Folha de S. Paulo
O identitarismo perde feio em eleições, mas
continua soberano nas universidades
Quando escrevi esta coluna, eu ainda não
sabia o resultado da eleição presidencial americana, mas você, caro leitor,
provavelmente já sabe. Independentemente de quem venceu essa disputa, que pode
influenciar decisivamente a eleição brasileira em dois anos, há questões que já
estão claras para quem acompanha as cada vez mais frequentes competições em que
a extrema direita se apresenta com grandes chances de vitória.
A mais evidente delas, que afeta tanto as retóricas eleitorais quanto as perspectivas de políticas públicas e mudanças legislativas futuras, é a crise de popularidade da ideologia identitária. Para quem acompanhou a campanha americana, saltam aos olhos tanto o recuo na retórica identitária de Kamala Harris quanto o avanço, agora sem filtros, da agenda anti-identitária de Donald Trump. Como tudo ali é baseado em dados e cálculos eleitorais, o afastamento de Harris dessa retórica e o discurso cada vez mais agressivo de Trump contra o identitarismo são sinais claros de que essa pauta tem sido mais útil eleitoralmente à extrema direita do que aos progressistas.
Não é difícil imaginar que algo semelhante
aconteça no Brasil. Uma análise superficial dos resultados das eleições
municipais revela que, embora o identitarismo progressista faça muito barulho
no debate público e domine os ambientes digitais, universidades e redações, ele
continua incapaz de eleger. Quem realmente forma bancadas numerosas são os
identitários conservadores e a direita em geral, que se aproveitam do pavor
gerado pela pauta identitária para angariar votos de diferentes segmentos.
Enquanto isso, a militância identitária
avança as suas linhas na contramão da realidade política. A universidade e o
jornalismo, espaços por excelência da liberdade de pensamento, do
esclarecimento e do respeito a argumentos e evidências, têm exemplificado essa
tendência.
Vivemos para ver jornalistas assinando
petições para garantir que ideias interditadas por uma vanguarda identitária
não sejam debatidas publicamente em um jornal progressista. Nesta semana, uma
comentarista brilhante da GloboNews não resistiu à tentação de dar cartadas de
"lugar de fala" e fazer acusações de microagressão identitária ao seu
interlocutor para vencer as objeções feitas a seu argumento por um colega de
bancada. Como se argumentos devessem ser enfrentados não com dados e evidências,
mas com um "você sabe com qual identidade está falando?".
Aliás, nem é a primeira vez em que o programa
Em Pauta decide que o princípio democrático do melhor argumento tem de ceder
diante da fala autorizada de um "representante" de alguma identidade
oprimida. Em 6 de setembro deste ano, o apresentador praticamente atualizou o
princípio "Roma locuta, causa finita est", na forma de "se uma
mulher negra falou, a discussão está encerrada".
Precisam disso? Não. Mas todos parecem partir
do princípio de que essas crenças são amplamente aceitas —exceto por brutos e
fascistas—, o que é, de fato, cada vez menos verdade.
Na universidade, então, nem se fala. Em 30 de
outubro, na Universidade Federal do Ceará, 20 militantes interromperam uma
mesa-redonda sobre "perspectivas para o dia seguinte na atual crise do
conflito palestino-israelense".
A mesa era composta por especialistas em
relações políticas no Oriente Médio,
no conflito Israel-Palestina e
na extrema direita, os professores Michel Gherman, Jawdat Abu-El-Haj e Fabio
Gentile, e o doutorando Matheus Alexandre. Não importa quantos especialistas
estivessem naquela mesa, não importa que no campus universitário só se entra
para aprender ou produzir conhecimento; o único que importa é que os militantes
que se identificam com a causa Palestina se sentiram moralmente autorizados a
invadir um espaço de troca acadêmica na universidade e mandar todo mundo calar
a boca.
Até quando a intolerância dos "donos da
razão" vai continuar mandando e desmandando no campus? Hoje, na
universidade, quem não é cúmplice vive com medo. No mês passado, completei 32
anos de serviço público; tenho uma carreira respeitada como pesquisador e sou
professor titular há 20 anos. Mesmo assim, desde a pandemia, não me atrevo a
iniciar uma aula sem um gravador na pasta ou na mesa. Sou professor de
comunicação política e teoria democrática, mas, em sala, não ouso dizer metade
do que escrevo em livros e colunas. Isso parece razoável?
Para onde isso nos leva? A mais justiça e
melhor democracia? Não creio. Agora, se isso dá palco e eleitores a figuras
como Trump ou Nikolas
Ferreira, é uma dúvida que, infelizmente, não tenho.
7 comentários:
Perfeito !
Parabéns ao colunista!!!
O Trump voltou e voltou com tudo fez barba cabelo e bigode ; presidência , Senado e Câmara de deputados dos Estados Unidos teve mais de 5 milhões de votos do que a deputada a candidata Harris
As pesquisas mais uma vez Tenderam para a esquerda Influenciando alguns votos
O Brasil e o mundo livre e democrático Estão festejando a vitória do republicano Donald Trump
Donald Trump? Aquele criminoso dos EUA que aguarda a pena da sua condenação? O que pagou milhares de dólares pra sua amante não revelar suas aventuras extraconjugais?
O ser humano é muito estranho,vê excesso na esquerda e abraça excessos elevado à última potência à direita,só Jesus na causa.
Perfeito. MAM
Excelente artigo, professor; mostra a realidade das bandeiras extremistas que grassam pelo país. Uma pena que o ambiente universitário, onde deveria haver discussões livres e plurais, esteja contaminado nesse nível descrito no artigo.
Postar um comentário