Valor Econômico
O reforço na governança do BC impediria que o
crime organizado faça uso do sistema financeiro em larga escala
Com o rompimento do presidente da Câmara,
Hugo Motta (Republicanos-PB), com o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias
(RJ), a crise entre Congresso e governo perdeu o disfarce. Enquanto o
estremecimento se restringia ao Senado, ainda se podia considerar o fator Jorge
Messias, ministro da Advocacia-Geral da União escolhido para o Supremo Tribunal
Federal em detrimento do preferido da Casa Legislativa que o chancela, senador
Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Com a adesão de Motta, sem ingerência sobre o mandato em questão, ficou claro que a crise extrapola o STF. A única pauta em que cabe a zanga do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) e de Motta é aquela que mora na intersecção de duas operações da Polícia Federal, a Carbono Oculto e a Compliance Zero, que levou à prisão de Daniel Vorcaro e à liquidação do seu banco, o Master.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta
do G20 nesta terça com o furdunço instalado. Deve buscar a cúpula do Congresso
já no dia seguinte quando ambos são convidados para o evento de sanção da nova
faixa de isenção do IR. Como tampouco está disposto a interferir nas
investigações, tem sido aconselhado a antecipar a reforma ministerial de
maneira a livrar seu governo de quaisquer respingos que possam advir dos
desdobramentos em curso.
Os presos recorreram ao Superior Tribunal de
Justiça nesta segunda. Se conseguirem um habeas corpus, a chance de delação
esfria mas, com uma fortuna que pode ser estimada pelo rombo que deixou no FGC
(R$ 41 bilhões), nada impede que Vorcaro amargue dois anos em cana e ainda saia
com dinheiro para usufrui-lo no exterior. O que autoridades de investigação não
sabem sobre as consequências de uma colaboração do gênero é como proteger o
delator da vingança do crime organizado. O PCC atua em mais de 20 países.
As primeiras apostas de delação estão
concentradas no seu ex-sócio, Augusto Lima. Seu cartão de crédito consignado
CredCesta se expandiu a partir da Bahia durante a gestão do atual ministro da
Casa Civil, Rui Costa, que pretende sair em abril para disputar o Senado. A
antecipação da reforma ministerial para dezembro tem muitos obstáculos, entre
os quais a indefinição dos rumos do vice-presidente e ministro da Indústria e
Comercio, Geraldo Alckmin, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a
depender da sucessão paulista. Para substituir um ou outro, Lula quer levar o
ex-presidente da Fiesp, Josué Gomes.
A perspectiva de que Lula seja tolhido por
uma retaliação com pautas-bomba em série é levada pouco a sério pelos mais
alarmados com a questão fiscal. No almoço da Febraban, nesta segunda, o projeto
de aposentadoria especial aos agentes de saúde, pautado por Alcolumbre, foi um
não assunto. O poder do Congresso neste momento está mais ligado à votação do Orçamento
e à aprovação de autoridades, entre as quais o próprio Messias e a recondução
de dois diretores do Banco Central, Renato Gomes e Diogo Guillen, que ainda não
foi enviada por seu presidente, Gabriel Galípolo.
Dos discursos desta segunda dos capitães da
finança nacional, a má notícia, para parlamentares aliançados com o crime, é
que há convergência público-privada em torno do aperto na regulação financeira.
O representante da Fazenda, Dario Durigan, explicou por que o aperfeiçoamento
da inteligência financeira está na ordem do dia: “Organizações criminosas
dependem da capacidade de movimentar, ocultar e legitimar recursos financeiros.
Sem acesso ao sistema formal, não vão continuar operando em escala”.
O anfitrião e presidente da Febraban, Isaac
Sidney, depois de saudar o processo de depuração que o BC tem capitaneado,
deixou o recado de que o setor espera mais: “Neste momento, estamos precisando
muito de rigor para que o sistema financeiro possa continuar com suas marcas de
solidez, inovação e integridade”. Principal palestrante do almoço, Galípolo
tomou nota. “A supervisão nunca está completa. O movimento é contínuo, quero
agradecer ao Ministério Público e à PF”, disse. “Bancos são instituições
falíveis (...) o importante é aprender, inovar e aprender para evitar a
repetição de problemas”.
Entre os aperfeiçoamentos mais frequentemente
apontados para o BC está a reforma da supervisão. A própria América Latina tem
exemplos de órgãos de supervisão que não integram a autoridade monetária
(Chile, Uruguai e Colômbia) mas ninguém acredita que o BC abra mão deste poder.
Uma autoridade envolvida no caso defende que
o BC tenha faróis de risco para cada banco supervisionado, cuja evolução, de
verde para vermelho, seja acompanhada por outras áreas, e não apenas a supervisão,
de maneira que os agentes de fiscalização se desafiem uns aos outros. Os
problemas vinham sendo apontados pelo FGC há mais de cinco anos. Foram
denunciados, na opinião desta autoridade, porque o Master e o BRB entraram em
negociação, o que levou ao envolvimento de uma outra área do BC, a de avaliação
dos bancos.
Além disso, a supervisão não teve contraponto, dentro do BC, ao acatar valores registrados na contabilidade do banco. Thiago Bronzatto, de O Globo, informou que o Master vendeu ao BRB uma carteira de crédito de R$ 303 milhões gerada por uma empresa registrada em nome de uma atendente de lanchonete. Em dezembro, uma comitiva do FMI desembarcará para a avaliação quinquenal do BC. O Conselho Monetário Nacional talvez não perdesse tempo em ouvir suas sugestões.

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