domingo, 23 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Encarcerado e politicamente esvaziado

Por Folha de S. Paulo

Bolsonaro começa na prática a cumprir pena em regime fechado; direita busca opções para 2026

Prisão domiciliar será tema incontornável para o STF, dadas idade e saúde de Bolsonaro; debate sobre dosimetria seguirá aberto

Jair Bolsonaro (PL) começa a cumprir em regime fechado sua pena de 27 anos e três meses por tentativa de golpe de Estado. Esse, tudo indica, é o efeito prático da decretação de sua prisão preventiva neste sábado (22) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Já se previa que o STF determinasse o cumprimento da pena a partir de segunda (24), com o encerramento do prazo para os últimos recursos da defesa do ex-presidente —que havia pedido a permanência da prisão domiciliar em que ele estava desde 4 de agosto, alegando riscos de vida decorrentes de idade e condições de saúde. Essa possibilidade por ora parece fora da mesa.

Em sua decisão, Moraes apontou tentativa de violação da tornozeleira eletrônica, reportada pelo monitoramento do Distrito Federal, e risco de fuga para a embaixada dos Estados Unidos, agravado por uma vigília a ser realizada na noite deste sábado perto de sua residência. Em vídeo, Bolsonaro admitiu candidamente a uma agente distrital que aplicou ferro quente na tornozeleira.

O relato da estupidez sem dúvida fortalece a medida do magistrado, que já amargou as fugas para o exterior dos deputados bolsonaristas Carla Zambelli (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), ambos condenados pela corte, além de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente que opera nos EUA, de modo desastrado, para que o governo Donald Trump sabote o Brasil.

Mas, mesmo que o regime domiciliar se mostre muito improvável agora, as condições de saúde de Bolsonaro, aos 70 anos e fragilizado pelo atentado a faca sofrido na campanha de 2018, serão um tema incontornável para o Supremo à frente —o Estado, afinal, tem a obrigação de zelar pelos que estão sob sua custódia, ainda que falhe com uma multidão de detentos país afora.

Permanecerá aberto também o debate em torno da dosimetria da pena aplicada ao ex-presidente da República. Na hipótese razoável, o Congresso pode aperfeiçoar a legislação e eliminar a sobreposição de crimes similares que levou o STF a aplicar punições excessivas aos golpistas; no pior cenário, aliados insistirão em uma anistia geral ofensiva ao regime democrático.

Politicamente, Bolsonaro já estava esvaziado antes de ser encarcerado pela Polícia Federal. Fracassou de modo rotundo, como era previsível para quem não vive em fantasias ideológicas, a derradeira tentativa de intimidar as instituições brasileiras com o tarifaço de Trump, já muito atenuado. Forças à direita e ao centro buscam alternativas para 2026.

Políticos e potenciais presidenciáveis como o governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), mantêm vexatória reverência ao ex-presidente, dada a fidelidade de seu amplo eleitorado. Mais ampla, porém, é a rejeição demonstrada pela sociedade e pelas instituições democráticas ao golpismo, que precisa ser reforçada com o cumprimento da punição a seu líder.

Sob pressão doméstica, Trump alivia tarifaço

Por Folha de S. Paulo

Presidente dos EUA, que enfrenta rejeição popular, retira taxa de 40% de mais de 200 produtos do Brasil

O alívio do custo de vida tornou-se mote de Trump e das eleições no início do mês nas quais candidatos republicanos sofreram derrotas

Donald Trump segue no caminho de amenizar as pesadas sanções comerciais contra o Brasil. Atenua também o discurso político nas declarações informais e em discussões oficiais com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assim como no decreto assinado na quinta-feira (20) com o qual diminui taxas sobre produtos importados.

O governo dos Estados Unidos eliminou o imposto de importação adicional de 40% sobre duas centenas de mercadorias brasileiras, na maioria produtos alimentícios. No texto, o republicano conteve a linguagem ideológica usada quando anunciou o tarifaço sobre o Brasil em julho.

Ainda considera que "políticas, práticas e ações do governo" brasileiro constituem "ameaça incomum e extraordinária para a segurança nacional, a política externa e a economia dos EUA". Mas não fez menções a Jair Bolsonaro (PL) ou a intimidações contra cidadãos e empresas americanas.

Dentre os mais de 200 itens isentos estão carne e café, produtos relevantes na exportação da agropecuária brasileira.

Embora a diplomacia do governo Lula tenha contribuído para a distensão, a principal causa das reduções de impostos sobre a importação de produtos alimentícios é o desconforto político doméstico do americano.

De acordo com a média de pesquisas de opinião calculada pelo Silver Bulletin, cerca de 56% da população desaprova Trump, a taxa mais alta do seu segundo mandato —a desaprovação era de 40% na posse, em janeiro.

Em relação ao desempenho do republicano contra a inflação, a insatisfação é de 65%. Não à toa, o alívio do custo de vida tornou-se um mote não só de Trump neste final de ano, mas das eleições estaduais e municipais no início do mês —nas quais candidatos do Partido Republicano tiveram derrotas expressivas.

Ainda há produtos alimentícios e similares sob o tarifaço de 40%. Essa alíquota adicional, agressão comercial dirigida a pouquíssimos países, incide sobre parte da indústria, que tem mais dificuldade em encontrar novos mercados para suas mercadorias, até porque muito de sua produção era feita sob medida para clientes ou especificações americanas.

A negociação agora vai se concentrar nesses itens. Haverá, assim, menos concessões potenciais dos EUA sobre a mesa. Ademais, ainda não se conhecem as reivindicações da Casa Branca.

Apesar das dificuldades, trata-se de inegável progresso. O prejuízo fica para atores políticos, como Eduardo Bolsonaro (PL), que tentaram sabotar o país como meio de intimidar a Justiça.

Bolsonaro pediu para ser preso

Por O Estado de S. Paulo

A confessada violação da tornozeleira eletrônica, que o mantinha em prisão domiciliar, tornou a prisão preventiva não apenas legítima, como necessária à manutenção da ordem pública

A prisão preventiva de Jair Bolsonaro, decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, é a consequência jurídica de um fato objetivo: o ex-presidente tentou destruir a tornozeleira eletrônica que o mantinha em regime de prisão domiciliar. Não se trata de suposição ou interpretação criativa da lei. Bolsonaro admitiu à Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal que utilizou um ferro de solda para tentar abrir o equipamento por “curiosidade”. Ora, além de inverossímil, essa justificativa é irrelevante para o Direito. À luz do art. 312 do Código de Processo Penal, está-se diante de uma inequívoca violação de medida cautelar, ou seja, base sólida para a ordem de prisão em regime fechado expedida por Moraes.

Desde agosto passado, Bolsonaro vinha sendo monitorado permanentemente, tanto pela Polícia Federal (PF) como pelo sistema eletrônico. A prisão demonstra a eficácia do mecanismo: a tornozeleira acusou funcionamento anômalo na madrugada de sábado, o centro de monitoração comunicou o fato ao STF e Moraes pôde agir com base em um dado preciso e ao fim confessado. Sem esse sistema, decerto o mau comportamento de Bolsonaro poderia ter passado despercebido, abrindo perigosa margem para sua fuga.

A destruição do equipamento, comprovada por vídeo, ocorre a poucos dias do trânsito em julgado da Ação Penal 2.668, na qual Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes. Após a certificação do fim do processo, será expedido o mandado de prisão para início do cumprimento da pena em regime inicialmente fechado. O momento, portanto, é eloquente. Bolsonaro sabia que sua situação penal se aproximava de um ponto decisivo e, ainda assim – ou talvez por isso – violou a medida cautelar que lhe permitia permanecer em casa.

Não é a primeira vez que Bolsonaro demonstra inclinação a se esquivar da aplicação da lei penal. Recorde-se que, entre os dias 12 e 14 de fevereiro de 2024, o ex-presidente passou duas noites na Embaixada da Hungria após uma operação da PF, que à época investigava sua participação na trama golpista. A entrada sorrateira numa representação diplomática, sem justificativa de Estado plausível, só pode ser compreendida como um ensaio de fuga. Esse histórico agora pesa. Um condenado que já buscou abrigo imotivado numa embaixada no meio da noite não pode pretender que o Judiciário ignore esse precedente ao avaliar o risco de evasão.

Também não é de ignorar a coincidência entre a violação da tornozeleira e a convocação, pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), de uma “vigília” no condomínio do pai, marcada para a noite do mesmo dia. Malgrado a responsabilidade pela dispersão de eventual aglomeração que atrapalhe a vigilância do local seja da polícia, não se pode condenar quem veja a combinação das atitudes de Bolsonaro e de seu primogênito como um movimento coreografado. Nesse sentido, não é irrazoável o entendimento da PF, da Procuradoria-Geral da República e de Moraes de que a tal “vigília” pudesse criar uma confusão que desse azo à fuga. A prevenção existe justamente para neutralizar a possibilidade de que o pior aconteça.

A decisão de manter o ex-presidente em sala de Estado na sede da PF em Brasília observa, ainda, sua frágil condição clínica. Moraes procedeu corretamente ao autorizar que a equipe médica que acompanha Bolsonaro tenha acesso irrestrito a ele, sem necessidade de autorização prévia do Supremo. Trata-se de medida a um só tempo prudente e coadunada com a legislação aplicável a presos em situação especial, como Bolsonaro.

A prisão preventiva de Bolsonaro, por todas as razões de fato e de direito que a consubstanciaram, não foi excessiva nem tampouco abusiva. Foi a resposta jurídica adequada a um quadro concreto de risco de fuga e reincidência. Por fim, o zelo na manutenção de Bolsonaro em sala especial à qual foi franqueado o acesso de médicos reafirma que o STF agiu com proporcionalidade, precisão técnica e respeito às garantias legais do condenado. Ao aplicar a lei com firmeza, mas sem arbitrariedades, a Justiça cumpre o papel que lhe cabe: assegurar que até mesmo um ex-presidente da República condenado por sedição responda por seus atos dentro das balizas do Estado de Direito.

O valor do diploma

Por O Estado de S. Paulo

Tarcísio acerta ao defender o ensino técnico, mas erra ao fazê-lo em detrimento do ensino superior. Ao contrário do que disse o governador, o diploma faz a diferença no mercado de trabalho

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, cometeu a infelicidade de minimizar a importância de um diploma no Brasil. Segundo Tarcísio, o mercado de trabalho está “desapegado” deste documento que tem cada vez “menos relevância” no mundo atual. Para o governador, a “competência” e as “habilidades” dos profissionais, tais como saber se comunicar bem, dominar o português e falar outro idioma, têm muito “mais relevância” hoje do que a instituição onde o aluno se formou.

Tarcísio deu essa declaração ao discursar de improviso no Palácio dos Bandeirantes durante um evento sobre a expansão da oferta de vagas de cursos técnicos nas escolas de ensino médio da rede estadual paulista. Está claro que a sua intenção era enviar aos jovens uma mensagem motivacional: listar diversos argumentos para convencê-los a aderirem a uma formação profissional, tentando derrubar os mitos de uma cultura bacharelesca.

Mas o governador tropeçou em suas próprias palavras. Isso porque ele próprio afirmou que a sua gestão, ao ampliar as vagas no ensino técnico no Estado, “está dando” algo “fundamental” aos estudantes paulistas: uma “ferramenta”. E essa ferramenta, ao fim e ao cabo, será um diploma: um pedaço de papel que simbolizará o conhecimento adquirido e acumulado por esses alunos na trajetória da sua formação profissional.

Não à toa, o número de estudantes nessa modalidade de ensino na rede pública paulista vai saltar dos atuais 124 mil matriculados para 231 mil em 2026. E, somados aos alunos do Centro Paula Souza (CPS), que é a autarquia responsável pela formação técnica e tecnológica em São Paulo, serão 321 mil jovens na educação profissional. Trata-se, por óbvio, de um feito e tanto.

Segundo a Secretaria Estadual da Educação, a ideia é ter 40% dos estudantes dos segundo e terceiro anos do ensino médio cursando uma formação técnica no próximo ano. Não é pouca coisa o que a gestão Tarcísio está fazendo: conforme o relatório Education at a Glance 2025, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 14% dos adolescentes brasileiros frequentam o ensino técnico, ante uma média de 44% nos países membros da entidade.

Mas Tarcísio errou ao defender a expansão do ensino técnico em detrimento do ensino superior. Isso era absolutamente desnecessário, pois sobram argumentos para incentivar os estudantes a buscarem um curso técnico, a começar pela maior empregabilidade.

De fato, tem razão o governador ao dizer que o mercado de trabalho atual busca os profissionais mais bem qualificados e capacitados para responder à altura aos desafios de um mundo cada vez mais globalizado, conectado e tecnológico. Mas não há nenhuma evidência de que o diploma, seja ele qual for – fundamental, médio, técnico ou superior –, tenha perdido o seu valor. Ao contrário.

Segundo o mesmo relatório da OCDE, apenas 24% dos adultos, entre 25 e 34 anos de idade, concluem o ensino superior no Brasil, enquanto nos países membros da entidade a média é de 49%. Prova da relevância de um diploma no País é que quem tem formação superior pode mudar de vida, ao ganhar em média 148% a mais em relação àqueles que só têm o ensino médio.

Em meio à aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a principal porta de entrada de instituições universitárias do Brasil, Tarcísio, que pode alçar voos mais altos na política nacional, perdeu a chance de colher os louros de sua política pública de expansão do ensino técnico. Os dados mostram o equívoco do governador: há muito ainda que avançar no Brasil, tanto no ensino técnico quanto na educação superior, e não há conflito entre essas modalidades de ensino.

Como Tarcísio afirmou, as empresas querem profissionais para “resolver problemas”. Mas as melhores empresas, que pagam os melhores salários, fazem a primeira seleção de candidatos com base nos currículos, onde deve constar a trajetória acadêmica. Trata-se de exigência básica – que consta inclusive dos concursos públicos promovidos pelo governo de Tarcísio. É desejável ter outras habilidades além do domínio técnico comprovado pelo diploma, mas os melhores profissionais são aqueles que no mínimo dominam as técnicas – e, salvo no caso de geniais autodidatas, as técnicas são aprendidas nas escolas e nas faculdades.

Tarsila no Bandeirantes

Por O Estado de S. Paulo

Iniciativas como a exposição de obras da pintora paulista na sede do governo deveriam ser rotina

Recém-restaurado, o Salão dos Pratos do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual paulista, recebe pela primeira vez uma exposição com obras da aclamada artista modernista Tarsila do Amaral.

Composta por 16 obras que fazem parte do Acervo dos Palácios, a mostra São Paulo – Paris: A Descoberta de Tarsila do Amaral foi aberta ao público no dia 6 de novembro e rapidamente converteu-se num grande sucesso. O interesse popular foi tamanho (9 mil pessoas buscaram a exposição nas primeiras 48 horas após a abertura) que a mostra ganhou horários extras aos sábados.

Gratuita, a exposição seguirá em cartaz até o dia 25 de janeiro de 2026, aniversário da cidade de São Paulo. É necessário fazer agendamento prévio pelo site www.acervo.sp.gov.br.

O interesse da população que reside ou transita pela capital paulista por exposições de arte é uma marca da cidade. Mostras dedicadas a obras como as do escultor francês Auguste Rodin na Pinacoteca do Estado, no início dos anos 2000, e mais recentemente de artistas como a própria Tarsila e do pintor impressionista francês Claude Monet no Museu de Arte de São Paulo (Masp) atraíram milhares de pessoas.

Mas, se as visitas a museus como a Pinacoteca e o Masp, entre outros, são corriqueiras na cidade, o mesmo não se pode dizer de centros de poder como o Palácio dos Bandeirantes ou o Palácio Boa Vista, a residência de inverno do governo paulista localizada em Campos do Jordão, que também abriga obras de arte e funciona como museu.

Por si sós, as sedes do governo paulista merecem ser conhecidas pela população. Trata-se de edifícios cheios de história e repletos de objetos que são patrimônio do povo paulista. Para além disso, a circulação pelos centros de poder onde são tomadas decisões que afetam a vida da população é um exercício de cidadania plena.

Mundo afora, visitas a edifícios governamentais são uma prática disseminada, que oferece aos cidadãos um senso de pertencimento e de orgulho dos equipamentos públicos, o que acaba contribuindo para que esses espaços sejam preservados tais como são.

Nesse contexto, a exposição das obras de Tarsila no palácio é uma iniciativa que merece ser saudada e replicada. Transformar a casa de todos os paulistas num equipamento permanente de eventos culturais é uma excelente maneira de aproximar a população de um patrimônio que pertence a ela própria.

Além do famoso quadro Operários, pintado por Tarsila em 1933, também faz parte da exposição um dos famosos autorretratos da pintora, bem como a tela na qual ela retrata o escritor Mário de Andrade, um dos fundadores do movimento modernista.

Algumas dessas obras costumam circular por museus estrangeiros, o que faz da mostra atual uma oportunidade única para que o trabalho de uma das maiores artistas brasileiras seja contemplado aqui mesmo.

Oxalá a exposição dedicada a Tarsila torne mais próxima a relação da população de São Paulo com seus palácios oficiais, que podem e devem fazer mais para atrair visitantes.

Prisão de Bolsonaro deve ser vista de forma técnica

Por O Globo

Tentativa de violar tornozeleira eletrônica e convocação para manifestação sugerem risco de fuga

A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, está embasada em argumentos jurídicos sólidos. Moraes aponta em seu despacho indícios de que havia risco de fuga caso Bolsonaro — condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por crimes contra a democracia — permanecesse detido em casa. E argumenta que, nos poucos dias até a sentença ser executada na forma final (seja domiciliar, como solicitou a defesa; seja na cadeia), é mais seguro que ele seja mantido em “local seguro e controlado” na sede da Polícia Federal (PF) em Brasília.

O indício mais eloquente apontado para o risco de fuga é o registro de uma tentativa de violar a tornozeleira eletrônica por meio da qual Bolsonaro era monitorado, minutos depois da meia-noite de sábado. Imagens divulgadas pelas autoridades mostram que não houve falha de bateria ou descuido, mas uma violação deliberada do equipamento, cujo revestimento foi derretido. “Meti um ferro quente aí”, diz Bolsonaro em vídeo. A perícia deverá esclarecer como isso ocorreu. A tornozeleira foi trocada na madrugada.

Outro indício elencado por Moraes é o vídeo divulgado nas redes sociais pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) convocando apoiadores para uma “vigília” de orações nas proximidades do condomínio onde seu pai era mantido preso. “O tumulto causado pela reunião ilícita de apoiadores do réu condenado tem alta possibilidade de colocar em risco a prisão domiciliar imposta e a efetividade das medidas cautelares, facilitando eventual tentativa de fuga do réu”, afirma o despacho. Moraes compara a iniciativa aos acampamentos bolsonaristas nas imediações de instalações militares que resultaram nos atos violentos do 8 de Janeiro.

Fatos recentes dão razão à hipótese da fuga. É o caso da evasão de réus bolsonaristas condenados, como os deputados Carla Zambelli (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), e da transferência aos Estados Unidos do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Bolsonaro que, segundo Moraes, “articulou criminosamente e de maneira traiçoeira contra o próprio país, abandonando seu mandato”. O condomínio de Bolsonaro fica, diz o despacho, a apenas 15 minutos de carro da embaixada americana, facilitando um eventual pedido de asilo ao país do aliado ideológico Donald Trump. Tudo somado, Moraes considerou haver “alta possibilidade de tentativa de fuga, o que, nos termos da pacífica jurisprudência desta Suprema Corte, autoriza a decretação da prisão preventiva”.

Governadores aliados a Bolsonaro criticaram a decisão, por considerar que ela despreza o estado frágil de sua saúde. Não se trata de preocupação descabida. Ele já foi submetido a várias cirurgias depois do atentado à faca que sofreu na campanha de 2018 e precisa de acompanhamento regular. É obrigação da Justiça garantir a saúde, a integridade e a dignidade do ex-presidente preso — e Moraes determinou atendimento médico em tempo integral. Mas, apesar de ser difícil num ambiente polarizado às vésperas de ano eleitoral, a responsabilidade dos políticos agora é agir da forma menos apaixonada. Bolsonaro foi condenado por crimes gravíssimos contra o Estado de Direito, num processo transparente em que teve pleno direito de defesa. É essencial, para o futuro da democracia brasileira, que cumpra sua pena da forma mais justa possível.

Remoção de barricadas é crítica para retomar territórios de facções e milícias

Por O Globo

Governo mapeou 13,6 mil pontos de bloqueio e prometeu desobstruí-los. Não será fácil, mas é essencial

É bem-vinda a ação deflagrada pelo governo fluminense para remover as barricadas erguidas por facções criminosas ou milícias vedando a entrada de forças de segurança ou mesmo de ambulâncias em comunidades. O estado diz ter mapeado ao menos 13,6 mil pontos de bloqueio na capital e em cidades vizinhas (a conta inclui apenas parte da Região Metropolitana). As queixas sobre essas barreiras cresceram 50% entre janeiro e outubro, segundo o Disque Denúncia. O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), se reuniu com prefeitos no início da semana para acertar detalhes da operação, batizada Barricada Zero.

Montadas com carcaças de automóveis roubados, estacas de ferro, blocos de concreto ou por valas abertas no asfalto, as barricadas são o sinal visível do desafio das facções criminosas e milícias ao poder do Estado. Violam o direito de ir e vir da população e das autoridades encarregadas de combatê-las. São parte da estratégia das quadrilhas para deter as forças policiais ou retardar sua entrada. Mesmo quando ultrapassadas, há outros obstáculos. Durante uma operação policial no Complexo do Alemão em janeiro, um blindado da PM derrapou em óleo espalhado na pista pelos bandidos.

Faz bem a polícia em atacar a indústria da barricada, apertando o cerco aos ferros-velhos. Na terça-feira, um homem acusado de ser o “mentor” das barricadas foi preso num condomínio de alto padrão. Ele é apontado como elo entre os ferros-velhos e o tráfico, além de ser suspeito de fornecer material para os bloqueios.

Não se pode tolerar que traficantes delimitem territórios sequestrados e mantidos sob a mira de armas de guerra. É como se, do ponto de bloqueio em diante, o espaço urbano pertencesse a eles. Nessas áreas, instalam um Estado paralelo onde não vigoram as leis que regem os demais brasileiros. Moradores são achacados com cobranças de taxas de todo tipo; abomináveis “tribunais do tráfico” decidem quem vive ou morre; serviços púbicos são pirateados e roubados. Criminosos hoje ganham mais com essas atividades ilegais que com a venda de drogas.

Embora o governo anuncie operações diárias, que usarão maquinário estadual e municipal, não será tarefa fácil. Castro disse que quem erguer novas barricadas “receberá no dia seguinte uma visita do Bope e da Core”, forças policiais de elite. Não são poucos os casos em que a polícia retira a barricada, e os traficantes a remontam logo em seguida. Manter vias desobstruídas exigirá trabalho árduo e persistente.

A remoção das barricadas é ato simbólico. Deve ser vista como primeiro passo para combater os bandidos que se entrincheiraram nas comunidades. Mas não pode ficar só nisso. É fundamental retomar os territórios. Isso demandará ocupação com policiamento permanente e entrada de serviços públicos de educação, saúde, cultura, urbanismo e habitação, como mostram as experiências internacionais bem-sucedidas no combate ao crime organizado. Para tudo isso, o requisito básico é que autoridades tenham acesso livre às áreas conflagradas.


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