O Globo
Culto a personalidades, composições
partidárias sem sintonia programática, decisões jurídicas em profusão, a isso
se resumiu a discussão política no país. Sem proposições em debate, nem rumos a
perseguir na tentativa de superar arcaísmos sociais e o mais que impede o
desenvolvimento econômico.
No registro de um trágico despreparo para o
enfrentamento de situações de emergência, a nação segue à deriva entre
tentativas tópicas de apagar incêndios na ordem econômica, quando muito para
atender a privilégios individuais, e uma constante alimentação à desordem
política.
Há muito tempo o debate político não cogita
um projeto, qualquer que seja.
A capacidade de criar infraestrutura, de estabelecer estratégias de promoção industrial ou ainda de estruturar algum tipo de assistência social, observada em breves momentos do passado, por algum tempo indicou ser possível desenhar o futuro. E o futuro é o tempo do projeto — resultado de esforço concentrado, tenaz e continuado, dirigido a resolver algo que se impõe no agora, mas que se distancia no tempo para sua efetiva realização.
A função precípua do projeto é garantir a
ultrapassagem desse tempo por meio de um processo razoavelmente controlado.
Implica previsão, avaliação e antecipação. Implica, antes de tudo, diagnose bem
conduzida.
Daí deriva o conceito de projeto não ser
passível de confundir-se com uma ideia, por mais interessante que seja. Entre
ideia e realização há um abismo, e a criação de pontes é fruto direto de
processos construtivos em geral complexos.
O que é um projeto? Como essa ideia se
enreda na vida cotidiana de todos nós, independentemente de classe social?
Intrínseco ao processo civilizatório, o projetar está longe de ser algo
natural. Trata-se de ação a ser elaborada, apreendida e aprendida.
Independentemente de seu objeto, o projeto constitui um campo do saber e
implica longa série de considerações sobre métodos e processos. Não é, repito,
algo natural. Exige reunião e ordenamento de informações, determinação de
objetivos e propósitos e formalização estrutural.
Meu temor é que a resistência a sua
incorporação à prática social brasileira, à nossa cultura, seja crônica,
espécie de defeito congênito nacional.
Será verdadeira a constante reafirmação, em
melancólico diagnóstico, de que não primamos pelo planejamento, de que somos
uma cultura do improviso, destituída da racionalidade necessária à consecução
das ações necessárias entre a enunciação de uma ideia e a realização de um
projeto?
Proceder à análise da sociedade brasileira
sob o enquadramento da noção de projeto é trabalho urgente a fazer. Já é
passada a hora para enfrentar essa falta que tanto nos afeta. Estaremos
condenados a um exercício político feito à base de retórica e antagonismos
personalistas? Estaremos fadados a desconhecer o papel analítico, crítico e
ordenador de propostas próprio ao exercício da razão?
Não se trata aqui de exortar uma
racionalidade positivista, que se creia absoluta e utilize a ordem como valor
maior, mas uma razão que conjugue pragmatismo, empatia e alegria como elementos
essenciais à vida. Já que, parafraseando o dito popular, sem projeto não há
solução.
*Ex-coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Design da Uerj (PPDEsdi), pesquisa as relações entre design e sociedade
Um comentário:
Excelente artigo,todo político sério devia ler e reler.
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