O Globo
Votação de PL antifacção e operação tendo
Daniel Vorcaro, amigo de caciques do bloco, consolidam afastamento que terá
reflexos nas eleições
A votação do Projeto de Lei Antifacção pela
Câmara e a deflagração da terceira operação da Polícia Federal em poucos meses
com reflexos na classe política selam o divórcio litigioso entre o governo Lula
e uma parcela poderosa do Centrão. O que resta é avaliar os efeitos desse
afastamento, cada vez mais definitivo, no último ano de mandato do petista e
nas eleições do ano que vem.
Diante das seguidas evidências de que a ala do Centrão que declarou guerra a Lula — com Ciro Nogueira e Antonio Rueda à frente e outras figuras-chave da Câmara nos pelotões intermediários — exerce enorme influência sobre Hugo Motta, o governo aposta cada vez mais na aproximação com Davi Alcolumbre para praticar algum tipo de redução de danos em votações e também na montagem de palanques regionais. Mas o céu não está assim tão desanuviado.
A expectativa de que o presidente do Senado
de novo mate no peito e arredonde o PL Antifacção para que volte a se parecer
com a proposta original do Executivo não leva em conta o fato de o próprio
Alcolumbre ser um expoente do Centrão e de a rusga entre ele e Motta na época
da derrubada da PEC da Blindagem ainda deixar cicatrizes.
Mais: Alcolumbre tem encarado muito desgaste
em nome da frágil proximidade com Lula, mas tudo pode mudar de figura quando o
presidente concretizar a indicação de Jorge Messias para a cadeira aberta no
Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria de Luís Roberto Barroso.
Nesta terça-feira, diante da temperatura
máxima registrada em Brasília pela pororoca dos assuntos Master e segurança,
gente próxima ao presidente reconhecia que não seria prudente da parte dele
confirmar a indicação do advogado-geral da União agora e afrontar de uma só vez
não só o atual, mas também o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco, preterido
com a escolha. Lembravam que o STF já ficou com dez ministros mais tempo que
agora, e o ano já está acabando.
O governo faz contas: com a aprovação, de
novo com a ajuda de Alcolumbre e também ontem, do projeto que limita
compensações tributárias e despesas federais com compensação financeira entre
regimes de Previdência, iniciativas que haviam sido derrubadas pelo Congresso
quando a Medida Provisória 1303 perdeu validade, falta pouco para fechar as
contas do Orçamento de 2026.
O pouco que falta viria com o corte linear de
10% em incentivos fiscais com que Hugo Motta se comprometeu em outubro, mas que
até agora não foi votado. O presidente da Câmara também segue segurando o
projeto que fecha o cerco ao devedor contumaz — aprovado por unanimidade pelo
Senado.
A diferença de temperatura entre as duas
Casas antecipa o que deverá ser a eleição de 2026. O governo até tentou
reconstruir a relação com Motta, mas a escolha de Guilherme Derrite para
relatar a proposta que enfrenta o crime organizado, a forma como o projeto do
governo foi desfigurado e a correria para aprová-lo abortaram a operação.
A avaliação no entorno de Lula é que o afã de
tolher a atuação da Polícia Federal e lhe retirar recursos, demonstrado na
discussão a toque de caixa das muitas versões do relatório de Derrite, tem
relação com as operações policiais recentes que atingiram de frente ou
lateralmente caciques do Centrão e o “andar de cima” do mercado financeiro,
como a Carbono Oculto e a que desvendou as espantosas fraudes do Banco Master.
As ligações políticas do controlador do
Master, Daniel Vorcaro, preso nesta terça-feira, ainda estão por ser plenamente
esquadrinhadas, mas, até aqui, o Centrão parece ser seu bloco de maior
afinidade — embora suas relações abrangessem da esquerda à direita. As
investigações podem até atingir dois governadores da oposição a Lula.
Muitos ruídos ainda advirão do divórcio nada
amigável entre o governo petista e a ala do Centrão representada pelo consórcio
União-PP, mas os dois lados parecem se armar para uma guerra nada fria.

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