos cálculos de Bijos, seria possível evitar
despesas de R$ 97 bilhões de 2026 a 2028 com essa medida.
Cogitados pela equipe da Fazenda estão o aumento de 30% para 60% da parcela dos recursos do Fundeb contabilizada no piso da educação, que abriria espaço de R$ 16,8 bilhões para despesas discricionárias. É desejo do governo, com projeto no Congresso, que 50% dos recursos das emendas de comissão se destinem à saúde, tornando disponíveis mais R$ 7,7 bilhões. Essas mudanças, se realizadas em conjunto, melhorariam a alocação de recursos intraorçamento em R$ 24,5 bilhões, mas não significam corte de despesas efetivo.
Uma reformulação do abono salarial, limitando
o direito a recebê-lo a quem ganha um salário mínimo, e não mais dois, como é
hoje, traria uma redução de gastos importante, de R$ 20,5 bilhões em 2026. A
evolução dos gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que crescem
muito e atingirão R$ 107 bilhões este ano, seria submetida à regra do teto,
além de ser objeto de mudanças nos critérios de concessão. Barros e Soares
estimam que o número de beneficiários do abono cairia de 25 milhões de trabalhadores
para 5 milhões. Restringir o seguro-desemprego e utilizar recursos das multas
por demissão sem justa causa do FGTS poderia encolher as despesas em mais R$
10,4 bilhões já em 2025.
Além de tentar salvar o novo regime fiscal e
cumprir as metas de 2025, que estão sob risco, as mudanças em estudo são
importantes por outros motivos. A partir de 2027, os gastos com precatórios, de
R$ 50 bilhões anuais, hoje fora do cálculo das despesas por acordo com o
Supremo Tribunal Federal, voltam a ser contabilizados normalmente. Da mesma
forma, neste ano ou no seguinte, se as regras do regime fiscal não forem logo
alteradas, o governo estará ameaçado de paralisia da máquina administrativa,
pela expulsão das despesas discricionárias pelo crescimento veloz dos gastos
obrigatórios.
O novo regime fiscal criou um mecanismo para
conter a velocidade (não o crescimento) do endividamento público e ao mesmo
tempo aumentar acima da inflação as despesas públicas. Não está dando certo. A
relação dívida/PIB deu um salto, e os pisos constitucionais vinculados às
receitas produziram um desequilíbrio congênito e permanente. A disparada dos
juros e do dólar pode ter convencido o presidente Lula de que terá de corrigir
os rumos. A correção não poderá ser cosmética, sob pena de provocar uma reação
dos mercados tão virulenta como a de quando as metas fiscais foram afrouxadas.
Entre as formas mais rápidas de fazê-lo estão retirar o ganho real do salário
mínimo e desvincular o mínimo da Previdência. O presidente não aceita caminhos
como esses, mas a realidade deveria fazê-lo mudar de ideia.
Um pequeno exemplo de todos os desmandos em
estatais
Folha de S. Paulo
Telebras é resíduo da privatização da
telefonia às voltas com déficit, manobras de contabilidade e loteamento
político
Da muito bem-sucedida privatização
da telefonia, que abriu caminho para o avanço do país na era
da internet,
sobrou um resíduo estatal. Vinte e seis anos depois, o dinheiro público ainda
sustenta uma empresa denominada Telebras,
cuja existência —e mais ainda, sua serventia— é decerto desconhecida pela
maioria dos contribuintes brasileiros.
Mas eis que o fantasma reapareceu no
noticiário dos últimos dias, por um motivo dos menos nobres. Revelou-se que a
Telebras, hoje abrigada no organograma do Ministério das Comunicações, recorreu
a uma manobra de contabilidade com o objetivo de empurrar para este 2024
despesas que deveriam ter sido executadas no ano passado.
Detalhes técnicos não são o mais importante
no caso —basta compreender que os gastos da dita companhia não couberam nos
limites autorizados por lei, e isso pode criar problemas legais para o
Executivo federal. Mais interessante é como aí estão reunidos quase todos os
exemplos de desmandos possíveis em estatais.
Começa-se pela espantosa sobrevivência da
empresa controlada pelo Tesouro Nacional, que após a privatização de 1998 havia
sido mantida apenas para pagar dívidas e fornecer pessoal à Anatel, agência
reguladora do setor. Em 2010, ela foi reativada pelo segundo governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) com a missão de ampliar o acesso à internet no país.
Incluída no programa de desestatização
sob Jair
Bolsonaro (PL), não teve sua venda concretizada, provavelmente
por despertar o interesse dos militares. No ano passado, mais uma vez sob Lula,
foi retirada do programa.
Uma de suas utilidades para o Planalto é o
loteamento político. Segundo
o UOL, que trouxe à tona a pedalada orçamentária, a companhia se
encontra hoje sob influência de Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP), ora candidato mais forte ao
comando do Senado e aliado do ministro Juscelino
Filho, que por diversas vezes teve sua saída do posto cogitada por
suspeitas de irregularidades.
Na gigantesca máquina federal, a Telebras é
uma estrutura modesta —emprega cerca de 400 funcionários e dispõe de R$ 864
milhões em gastos autorizados neste ano. Um déficit de R$ 184 milhões é
projetado para 2025.
Ela está há quase cinco anos entre as 17
estatais classificadas como dependentes do Orçamento da União, por não gerar
receitas suficientes para bancar suas operações. Nesse rol também se encontram
exemplos funestos como a Codevasf, desaguadouro de emendas parlamentares, e a
EBC, que não alcança audiência para a propaganda oficial.
Os danos potenciais se multiplicam nas 27
empresas não dependentes e suas 79 subsidiárias, grupo no qual se destacam
gigantes como Petrobras, Banco do
Brasil e Caixa
Econômica Federal. Assim se tem noção de quanto ainda resta a fazer
no processo de reorientação do Estado brasileiro, pelo bem da ação social e da
eficiência econômica
Ao censurar livros, Flávio Dino afronta a
Constituição
Folha de S. Paulo
Ministro do STF fere a liberdade de expressão
ao decidir pelo banimento de obras jurídicas com passagens preconceituosas
É grave a decisão do ministro Flávio Dino,
do Supremo Tribunal Federal, que determinou a
retirada de circulação, o recolhimento e a destruição dos
exemplares à venda de quatro livros jurídicos por conter passagens
discriminatórias contra mulheres e a comunidade LGBTQIA+, inclusive com o
emprego de termos chulos.
Os títulos, publicados entre 2008 e 2009, são
da mesma dupla de autores, também condenada a pagar indenização de R$ 150 mil
por danos morais coletivos.
A menos que se mostre um nexo causal forte
entre a publicação de opiniões despropositadas e crimes reais, não cabe ao
Estado agir como polícia do pensamento, nem lhe compete promover um
controle de qualidade de obras de cunho técnico.
A Constituição Federal
dificilmente poderia ter sido mais clara quando afirma, em dois artigos
distintos, o 5º, IX e o 220, que a censura não tem lugar no ordenamento
jurídico nacional.
No choque entre a liberdade de expressão e
outros valores mencionados na Carta, é a primeira que precisa, na maioria dos
casos, prevalecer. Se não fosse assim, nem seria necessário afirmá-la como
garantia fundamental. Ninguém precisa de licença para dizer o que todos querem
ouvir.
A salvaguarda constitucional existe
justamente para permitir que opiniões controversas e até equivocadas (se é que
se pode considerar uma opinião errada) não sejam banidas do debate público. Até
algumas décadas atrás, pontos de vista chocantes eram os daqueles que afirmavam
não haver nada de errado com homossexuais. Felizmente, tais ideias nunca foram
suprimidas.
A decisão do ministro preocupa também pelo
alcance. Dino não se limitou a estabelecer uma indenização e determinar
correções em edições futuras, mas autorizou o recolhimento e a destruição de
todos os exemplares à venda e daqueles mantidos em bibliotecas públicas ou
privadas.
Se o caso serve de precedente, não é difícil
imaginar situações surreais. Feministas indignadas com o machismo de Arthur
Schopenhauer poderão pedir (e obter) a exclusão de obras do filósofo alemão.
Contra o preconceito, judeus poderão pleitear a destruição de pelo menos uma
das peças de Shakespeare. Nem a Bíblia,
com seus discursos de ódio contra homossexuais, escaparia.
Não faz muito tempo que o Supremo era
considerado o último refúgio da liberdade de expressão. A corte invariavelmente
invalidava ímpetos censórios de juízes e tribunais inferiores, que sempre
existiram. Ao que tudo indica, não é mais assim.
A ‘mise-en-scène’ de Lula e Haddad
O Estado de S. Paulo
Lula quer fazer crer que está preocupado com
o equilíbrio fiscal só porque mandou cancelar uma viagem esquisita de Haddad ao
exterior no momento em que o dólar quase bateu nos R$ 6,00
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve
de cancelar a viagem que faria à Europa nesta semana. O tour pegou mal – não
pelo destino, mas pelo timing. Ficaria muito difícil convencer algum incauto
sobre a urgência com que o governo trata o ajuste fiscal após a Fazenda ter-se
limitado a divulgar as cidades por onde o ministro passaria sem informar o que
ele faria e com quem se reuniria enquanto o dólar se aproximava da marca de R$
5,90.
Cancelar essa agenda era uma decisão óbvia
para conter a crise, dado que o ministro Haddad é visto como o único capaz de
convencer o presidente Lula da Silva sobre a existência de um desequilíbrio
fiscal. Ausentar-se do País em uma semana conturbada seria o mesmo que assumir
uma derrota.
Desta vez, a comunicação funcionou, e o
Ministério da Fazenda divulgou no domingo que Haddad ficaria no País “a pedido
do presidente Lula” para se dedicar a “temas domésticos”. Já na segunda-feira,
Haddad disse que o pacote deve ser fechado nesta semana. “As coisas estão muito
adiantadas do ponto de vista técnico”, afirmou. “Penso que estamos na reta
final.”
Tanta assertividade contrasta com a
impaciência que o ministro demonstrou há alguns dias ao ser questionado pela
imprensa sobre as medidas. Disse não haver nem prazo para divulgá-las nem
estimativa de economia a ser alcançada – uma reação, no mínimo, amadora para
quem ocupa o cargo há quase dois anos, como se os jornalistas tivessem feito
uma pergunta sobre um assunto inédito, e não sobre um plano cujas expectativas
haviam sido criadas pela própria equipe econômica em meio ao aumento de
incertezas externas e internas.
No exterior, há receio sobre os próximos
passos a serem tomados pelo Federal Reserve, o banco central dos EUA – que tem
reduzido as taxas de juros em um ritmo bem mais lento do que o imaginado pelos
investidores –, e dúvidas sobre o impacto das eleições americanas, o desempenho
econômico da China e o acirramento de conflitos internacionais.
No Brasil, expectativas de inflação
desancoradas motivaram o Banco Central a iniciar um novo ciclo de aumento dos
juros, o dólar chegou a quase R$ 6,00 e os títulos públicos estão pagando taxas
próximas de 7%, acima da inflação. Segundo a Fazenda, nas reuniões ministeriais
desta semana, “o quadro fiscal do País foi apresentado e compreendido, assim
como as propostas em discussão”.
Não é o que parece. O ministro do Trabalho,
Luiz Marinho, ameaçou pedir demissão se o governo ousasse propor a revisão dos
gastos vinculados à sua pasta. Já a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann
(PR), não vê qualquer problema no descontrole de gastos, mas sim nos juros
“estratosféricos” que fazem crescer a dívida pública e na chantagem do mercado
que cria expectativas “falsas e irrealizáveis”.
Antes fosse um problema restrito à ala
política do governo. Até hoje, a equipe econômica parece não ter compreendido
os estragos causados pelas mudanças – menos de um ano após a aprovação do
arcabouço pelo Congresso – das metas fiscais de 2025 e de 2026 e menospreza a
relevância de perseguir o centro da meta fiscal em vez de seu limite inferior.
Os recordes de arrecadação não têm dado conta
das despesas e, a despeito disso, o máximo que se viu foram bloqueios e
contingenciamentos aquém da necessidade, além de pentes-finos em benefícios
previdenciários e assistenciais. Tentativas de rever políticas ineficientes,
como o abono salarial e o seguro-defeso, e de discutir regras mais rígidas para
a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) vêm e vão há
dez anos.
Até agora, o governo conseguiu postergar
soluções definitivas para a questão fiscal apostando na retórica de Haddad,
enquanto Lula da Silva oscilou entre a verborragia a favor da gastança,
discretos acenos em apoio ao ministro e o silêncio em momentos mais críticos.
O erro foi imaginar que o cenário externo se
manteria favorável e permitiria que essa dinâmica entre Lula e Haddad fosse até
2026 sem que o compromisso fiscal tivesse de ser atestado. Se o problema fosse
apenas uma viagem internacional fora de hora de Haddad, seria fácil de
resolver.
Luz no fim do túnel para as Santas Casas
O Estado de S. Paulo
Há décadas prestando serviços ao SUS sem
devida remuneração, os hospitais filantrópicos sofrem asfixia financeira. Há
uma lei para corrigir a injustiça, mas precisa ser regulamentada
A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
anunciou a venda de sete imóveis no centro de São Paulo, entre eles edifícios
históricos como o Ouro para o Bem de São Paulo e o antigo Colégio São José.
Segundo a Irmandade da Santa Casa, o objetivo é arrecadar R$ 200 milhões e
quitar parte dos R$ 650 milhões em dívidas da instituição, criando ainda um
fundo patrimonial. Trata-se de um paliativo que não estancará o sangramento
sofrido não apenas pela Santa Casa de São Paulo, mas por toda a rede de
hospitais filantrópicos do País em razão do subfinanciamento crônico imposto
pela incúria do poder público e o oportunismo de seus agentes.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é
fundamentalmente um serviço público prestado por entes privados. Hospitais
estatais são, em geral, insuficientes, ineficientes e caros. As Santas Casas e
os hospitais filantrópicos respondem por quase metade dos leitos do SUS. Em
quase 900 municípios, essas entidades são o único serviço de saúde. Segundo a
Confederação das Santas Casas (CMB), em 2023 a rede pública foi responsável por
apenas 27% das internações de alta complexidade do País, enquanto os hospitais
filantrópicos responderam por 61%. Mas esses hospitais são vitimados pelo
próprio sucesso.
Em teoria, o SUS seria um exemplo de
cooperação entre o público e o privado para outros serviços públicos do País e
para sistemas de saúde de todo o mundo: o Estado recolhe o dinheiro do
contribuinte e o repassa a entidades sem fins lucrativos com o alcance e a
expertise que ele não tem, garantindo a prestação de serviços de qualidade a
todos os cidadãos. Mas como, na prática, os repasses não cobrem os serviços, os
hospitais são obrigados a pagá-los. Assim, os governantes capitalizam o
prestígio do “maior serviço de saúde pública do mundo” enquanto descapitalizam
seus prestadores e minam a sustentabilidade desse mesmo serviço.
Há décadas os valores de repasse da Tabela do
SUS estão defasados. Desde 1994, os procedimentos da Tabela foram reajustados,
em média, em 93%. No mesmo período, a correção do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor foi de 637%. Hoje, os repasses não cobrem mais que 50% do custo dos
procedimentos. Isso em média. No caso a caso, a defasagem pode ser muito maior.
Para dar uma ideia, uma diária de UTI custa R$ 2,1 mil, mas o SUS nacional
cobre só um terço desse valor. A retirada de um tumor maligno da próstata custa
R$ 15,9 mil, mas a União paga só R$ 3,9 mil.
Com abnegação e eficiência, os hospitais
filantrópicos têm garantido a prestação dos serviços, que chegam a custar oito
vezes menos que nos hospitais federais. Mas, segundo a CMB, em 18 anos a dívida
desses hospitais dobrou, e hoje chega a R$ 10 bilhões. Muitos não resistiram à
pressão. Estima-se que entre 2017 e 2021, 500 Santas Casas fecharam as portas.
Há iniciativas regionais. Notadamente em São
Paulo, a Tabela SUS Paulista, vigente desde o início de 2024, complementa a
verba federal, pagando até cinco vezes mais pelos procedimentos do SUS. Mas na
maior parte do País, em especial nas regiões mais carentes, o sistema está
ruindo aos poucos, e a continuar assim o colapso pode ser súbito e brutal.
Há uma luz no fim do túnel. No início deste
ano finalmente foi sancionada uma lei federal (14.820/24) estabelecendo a
revisão periódica da tabela. No entanto, ela ainda não foi regulamentada. A
proposta da CMB é que a partir de 2025 o reajuste corresponda, no mínimo, ao
valor da inflação médica. Não é suficiente para recompor as perdas de anos de
hemorragia financeira, mas ao menos a estancaria.
Não é hora de baixar a guarda. Em artigo
no Estadão, o presidente da CMB, Mirocles Véras, instou autoridades do
Executivo e Legislativo a priorizar a regulação. É uma questão de justiça para
os hospitais filantrópicos e de necessidade – às vezes de vida ou morte – para
os 70% dos brasileiros que dependem exclusivamente dos cuidados do SUS. Há uma
luz no fim do túnel, mas dado o histórico de negligência do poder público, é
preciso vigilância para garantir que não seja só mais uma miragem.
O soluço da indústria
O Estado de S. Paulo
Setor cresce puxado por demanda doméstica,
mas há dúvidas sobre se esse crescimento é sustentável
A indústria brasileira vive um cenário mais
animador neste ano. De acordo com a Pesquisa Industrial Mensal (PIM), do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor registrou
crescimento de 1,1% em setembro, o melhor resultado para o mês desde 2020, e
acumulou alta de 1,6% no terceiro trimestre deste ano em relação ao anterior,
com quatro trimestres seguidos de expansão.
Os dados são positivos, mas a produção ainda
está 14,1% abaixo do patamar recorde de produção alcançado em maio de 2011 e há
dúvidas sobre até quando o setor terá fôlego para seguir em expansão de forma
sustentada. Não é de hoje que o setor reage com espasmos ao processo de
desindustrialização do País. Com uma economia sabidamente fechada, baixa
produtividade e políticas públicas equivocadas destinadas para a área em um
passado recente, sobram motivos para cautela.
Por ora, há explicações conjunturais para o
quadro atual, segundo analistas de mercado, como o aumento da demanda
doméstica, com o consumo das famílias e o investimento em ativos fixos
crescendo acima do esperado. Na avaliação de André Macedo, gerente da pesquisa
do IBGE, há também mais dinamismo, com maior incorporação de trabalhadores no
mercado, baixa taxa de desocupação e massa salarial em crescimento, além da
queda da inadimplência e dos avanços nas condições de crédito.
Mas, quando o assunto é crédito, todo cuidado
é pouco, haja vista a retomada do protagonismo do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Pela primeira vez desde 2016, o
total de financiamentos aprovados para a indústria (27%) superou o agronegócio
(26%). Segundo o presidente da instituição, Aloizio Mercadante, “houve uma
mudança na qualidade do crescimento do Brasil, liderado pela indústria e pelos
investimentos”, com condições macroeconômicas favoráveis e iniciativas como a
Nova Indústria Brasil (NIB), programa lulopetista para estimular o setor.
Até setembro, o BNDES aprovou R$ 154 bilhões
para a NIB, dos quais R$ 9 bilhões para inovação – linha para a qual as taxas
são basicamente ofertadas com subsídios. E esses subsídios deveriam causar
preocupação. Foram taxas camaradas praticadas por governos petistas que
irrigaram grandes empresas, canibalizaram o mercado de crédito e deram pouco
retorno social ao País nos últimos anos.
Com superávits financeiros de fundos públicos
e privados, em manobras por fora do Orçamento, o governo Lula da Silva tem
irrigado o BNDES para ampliar linhas de empréstimos. Na prática, esses recursos
deixam de ser usados para abater a dívida pública, estratégia mais eficaz para
reduzir a taxa básica de juros, manter a credibilidade fiscal e fomentar o
crescimento econômico.
A recuperação da indústria e a retomada do
protagonismo do BNDES no setor exigem vigilância. Apesar de o atual governo
petista argumentar que agora tudo é diferente, nunca houve admissão de culpa
pelos erros do passado. De alento, por ora, essa onda da indústria surtirá
efeito no PIB, e há quem aposte em expansão de 3% do setor. Oxalá não seja mais
uma marolinha.
Reforma Tributária e desigualdades sociais
Correio Braziliense
A reforma deixa de atacar um ponto
fundamental da discussão acerca da tributação no país: a diminuição da
desigualdade social
A Reforma Tributária aprovada na Câmara dos
Deputados pode trazer mudanças significativas no funcionamento da economia
brasileira, caso também passe no Senado Federal. A principal alteração se
concentra na criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um texto único
para substituir os complexos tributos estadual (ICMS) e municipal (ISS). A
reforma cumpre com seu papel de desburocratização da relação de consumo e
aumenta a transparência — facilitando o entendimento da população sobre aquilo
que ela paga ao comprar um determinado produto. Porém, deixa de atacar um ponto
fundamental da discussão acerca da tributação no país: a diminuição da
desigualdade social.
Na semana passada, deputados federais tiveram
uma nova oportunidade para mudar um pouco da realidade atual, na qual o grupo
dos 1% mais ricos tem um rendimento médio 39 vezes maior do que a média
daqueles incluídos nos 40% mais pobres do país: R$ 20,6 mil contra R$ 527, de
acordo com o IBGE. Não o fizeram. Pela proposta de emenda do deputado federal
Ivan Valente (PSol-SP), fortunas entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões seriam
taxadas em 0,5%. O percentual dobraria para 1% para patrimônios entre R$ 40
milhões e R$ 80 milhões. Quem ultrapassa a barreira dos R$ 80 milhões teria que
pagar 1,5% de alíquota.
O texto precisava de 257 votos para passar,
mas recebeu apenas 136 — a maior parte dos favoráveis foram parlamentares de
esquerda e centro-esquerda. Além de aumentar a arrecadação do país, sobretudo
em um momento de pressão por corte de gastos, a medida serviria para passar um
recado à sociedade. A mensagem de que desigualdades tão volumosas não devem ter
mais espaço no mundo contemporâneo.
A negação da emenda era esperada. Ainda
assim, merece questionamentos. A própria Constituição Federal, em seu artigo
153, prevê que "compete à União instituir impostos sobre grandes fortunas,
nos termos de lei complementar". Essa legislação, no entanto, nunca saiu
do papel e ajuda a manter 63% da riqueza do país nas mãos de 1% da população,
segundo relatório elaborado pela Oxfam Brasil.
Um contraponto é importante. Especialistas,
como o ex-consultor do FMI Isaias Coelho, avaliam que a taxação das grandes
fortunas não é a medida mais aconselhável para aumentar a arrecadação do país e
equilibrar o caixa. Há um temor do mercado financeiro de que a medida, caso
colocada em vigor, aumentasse as chances de investidores retirarem capital do
país, o que pressionaria a economia interna e limitaria a efetividade do
imposto.
Em uma segunda análise, vale discutir outra
medida ignorada pela Reforma Tributária: a revisão da tabela do Imposto de
Renda da Pessoa Física (IRPF). Hoje, no Brasil, qualquer pessoa com vencimentos
acima de R$ 4.664,68 paga uma alíquota de 27,5%, independentemente de ganhar R$
5 mil por mês ou R$ 300 mil, usando uma comparação básica. Na prática, não há
diferença no imposto pago entre um trabalhador de classe média ou alguém que
fature milhões por ano.
Quando estava em campanha em 2022, Lula prometeu isentar do IRPF todos os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil — a medida hoje alcança quem recebe até R$ 2.259,20. É bem verdade que essa política pública não depende unicamente do governo federal, já que requer árdua articulação com o Congresso. No entanto, medidas como a adotada pelo Planalto na votação da taxação das grandes fortunas — na qual o governo liberou os partidos de sua base para definir as posições de suas bancadas — não ajudam a diminuir a reconhecida desigualdade social e soam incoerentes.
3 comentários:
Laranjão eleito
E parece que os republicanos vão fazer barba e cabelo
Esquerdas tem que se repensar senão vão pro brejo
😏😏😏
É isso aí eu vinha falando , fui motivo de chacota pela turma ignorante da esquerda porque agente procura se informar
Concordo o Trump fez barba , cabelo e bigode : presidência, Senado e Câmara de deputados, tudo dominado , Deus no controle! e ganhou também no voto popular meteu mais de 5 milhões de votos à frente da democrata Harry , que fugiu deixando todo mundo pra trás sei explicar nada a ninguém , quando sentiu que ia perder, é uma destrambelhada mesmo!!
Você liga a televisão nos canais da imprensa militante , é hilário ver os jornalistas choramingando a vitória do Trump
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