quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Governo e Centrão selam divórcio, por Vera Magalhães

O Globo

Votação de PL antifacção e operação tendo Daniel Vorcaro, amigo de caciques do bloco, consolidam afastamento que terá reflexos nas eleições

A votação do Projeto de Lei Antifacção pela Câmara e a deflagração da terceira operação da Polícia Federal em poucos meses com reflexos na classe política selam o divórcio litigioso entre o governo Lula e uma parcela poderosa do Centrão. O que resta é avaliar os efeitos desse afastamento, cada vez mais definitivo, no último ano de mandato do petista e nas eleições do ano que vem.

Diante das seguidas evidências de que a ala do Centrão que declarou guerra a Lula — com Ciro Nogueira e Antonio Rueda à frente e outras figuras-chave da Câmara nos pelotões intermediários — exerce enorme influência sobre Hugo Motta, o governo aposta cada vez mais na aproximação com Davi Alcolumbre para praticar algum tipo de redução de danos em votações e também na montagem de palanques regionais. Mas o céu não está assim tão desanuviado.

A expectativa de que o presidente do Senado de novo mate no peito e arredonde o PL Antifacção para que volte a se parecer com a proposta original do Executivo não leva em conta o fato de o próprio Alcolumbre ser um expoente do Centrão e de a rusga entre ele e Motta na época da derrubada da PEC da Blindagem ainda deixar cicatrizes.

Mais: Alcolumbre tem encarado muito desgaste em nome da frágil proximidade com Lula, mas tudo pode mudar de figura quando o presidente concretizar a indicação de Jorge Messias para a cadeira aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria de Luís Roberto Barroso.

Nesta terça-feira, diante da temperatura máxima registrada em Brasília pela pororoca dos assuntos Master e segurança, gente próxima ao presidente reconhecia que não seria prudente da parte dele confirmar a indicação do advogado-geral da União agora e afrontar de uma só vez não só o atual, mas também o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco, preterido com a escolha. Lembravam que o STF já ficou com dez ministros mais tempo que agora, e o ano já está acabando.

O governo faz contas: com a aprovação, de novo com a ajuda de Alcolumbre e também ontem, do projeto que limita compensações tributárias e despesas federais com compensação financeira entre regimes de Previdência, iniciativas que haviam sido derrubadas pelo Congresso quando a Medida Provisória 1303 perdeu validade, falta pouco para fechar as contas do Orçamento de 2026.

O pouco que falta viria com o corte linear de 10% em incentivos fiscais com que Hugo Motta se comprometeu em outubro, mas que até agora não foi votado. O presidente da Câmara também segue segurando o projeto que fecha o cerco ao devedor contumaz — aprovado por unanimidade pelo Senado.

A diferença de temperatura entre as duas Casas antecipa o que deverá ser a eleição de 2026. O governo até tentou reconstruir a relação com Motta, mas a escolha de Guilherme Derrite para relatar a proposta que enfrenta o crime organizado, a forma como o projeto do governo foi desfigurado e a correria para aprová-lo abortaram a operação.

A avaliação no entorno de Lula é que o afã de tolher a atuação da Polícia Federal e lhe retirar recursos, demonstrado na discussão a toque de caixa das muitas versões do relatório de Derrite, tem relação com as operações policiais recentes que atingiram de frente ou lateralmente caciques do Centrão e o “andar de cima” do mercado financeiro, como a Carbono Oculto e a que desvendou as espantosas fraudes do Banco Master.

As ligações políticas do controlador do Master, Daniel Vorcaro, preso nesta terça-feira, ainda estão por ser plenamente esquadrinhadas, mas, até aqui, o Centrão parece ser seu bloco de maior afinidade — embora suas relações abrangessem da esquerda à direita. As investigações podem até atingir dois governadores da oposição a Lula.

Muitos ruídos ainda advirão do divórcio nada amigável entre o governo petista e a ala do Centrão representada pelo consórcio União-PP, mas os dois lados parecem se armar para uma guerra nada fria.

 

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