domingo, 23 de novembro de 2025

O bolsonarismo sem Bolsonaro, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Núcleo familiar deve tentar ganhar força na disputa contra bolsonaristas ditos pragmáticos

Cadeia precoce não deve mudar história real da direita ou força do bolsonarismo transformado

prisão preventiva de Jair Bolsonaro transforma em drama mais intenso o que seria a cena do encarceramento, o episódio em que o capitão das trevas seria levado a uma cela a fim de cumprir pena por tentativa de golpe. Vamos chamar de drama o que seria farsa, não fora tão tétrica.

A encenação não deve mudar a história real. Os integrantes mais aguerridos da seita farão mais propaganda fanática, como o fazia Flávio Bolsonaro. Inadvertidamente (ou não?), o senador do PL do Rio de Janeiro antecipou a prisão ao convocar para este sábado uma vigília para perto da casa do pai dele, com hipérboles bíblicas e denúncia da ditadura em que, diz, vive o Brasil. O bolsonarismo restante ou transformado continuará a cuidar da vida, pois a prisão era certa. Sim, o bolsonarismo é maior do que Bolsonaro. Transformou-se em ideia.

Depois dos primeiros dias de cadeia e de curiosidade sobre as condições de vida do prisioneiro, a figura do líder golpista tenderia a se apagar aos poucos, como aquelas fotografias pregadas em túmulos, "tudo mais constante". Seria improvável revolta relevante de rua. A imagem de Bolsonaro esmaeceria pelo menos até 2027, quando um presidente de direita talvez decidisse indultá-lo, sob o risco de começar o mandato sob confusão constitucional e política (e tendo de lidar com o capitão do golpe solto).

Com a prisão preventiva, o núcleo familiar e o bolsonarismo mais sectário terão mais combustível para agitar adeptos e, assim, tentar manter seu poder na disputa com o bolsonarismo mais pragmático ou oportunista, que quer Tarcísio de Freitas presidente em 2027. A depender da esperteza, os tarcisistas também podem se aproveitar do drama fuleiro do encarceramento.

O bolsonarismo sobreviverá. Sua militância por redes digitais alimenta um desejo de insurreição permanente contra "o sistema", "tudo isso que está aí"; disso se alimenta. Deu ainda forma e sentido políticos a movimentos de revolta e grupos sociais importantes que queriam mais poder de fato (força direta no governo). É uma revolta contra o Estado, de parte dos largados sociais, contra avanços nos direitos civis, econômicos e sociais, contra impostos. É um instrumento de poder para a maior parte do agro, para o evangelismo político, para parte do empresariado emergente, para liberais econômicos ignorantes (a maioria), para forças de segurança e para antiesquerdistas.

No vídeo do "X" em que convocava a vigília, Flávio Bolsonaro dizia que a manifestação, "neste primeiro momento", serviria para "buscar o Senhor dos Exércitos" (o Deus do Antigo Testamento que derrota todas as forças do universo). Os vigilantes orariam pela saúde de Bolsonaro e "...pela volta da democracia", pois "nossa pátria não vai continuar nas mãos de ladrões, bandidos e ditadores". Era encenação para reafirmar a ideologia grupal de insurreição e animar a militância. Se houvesse certo tipo de tumulto (com repressão), seria conveniente para os objetivos de criar a figura do mártir e de difundir a ideia da perseguição dos escolhidos.

Bolsonaro poderia fugir, sim. O bolsonarismo não tem escrúpulos, da corrupção à pregação da tortura, da ditadura e do genocídio. Fugido, criaria mais problema, desde dificuldade na relação com os EUA até tumulto político mais duradouro. No mais, a prisão cria drama em parte do entrecho longo da transição para o bolsonarismo sem Bolsonaro, pelo menos no horizonte visível até 2027.

 

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