domingo, 23 de novembro de 2025

Curiosidade proposital, por Merval Pereira

O Globo

A reação dos Bolsonaro indica que não pretendem se conformar com a prisão do pai e líder e mais uma vez estão se insubordinando contra a lei.

prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro foi provocada por uma “curiosidade” infantil de saber como funcionava a tornozeleira eletrônica que carrega na perna, alegou ele. Tal “curiosidade” irresistível ocorreu na madrugada, pouco depois da meia-noite, e foi detectada pelo equipamento de recepção dos sinais da tornozeleira na Polícia Federal. Usar um ferro de solda para tal ação demonstra não sinais de que preparava uma fuga, mas talvez que tenha feito de propósito essa violação para provocar uma reação política de seus seguidores.

Não há outra explicação para tamanha irresponsabilidade, que significa uma confrontação com a decisão judicial que o colocou em prisão domiciliar. É típico de Bolsonaro essa afronta, que sempre foi seguida de um pedido de desculpas, uma alegação de que estava transtornado pela “injustiça” que estão cometendo contra ele.

Não é possível comparar a vigília convocada pelo senador Flávio Bolsonaro com o que aconteceu com o então ex-presidente Lula quando foi preso pela Polícia Federal. Naquela ocasião, ao contrário de Bolsonaro hoje, Lula não estava preso, mas era esperado o pedido de prisão quando ele foi condenado em segunda instância. Fazer vigília para proteger seu líder é atitude comum entre os seguidores dos políticos populistas, e foi o que aconteceu no Sindicato dos Metalúrgicos. Houve quem estimulasse que Lula fugisse para uma embaixada para pedir asilo, ou que resistisse à prisão nas dependências do sindicato que já presidira. Nada disso aconteceu,

Lula demorou a se entregar, mas nunca ameaçou não o fazer. Lembro que o então juiz Sérgio Moro também resistiu às sugestões de invadir o Sindicato para fazer a prisão, o que teria sido desastroso. Hoje, Bolsonaro já estando preso, reage à ordem da Justiça tentando desativar sua tornozeleira eletrônica. Claro que ele sabia que a tentativa seria detectada pela Polícia Federal, e a atitude só pode ser interpretada como proposital, para demonstrar sua indignação com as prisões. Uma atitude política que não levaria à fuga para uma embaixada próxima, mas a um alerta policial que rapidamente cercaria seu condomínio.

Não há injustiça nenhuma na decisão do ministro Alexandre de Moraes em determinar sua prisão preventiva, que logo se transformará em definitiva com o trânsito em julgado de sua condenação. Difícil vai ser conseguir uma nova prisão domiciliar, pois ele já demonstrou que não se conforma com ela e pretende continuar a tentar se safar da condenação. A vigília em frente ao seu condomínio em Brasília não difere da vigília que foi feita em Curitiba diante do prédio da Polícia Federal onde Lula ficou preso. O policiamento tem condições de limitar o transtorno causado aos vizinhos, que não deveria ter sido usado como mais um agravante para a prisão preventiva.

Se antes desse episódio já havia dificuldade para determinar a prisão domiciliar, agora ficou mais difícil defendê-la por questões de saúde. A reação dos Bolsonaro indica que não pretendem se conformar com a prisão do pai e líder. Mais uma vez estão se insubordinando contra a lei, abandonaram o caminho dos recursos judiciais para seguir na contestação pura e simples da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Dão margem aos adversários de os acusarem de estar mais uma vez tentando a solução de seus problemas fora da lei, um prosseguimento da atitude golpista que os levou para a cadeia. Agora que o grande aliado, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump os abandonou, já inteirado de que não têm poder para contestar a decisão oficial, os bolsonaristas passam a apelar a atitudes contestatórias, desafiando as normas legais.

Reafirmam, assim, que não trabalham “dentro das quatro linhas” da Constituição, mas à margem dela. E o STF não é Supremo por ser a mais alta Corte de Justiça do país, como muitos de seus membros alegam, mas por ser o guardião da Constituição, esta sim, a Lei Suprema.

 

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