O Globo
Os “deuses” do Olimpo jurídico manobram para
que ninguém, ou nenhuma instituição, possa limitar seus poderes.
A maior prova de que a acareação marcada pelo
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli sobre o caso Master
estava tecnicamente errada e era injustificada foi o presidente do banco,
Daniel Vorcaro, e o ex-presidente do Banco Regional de Brasília Paulo Henrique
Costa, o pretenso comprador, terem sido convocados para um interrogatório que
não estava previsto. Continuamos assistindo a um simulacro processual, pois,
antes mesmo dos depoimentos oficiais dos envolvidos, pressupõe-se que haverá
contradições, justificando a acareação.
Todo o atropelo do processo, desde o momento em que foi transferido ao STF sem razão de ser, dá a impressão à sociedade de que querem acobertar alguma coisa. Não é a primeira vez que o dono de um banco liquidado pelo Banco Central (BC) reclama, alegando prejuízos provocados pela ação saneadora da instituição fiscalizadora do sistema financeiro nacional. A diferença hoje é que o Supremo entrou na briga, aparentemente a favor de Vorcaro, embora o BC tenha se livrado da subordinação aos demais Poderes e seja autônomo legalmente.
Mesmo tendo sido indicado pelo presidente
Lula, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, vem sendo criticado pela esquerda
devido à manutenção dos juros altos e, agora, pela liquidação do Banco Master.
Para os amigos de Vorcaro, o envolvimento dos ministros Alexandre Moraes e Dias
Toffoli em denúncias envolvendo o Master deve-se a uma manobra da direita para
desacreditar os dois, considerados os principais líderes do STF na defesa da
democracia por ocasião da tentativa de golpe bolsonarista.
A polarização política impede que os fatos se
sobreponham à fantasia ideológica. É um estranho caso de esquerdistas
defendendo um banqueiro ladrão, enquanto os direitistas querem vê-lo atrás das
grades. Criticar Moraes, apesar do contrato exorbitante de sua mulher com o
Master, por pressões a favor de Vorcaro; ou Dias Toffoli, pela ingerência no
processo de liquidação sem que o STF tenha a ver com a questão, de exclusiva
responsabilidade do BC, é automaticamente apoiar a direita em sua tentativa de
desmoralizar o Supremo. As atitudes no mínimo estranhas dos ministros, que dão
as costas aos mais comezinhos cuidados com potenciais conflitos de interesses,
como se estivessem acima do comum dos mortais, não entram nas análises dos
simpatizantes.
O mesmo sentimento de invulnerabilidade
parece tomar conta de alguns ministros, que se consideram responsáveis pela
salvação da democracia brasileira e, portanto, merecedores de ser reverenciados
por todos, mesmo quando exorbitam seus poderes. O mesmo sentimento que a
História registra em líderes políticos ou militares que consideram saber o que
é certo para suas populações e tornam-se ditadores.
Há um ditado atribuído a Sófocles: os deuses,
quando querem punir os humanos, primeiro os enlouquecem com o poder. Oscar
Wilde parafraseou a ideia dizendo que, quando os deuses desejam punir os
humanos, atendem a seus desejos — e isso geralmente os leva à ruína. Um bom exemplo
no caso atual é a Operação Lava-Jato. Os procuradores e o então juiz Sergio
Moro ganharam tanto poder e apoio popular que atravessaram a divisória entre o
lícito e o ilegal. Os ministros do Supremo, depois de anos os apoiando,
passaram a demonizá-los, e a sorte virou. Foi a vez de os deuses enlouquecerem
os ministros do STF, que se dedicam hoje a anular todos os processos da
Lava-Jato, mesmo os crimes confessados, com dinheiro devolvido e tudo.
O empenho pessoal de alguns ministros, entre
eles Gilmar Mendes e Toffoli, em fazer terra arrasada das investigações leva
seus adversários a considerar que o objetivo não era conter os eventuais
excessos de Curitiba, mas livrar os criminosos de colarinho branco. O problema
com os nossos “deuses” do Olimpo jurídico é que eles manobram para que ninguém,
ou nenhuma instituição, possa limitar seus poderes. Foi assim na criação do
Conselho Nacional de Justiça, que não tem jurisdição sobre o Supremo, e é assim
hoje com o código de conduta que o presidente Edson Fachin tenta criar contra a
maioria silenciosa do Supremo.

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