quarta-feira, 19 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

BC e PF agiram na hora certa contra Master e Vorcaro

Por O Globo

Liquidação do banco e prisão do dono não esgotam investigação. Ela deve mirar agora braço político do esquema

Veio em boa hora a decisão do Banco Central (BC) de decretar a liquidação extrajudicial do Banco Master. Sob a acusação de negociar títulos fajutos de crédito, o banqueiro Daniel Vorcaro, dono do Master, foi preso pela Polícia Federal (PF) quando estava prestes a decolar de Guarulhos num jatinho rumo à Ilha de Malta. A PF prendeu ainda seu sócio Augusto Lima e outros executivos do banco. A Justiça afastou a cúpula do Banco de Brasília (BRB), também alvo das investigações. Entre os crimes investigados pelas autoridades estão gestão fraudulenta e temerária. Apesar das cifras bilionárias envolvidas, a liquidação do Master não representa risco para o sistema bancário brasileiro. Ao contrário, demonstra a independência e a agilidade da vigilância do BC para preservá-lo.

Vorcaro entrou no mercado bancário na década passada. Herdeiro do setor da construção em Minas Gerais, assumiu o controle de um banco em dificuldades, o Máxima, rebatizou-o como Master e deu início a uma expansão agressiva e acelerada, baseada na captação de recursos oferecendo CDBs a taxas bem mais atraentes que o mercado. Confiava em sua extensa rede de relacionamentos nos gabinetes de Brasília para se manter protegido. Não demorou para que ficassem claras as limitações dessa estratégia. Sem dinheiro para honrar os empréstimos, apelou para conexões políticas na tentativa de salvar seu negócio e seu próprio capital. Em março, o BRB, o banco controlado pelo governo do Distrito Federal, anunciou que compraria 58% das ações do Master, deixando a gestão nas mãos de Vorcaro. Era um acerto esdrúxulo que fez disparar todos os alarmes.

Não faltou pressão de caciques graduados do Congresso para o BC aprovar a operação. A diretoria da autoridade monetária se mostrava dividida, mas no final prevaleceu a opinião do diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução, Renato Gomes — e o BC vetou a compra. Parlamentares chegaram a reunir assinaturas para acabar com a autonomia operacional do BC e demitir os responsáveis pela análise do negócio. Impassível, o BC fez o que qualquer autoridade independente que se preze deveria fazer: repassou ao Ministério Público evidências de uma fraude estimada em R$ 12 bilhões na venda de títulos do Master ao BRB. Foi a semente da operação policial que levou à prisão de Vorcaro.

Ao ver o cerco fechar, o Master fez vazar na segunda-feira ao mercado que o grupo Fictor liderava um consórcio de investidores árabes interessados em comprá-lo. A imprensa foi avisada antes de o assunto ser encaminhado ao BC e depois que a prisão de Vorcaro já havia sido decretada. A PF agiu a tempo de evitar que ele saísse do país.

Graças à autonomia garantida por lei, o BC se manteve imune às pressões políticas e trabalhou de forma exemplar. Barrou o acordo com o BRB, procedeu às diligências cabíveis, ajudou nas investigações e deu tempo para que os acionistas do Master achassem um comprador fidedigno. “Para ter chegado a este ponto, todo o processo deve estar muito robusto”, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. É imprescindível agora que as investigações se estendam sobre todas as ramificações do esquema, estejam elas no BRB, no governo de Brasília ou no Congresso. A punição é o melhor antídoto contra novos crimes. Essa determinação é ainda mais necessária num momento em que o setor financeiro é alvo de investidas do crime organizado.

Governadores e prefeitos americanos compensam falta de Trump na COP30

Por O Globo 

Apesar da política oficial negacionista, despontam líderes ambientais nos EUA, como o californiano Newsom

É evidente que a presença oficial dos Estados Unidos na COP30, em Belém, aumentaria a representatividade política e a força dos acordos que vierem a ser firmados. Afinal, o Acordo de Paris, baseado em compromissos assumidos voluntariamente, foi formulado sob medida para atrair a assinatura do país, segundo maior emissor de gases de efeito estufa. Contaminado pelo negacionismo climático, Donald Trump retirou pela segunda vez os americanos do acordo ao assumir seu atual mandato. Apesar disso, os Estados Unidos não deixaram de marcar presença em Belém.

Por constituírem uma federação sólida, em que governos locais têm grande autonomia para definir políticas ambientais, os Estados Unidos se fizeram representar por governadores e prefeitos cuja posição é antagônica à da Casa Branca. O mais representativo é Gavin Newsom, governador da Califórnia, que trouxe uma comitiva de secretários. Também vieram a Belém os governadores democratas de Novo México e Wisconsin. E ainda esteve lá o prefeito de Phoenix, no Arizona. Ao todo, a delegação de governadores, prefeitos e secretários estaduais americanos é a segunda maior da COP30, inferior apenas à do Brasil, de acordo com Mark Watts, diretor executivo da Cúpula de Prefeitos C40. Sem falar na participação de entidades e organizações não governamentais americanas de defesa do meio ambiente.

Newsom, pré-candidato às primárias democratas para as eleições presidenciais de 2028, herdou na Califórnia um plano de contenção de emissões criado em 2006 pelo republicano Arnold Schwarzenegger. Hoje em seu segundo mandato, lançou diversas políticas de combate ao aquecimento global, de modo independente da Casa Branca. Vale lembrar que, se fosse um país, a Califórnia teria o quarto maior PIB do mundo, superado apenas por Estados Unidos, China e Alemanha. Toda medida ambiental adotada lá tem impacto não apenas no país, mas no planeta.

Os californianos adotaram normas rígidas para a eletrificação da frota e fixaram para 2035 a proibição total da venda de veículos movidos a gasolina. Trabalham para tornar limpas todas as fontes de energia até 2045. Há programas para agricultura, indústria e construção civil. A meta californiana, definida pelo legislativo estadual, é uma redução de 40% nas emissões até 2030, ante 1990. Se depender de Newsom, o alvo é 48%.

É fundamental, portanto, colocar a ausência de Trump e de uma delegação federal americana em perspectiva. Líder em políticas de conservação nos Estados Unidos, a Califórnia já percorreu longo percurso desde 2006 e tem mostrado, na COP30, que seu exemplo inspira outras estados e cidades americanos. Embora o negacionismo de Trump seja mais estridente e visível no momento, por representar a posição oficial de seu país, a transição energética tem sido movida por forças econômicas irresistíveis. Nos próprios Estados Unidos há lideranças que sabem aproveitar a oportunidade como Newsom.

Escândalo Master

Por Folha de S. Paulo

Com liquidação da instituição e prisão de controlador, caso expõe conexões políticas e suspeita de crimes

Dono do Master tem relações com expoentes partidários; já causava estranheza o negócio fechado com o BRB, banco do governo de Brasília

Quebras de bancos por vezes expõem, além de problemas de gestão e supervisão, conexões políticas e até suspeitas de práticas criminosas —quando se convertem em escândalos. Foi assim, por exemplo, com o Econômico e o Nacional nos anos 1990, e o caso do Master toma agora esse caminho.

Nesta terça (18), o Banco Central decretou a liquidação de quase todo o conglomerado da instituição, horas depois de, na noite de segunda (17), a Polícia Federal ter prendido seu controlador, Daniel Vorcaro, em investigação de fraude estimada em R$ 12 bilhões.

Tudo está ainda por ser esclarecido e provado, como é preciso ressalvar, mas os desdobramentos certamente não se limitarão mais à esfera bancária.

Além de Vorcaro e seu sócio Augusto Lima, a Operação Compliance Zero, da PF, cumpriu outros cinco mandados de prisão, mais buscas e apreensões que incluíram a sede do BRB, banco pertencente ao governo de Brasília que em março anunciou a compra do Master, em operação posteriormente vetada pelo BC. O presidente da instituição foi afastado por decisão judicial.

Já causava estranheza, desde o princípio, o negócio fechado com o banco distrital —um resíduo dos tempos, felizmente deixados para trás, em que cada unidade da Federação controlava uma ou mais instituições financeiras, em geral usadas conforme a conveniência dos governantes.

São sabidas as ligações de Vorcaro com políticos como o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), por sua vez próximo do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Não parece coincidência que, quando se finalizava a análise técnica da operação BRB-Master, o centrão tenha articulado um projeto descabido que permitiria ao Congresso demitir dirigentes do BC.

Embora não se vejam riscos para a solidez do sistema bancário, a derrocada do Master não deixará de ter impactos traumáticos. Em especial, para o Fundo Garantidor de Créditos, formado por contribuições das instituições para cobrir parte das perdas de clientes em casos de quebra. Desta vez, o FGC arcará com até R$ 41 bilhões para 1,6 milhão de investidores, recorde em sua história.

O Master era conhecido pela atuação agressiva no mercado, em particular com a venda de CDBs que prometiam rentabilidade elevada com a garantia do fundo bancado por todo o sistema. De acordo com a PF, fez também coisa muito pior —uma carteira de crédito fictícia vendida ao BRB. Duvida-se até do interesse divulgado pela Fictor Holding Financeira na compra do banco.

É inevitável constatar que a supervisão do BC deixou a desejar na prevenção do agravamento da crise do Master. Desde que ela se tornou evidente, ao menos providências foram tomadas, em especial voltadas para a proteção ao FGC. Caberá doravante às autoridades, incluindo a PF e o sistema de Justiça, esmiuçar a extensão e a gravidade do caso, com punição dos responsáveis.

Estado precisa falar a língua da população

Por Folha de S. Paulo

Lei que institui linguagem simples em textos de órgãos públicos favorece transparência e acesso a direitos

Proibição do gênero neutro deve ser considerada à luz do baixo letramento dos brasileiros; transparência exige comunicação acessível

É bem-vinda a lei que institui a Política Nacional de Linguagem Simples nos órgãos de todos os Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, por meio de texto sancionado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na segunda (17).

Para seguir o princípio da transparência nas democracias modernas, não basta que o poder público apenas disponibilize dados, informações e decisões, mas que o faça por meio de comunicação acessível à população.

O projeto, apresentado pela deputada Erika Kokay (PT-DF) em 2019 e aprovado no Senado e na Câmara neste ano, estabelece que a gestão pública deve obedecer a determinadas técnicas de linguagem em textos dirigidos aos cidadãos, como redigir frases curtas em ordem direta e trocar termos técnicos e jargões por sinônimos.

Também não é permitido usar novas formas de flexão de gênero contrárias a normas gramaticais.

Esta última regra despertou controvérsia por se referir à chamada linguagem neutra, que propõe mudanças na língua para incluir pessoas que não se identificam com o gênero feminino ou masculino —o pronome "todos" vira "todes", adjetivos como "bonito" e "bonita" viram "bonite" ou "bonitx", e, além de "ele" e "ela", acrescenta-se o "elu".

A inovação é uma demanda da comunidade LGBTQIA+ para promover inclusão e diversidade na comunicação. A questão se insere na guerra cultural que entrincheira setores à esquerda e à direita em torno de valores e temas do comportamento.

Mas a lei sancionada busca apenas facilitar a compreensão de textos capazes de afetar a vida dos cidadãos num país, ressalte-se, que padece com baixos indicadores de letramento.

Por óbvio, línguas não são imutáveis, mas alterações ocorrem de forma gradual, e é a partir do uso popular generalizado que elas são incorporadas aos dicionários. Ademais, mudanças na concordância entre as palavras —uma das consequências do gênero neutro em línguas latinas, como o português— são raras.

Há um movimento em prol de maior entendimento entre Estado e sociedade. Em 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples para conter o uso excessivo de termos técnicos em textos que pecam pela falta de concisão e objetividade.

Facilitar o acesso a direitos e deveres passa necessariamente por facilitar a comunicação. Nesse sentido, também é imperativo oferecer educação pública de qualidade à população, tarefa que o Estado brasileiro está longe de cumprir a contento.

Vem aí mais uma exclusão de despesas do regime fiscal

Por Valor Econômico

Em mais uma desmoralização do arcabouço fiscal, o Planalto cogita deixar os investimentos em segurança pública fora das metas

A segurança pública voltou a ser a principal preocupação dos brasileiros, segundo as mais variadas pesquisas recentes de opinião. Em meio a uma série de discussões sobre como combater o crime organizado, que vem ocupando espaços inclusive na economia formal de Norte a Sul do país, o Planalto cogita colocar os investimentos em segurança fora das metas do regime fiscal, um expediente que se tornou comum e desmoralizou-o.

Os objetivos do governo são eleitorais. Recentemente, sem que qualquer urgência os recomendasse, o Planalto acertou investimentos de R$ 30 bilhões em Defesa, em parcelas de R$ 5 bilhões fora dos limites estabelecidos para a meta fiscal e para os gastos. O Congresso está contribuindo para a contabilidade frouxa da União empilhando gastos. No mês passado, os deputados aprovaram uma PEC que garante aposentadoria integral e paridade com os reajustes do pessoal da ativa para agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. Eles poderão se aposentar mais cedo do que determinam as regras atuais da Previdência. Em três anos, isso custará R$ 11 bilhões aos cofres públicos, segundo os técnicos. O Judiciário obteve aval da Câmara para reajuste de 26% para seus servidores, uma conta de R$ 8,7 bilhões.

O Congresso articula ainda um presente de Natal, a liberação de mais R$ 3 milhões extras para cada deputado e senador, benesse já batizada de “emenda panetone”.

No período 2024-2026, o governo conseguiu até agora retirar R$ 157,3 bilhões das regras fiscais, numa sequência de exceções em progresso, que não incluem segurança pública. Apesar disso, o governo até agora só colecionou déficits e tem preferido a lei do menor esforço, de atingir o piso da meta fiscal, o que em 2025 significa um resultado negativo de R$ 31 bilhões.

A maior ajuda ao Planalto para evitar que houvesse um fechamento de atividades do governo por falta de recursos para cobrir as despesas discricionárias, que envolvem o custeio da máquina pública, previsto pela maioria dos analistas, foi dada pelo Congresso com a extensão da contabilização dos precários por 10 anos, quando eles deveriam constar integralmente da peça orçamentária a partir de 2027.

Não só o risco de um “shutdown” à brasileira foi evitado com a aprovação das propostas do governo no Congresso, mesmo com a rejeição da MP 1303 (taxação de investimentos isentos, bets, juros sobre capital próprio etc.), como se permitirá que o governo feche também as contas do ano que vem (superávit de 0,25% do PIB) com alguma tranquilidade, segundo os economistas Manoel Pires e Bráulio Borges, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) e do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público da entidade (Valor, 17-11).

Isso não significa que as contas públicas estarão perto do equilíbrio. Ao contrário. Pires e Borges elaboraram um modelo fiscal de médio prazo, adaptando a metodologia do Congressional Budget Office dos EUA, tendo como ponto de partida o Relatório de Receitas e Despesas do Tesouro do quarto bimestre, o mais recente disponível. Pelo modelo, os déficits primários estendem-se até 2036, por mais dez longos anos, se nada mudar.

Há, além disso, uma piora do déficit a partir de 2029, para perto de 1% do PIB. Isso porque em 2028 a União já estará aportando recursos ao Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, com desembolso de R$ 160 bilhões em quatro anos, até 2032. A situação fiscal piora até 2032 também porque a produção de petróleo começa a cair a partir da virada da década, e, com ela, a arrecadação de royalties e participações.

Com essas inclusões, da obrigação de colocar recursos no fundo e da queda da produção do petróleo, que os economistas não parecem estar levando em conta, segundo Pires, o esforço fiscal para se atingir o piso da meta exigirá um superávit de 1% do PIB em 2029. Como o rombo no ano é estimado em 0,6% do PIB, será preciso uma reviravolta de 1,6% do PIB para manter o regime fiscal funcionando.

O pacote de medidas que o governo conseguiu passar dá uma folga de 0,18% no ano das eleições, considerado o projeto de orçamento atual. O buraco de 0,75% previsto para 2027 será tapado e zerado.

O rombo fiscal total, o déficit nominal, que contempla o resultado primário e a conta de juros, no entanto, é maior e preocupante. Não houve superávit no terceiro governo de Lula e a conta de juros pagos pelo Tesouro por uma dívida que não para de crescer é de pelo menos 8% do PIB nos últimos dois anos. Como o governo não deverá deixar de bancar a investida eleitoral com mais gastos, a dívida bruta chegará a 83,6% do Produto Interno Bruto, 11 pontos percentuais acima daquela com que Lula assumiu em 2023, ou um avanço de R$ 1,2 trilhão em valores correntes. Se pelo efeito do estímulo dos gastos na economia a inflação parar de cair, o Banco Central acabará por manter os juros muito altos e o prejuízo para as contas públicas será ainda maior do que já é.

Há muito a explicar no caso Master

Por O Estado de S. Paulo

Liquidação do banco e prisão de seu controlador estão longe de pôr um ponto final no escândalo, sobre o qual muita gente – no Banco Central, no DF e no Congresso – deve explicações

Dois meses após acertadamente reprovar a compra de parte do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB), o Banco Central (BC) decretou ontem a liquidação extrajudicial do Master, cujo dono, Daniel Vorcaro, foi preso pela Polícia Federal em aparente tentativa de fuga do Brasil.

Embora a decisão do BC soe como um epílogo para o banco de Vorcaro como instituição financeira, o caso ainda vai pairar por muito tempo sobre o sistema financeiro e sobre o mundo político. Muita gente deve explicações e esclarecimentos sobre o escândalo – a começar pelo próprio Banco Central, sob cuja supervisão o Master atuou com temeridade gritante.

Outra entidade que precisa dar explicações é o BRB. Mesmo sem ter a necessária autorização da Câmara Legislativa do Distrito Federal (DF) para o negócio com o Master, o BRB anunciou a transação em março deste ano alardeando que se tratava de uma excelente oportunidade.

Somente em agosto, e por determinação da Justiça, os legisladores do DF deram seu parecer sobre um negócio estimado em R$ 2 bilhões. Àquela altura o BC já vinha, semanas a fio, avaliando a propriedade do negócio, que vetaria no mês seguinte. Notícias sobre atividades obscuras envolvendo o Master pululavam na imprensa.

Ainda assim, a Câmara do DF levou apenas uma tarde para aprovar a compra do Master pelo BRB. Consta em Brasília que Vorcaro tem excelentes relações com poderosos membros do governo local e do Congresso Nacional, como o senador Ciro Nogueira e com o deputado Arthur Lira.

Agora, a investigação da PF e do Ministério Público Federal revela que tudo é muito pior do que parecia ser. Indícios de que o Master vendeu R$ 12,2 bilhões em carteiras de crédito inexistentes ao BRB foram descobertos. Além disso, o banco de Vorcaro entregou documentos falsos ao BC, numa tentativa de tornar justificável a operação com o banco público do Distrito Federal.

Tudo sugere que a compra do Master pelo BRB faria parte de uma encenação para encobrir fraudes bilionárias do banco de Vorcaro. Como o BC vetou o negócio com o banco público, o Master tentou então uma salvação por meio de um consórcio formado pela Fictor Holding Financeira e um grupo de investidores árabes desconhecidos. O arranjo suspeitíssimo felizmente teve vida curta. Menos de um dia depois, a PF prendeu Vorcaro e o BC anunciou a liquidação do Master.

É importante reconhecer que, desde que o negócio entre BRB e Master foi anunciado, o BC vem atuando como se espera: de forma técnica e sem arroubos. Mas não foram poucas as tentativas de constranger a autarquia. Como os meses corriam e a aprovação do negócio entre BRB e Master não saía, lideranças do Centrão tentaram emplacar um projeto de lei que permitiria ao Congresso destituir presidentes e diretores do BC, prerrogativa exclusiva do presidente da República. Embora não tenha avançado, a estapafúrdia proposta dá a dimensão dos interesses nada republicanos envolvidos no caso.

O crescimento vertiginoso do Master ocorreu por meio de uma estratégia bastante temerária. O banco oferecia produtos bancários, como CDBs, com rendimentos muito superiores aos do mercado como um todo, usando o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) como chamariz. Criado nos anos 90, o FGC recebe aportes de instituições financeiras para garantir estabilidade aos investidores.

Ocorre que todo e qualquer investimento, por mais seguro que seja, envolve riscos e, na prática, o que o Master fez foi usurpar o FGC. O banco de Vorcaro usava os recursos dos investidores para fazer seus negócios nebulosos contando com o apoio do fundo, como se fosse o parente que gasta o dinheiro do aluguel sabendo que os demais membros da família economizaram recursos para pagá-lo.

Foi só após o Master ter se transformado num risco excessivo para o FGC que as regras de contribuição dos associados ao fundo foram endurecidas.

Agora, só resta esperar que todo e qualquer ente público com negócios com o Master, especialmente após a negativa ao acordo com o BRB, seja investigado. E que não seja necessário outro caso como esse para que regras que garantem o bom funcionamento do sistema financeiro sejam ajustadas.

O resgate de Gaza

Por O Estado de S. Paulo

Conselho de Segurança da ONU finalmente aprova um plano realista, começando por reconhecer que não é possível reconstruir Gaza se os palestinos continuarem reféns dos terroristas do Hamas

Após dois anos de guerra e incontáveis fracassos diplomáticos, o Conselho de Segurança da ONU aprovou, enfim, uma resolução que parece romper o círculo vicioso de Gaza. A Resolução 2803, endossando integralmente o plano de paz de 20 pontos apresentado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é o primeiro texto das Nações Unidas a exigir de forma explícita o desarmamento do Hamas e a desmilitarização da Faixa de Gaza. O que há de novo não é apenas o conteúdo, mas o consenso: 13 votos a favor, nenhum contra, apenas as abstenções de Rússia e China.

O desenho é ambicioso. Um Conselho de Paz – órgão civil e financeiro – supervisionará a reconstrução e a administração provisória de Gaza, em parceria com o Banco Mundial. A segurança ficará a cargo de uma Força Internacional de Estabilização (ISF), composta por países que, em coordenação com Israel e Egito, atuarão para restaurar a ordem, desmantelar arsenais e neutralizar milícias. Trata-se de uma tutela internacional temporária: um regime de transição para preencher o vácuo de autoridade e preparar o terreno para uma futura autogovernança palestina.

É um reconhecimento tardio de que Gaza não pode ser reconstruída sobre o mesmo alicerce que a destruiu. Nenhum investimento, nenhuma escola ou hospital resistirá, se a população de Gaza permanecer refém de terroristas. O desarmamento do Hamas não é um detalhe técnico, mas a condição sine qua non de qualquer processo político viável. A experiência do Líbano – onde a ONU tolerou o rearmamento do Hezbollah sob o pretexto da “estabilidade” – serve de advertência: uma força internacional sem mandato claro acaba protegendo o predador, não a presa.

O desafio é evitar que Gaza se torne outra dessas zonas de “paz vigiada” que congelam conflitos, em vez de resolvê-los. A ISF terá de agir com autoridade real, não apenas patrulhar escombros. O Conselho de Paz precisará combinar transparência financeira e poder decisório, de modo a impedir que a reconstrução seja capturada por facções. E a Autoridade Palestina, corrupta e esclerosada, precisará se comprometer com um processo rigoroso de regeneração. O risco é duplo: a inércia, se o medo de provocar o Hamas paralisar a força internacional; e a ingenuidade, se a pressa em devolver o controle local reinstalar o regime de terror.

Ainda assim, há razões para um otimismo cauteloso. A convergência entre os Estados Unidos, países árabes e a própria Autoridade Palestina indica um pragmatismo inédito. A visita de Mohammed bin Salman a Washington, em busca de um pacto de defesa e de garantias para a transição pós-guerra, sinaliza a possibilidade de a Arábia Saudita assumir, em troca, um papel construtivo na reconstrução de Gaza. A estabilidade do Golfo, a normalização das relações entre árabes e israelenses, a retomada dos investimentos e, no fim do processo, um Estado palestino dependem do êxito desse experimento em Gaza.

Seu sucesso será pavimentado menos por discursos do que por coerência. Se o desarmamento não ocorrer, se a ISF se mostrar tímida, se o Conselho de Paz for minado por disputas internas, o resultado será apenas mais um interregno de ruínas. Mas, se a força internacional agir com determinação e o processo de reconstrução for conduzido com profissionalismo, Gaza poderá – pela primeira vez em uma geração – sair do ciclo de destruição e revanche.

A resolução não é um milagre, mas um teste. Testa a capacidade dos árabes de cooperar entre si, a disposição de Israel de conter sua desconfiança e a seriedade dos EUA e de toda a comunidade internacional em sustentar a própria iniciativa. Testa, sobretudo, a ideia de que a paz pode ser construída sob autoridade legítima, e não sob concessões recíprocas de fraqueza.

O Oriente Médio já viu muitos planos de paz se desfazerem em pó. Este, ao menos, começa do lado certo da equação: o da ordem. Se conseguir transformar tutela em governança, e segurança em convivência, poderá marcar o início de uma era menos cínica. Se não, poderá ser lembrado como o último esforço racional antes que a região volte a ser governada, mais uma vez, pelo caos.

O cidadão agradece

Por O Estado de S. Paulo

Proibição de uso da linguagem neutra em comunicações oficiais do Estado brasileiro é a verdadeira inclusão

Sancionada pelo presidente Lula da Silva durante a COP-30, a Lei 15.263 surgiu como um alívio em meio às pressões da militância identitária pela adoção da chamada linguagem de gênero neutro nas comunicações oficiais do Estado brasileiro. O enunciado legal, por si só, confirma seu caráter inclusivo: “Política Nacional de Linguagem Simples”. E propõe o básico, isto é, a adoção de discurso direto, de fácil compreensão, acessível a qualquer pessoa. Em resumo: estabelece como padrão a norma culta do idioma, para que qualquer pessoa alfabetizada possa compreender sem dificuldade – e ainda manda testar a mensagem antes da divulgação para aferir se o receptor é capaz de entendê-la.

Ao mesmo tempo que orienta a administração pública a “não usar novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas”, a nova lei determina também que, nos casos em que a comunicação oficial se destinar a comunidades indígenas, “além da versão do texto em língua portuguesa, deverá ser publicada, sempre que possível, uma versão na língua dos destinatários”. Trata-se de providência muito justa, num país que, de acordo com o IBGE, registra 295 línguas indígenas faladas por 391 etnias.

Se dependesse da militância identitária, contudo, os comunicados oficiais teriam de se haver com flexões de gênero inexistentes na norma culta da língua portuguesa. Por exemplo, em vez de “todos”, que, como manda a boa norma, aplica o masculino genérico para designar indistintamente homens e mulheres, os ativistas das causas identitárias defendem que se use “todes” – o que supostamente englobaria todos os gêneros possíveis.

Essa moda pegou no governo Lula. Quando tomou posse na Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha saudou os presentes com um “boa tarde a todas, a todos e a todes”. E, em 2023, o Ministério da Gestão e da Inovação adotou a linguagem “inclusiva” em seus comunicados para “reverter uma situação de discriminação e ocultação de grupos socialmente minorizados nas formas de comunicação”. Ocorre que “todes” ou outras expressões desse dialeto supostamente “inclusivo” não constam de nenhuma gramática normal, razão pela qual não se pode esperar que os cidadãos, alfabetizados conforme a norma culta, entendam rapidamente do que se trata, o que inviabiliza a comunicação oficial. Logo, não se pode dizer que a lei sancionada por Lula seja preconceituosa. Ao contrário: a lei é totalmente inclusiva. Ao proibir a adoção de uma variante do idioma que a maioria da população não domina, a nova norma assegura o caráter democrático da comunicação oficial.

Compreende-se o esforço de minorias de se fazerem representar na língua portuguesa, expressão máxima da nacionalidade, mas isso não se dará por meio da imposição de regras incompreensíveis e arbitrárias. A língua muda e se adapta com o tempo e os costumes, o que leva gerações e ocorre de maneira natural. Talvez um dia a expressão “todes” seja compreendida por todos, mas esse dia ainda está longe.

Louve-se, nesse particular, a coragem do presidente Lula, que sancionou sem vetos uma lei que contraria frontalmente uma parte relevante de seu eleitorado. Cidadãos brasileiros de todos os gêneros agradecem.

Dos estádios à COP30, o preconceito ainda persiste no país

Por Correio Braziliense

Não se tratou de um episódio isolado, tampouco de um "destempero" momentâneo. O preconceito tem cadeira cativa nas disputas esportivas pelo país

A cena registrada na arquibancada do Estádio da Ressacada, em Florianópolis, durante a partida entre Avaí e Remo, revelou, mais uma vez, o pior de parte da população brasileira. No vídeo, que rapidamente se espalhou pelas mídias sociais, uma torcedora do clube catarinense dispara ofensas xenofóbicas contra torcedores paraenses. Não se tratou de um episódio isolado, tampouco de um "destempero" momentâneo. O preconceito tem cadeira cativa nas disputas esportivas pelo país. 

Outro episódio recente expôs a mesma lógica excludente, mas em escala diplomática. Questionado sobre a COP30, sediada em Belém, o chanceler alemão Friedrich Merz afirmou que "ficou feliz" por deixar o Brasil após a conferência. "Senhoras e senhores, vivemos em um dos países mais bonitos do mundo. Na semana passada, perguntei a alguns jornalistas que estiveram comigo no Brasil: 'Quem de vocês gostaria de ficar aqui?'. Ninguém levantou a mão. Todos ficaram felizes por termos voltado para a Alemanha, principalmente por termos saído daquele lugar onde estávamos", disse. 

Merz reforçou o preconceito, nacional e internacional, de que a Amazônia e suas principais cidades são territórios atrasados, incapazes, indignas de sediar uma conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o meio ambiente. Em nota  à BBC News Brasil, um porta-voz do chanceler argumentou que ele "lamentou que, devido à falta de tempo, não tenha podido viajar até a orla da Amazônia e vivenciar em primeira mão a beleza natural deslumbrante da região" e "descreveu o Brasil como um importante país parceiro da Alemanha".

Os dois episódios retratam  a expressão pública de uma prática antiga: a desumanização de quem está longe dos grandes centros, frequentemente tratado como cidadão de segunda classe, inclusive dentro do próprio país. Ainda que boa parte do Brasil se orgulhe de sua diversidade cultural, uma fatia cada vez mais barulhenta e muito poderosa, econômica e politicamente, persiste em uma hierarquia invisível que coloca o Sul-Sudeste como centro civilizatório e relega as regiões Norte e Nordeste a um estereótipo folclórico e inferior. 

Tal pensamento é replicado também por quem representa o povo brasileiro no Legislativo e em governos estaduais, como a formação de blocos políticos de viés separatista, como o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), que se une em prol da divisão, por mais contraditório seja.

Reconhecer a xenofobia contra nortistas é o primeiro passo para combatê-la. Nesse sentido, o Avaí suspendeu o direito da mulher de frequentar seus eventos. O segundo passo é garantir que episódios como os que vimos nas arquibancadas e na COP30 não sejam tratados como casos isolados, mas como retratos de uma sociedade elitista, resistente a abrir mão de privilégios e se abrir à valorização das diversidades. O Brasil só será verdadeiramente plural quando reconhecer, de maneira igualitária e universal, todos os seus Brasis.

Chanceler alemão trata o Brasil com arrogância

Por O Povo (CE)

O discurso inepto de Friedrich Merz não será capaz de abalar as relações entre Brasil e Alemanha, mas seria muito bem-vindo um pedido de desculpas do chefe do governo alemão.

É difícil entender por que o chanceler alemão, Friedrich Merz, fez uma crítica tão ácida, eivada de preconceito contra o Brasil e, mais especificamente, à cidade de Belém, onde se desenrola a COP30, com a participação de 170 países e a presença de 50 mil pessoas de diversas partes do mundo.

De volta à Alemanha, falando em um evento para empresários, ele discursou dizendo que os alemães viviam em um dos países mais bonitos do mundo, e emendou: "Perguntei a alguns jornalistas que estiveram comigo no Brasil na semana passada: 'Quem de vocês gostaria de ficar aqui?' Ninguém levantou a mão. Todos ficamos contentes por regressar à Alemanha, sobretudo daquele local onde estávamos (Belém).

Não que o Brasil ou a organização da COP estejam isentos de críticas, mas existem canais diplomáticos e linguagem apropriada para fazer referências a um país amigo, ainda que duras. O mais provável é que o chanceler estivesse querendo agradar o público interno, fazendo uma comparação depreciativa para destacar uma suposta superioridade da Alemanha.

O modo perverso como Merz fez a referência ao Brasil e a Belém revela arrogância e desprezo por um país e uma região que, em vez de serem parte do problema climático, são essenciais à sua solução. O chanceler deveria saber que a visão restrita propiciada pelos poucos dias em que esteve em Belém, em plena floresta amazônica, é insuficiente para um julgamento sumário como o que ele fez.

Coube ao prefeito de Belém, Igor Normando (MDB), repor as coisas no lugar, lembrando, em vídeo divulgado em uma rede social, que a amazônia "ajudou o mundo inteiro a respirar", destacando ser preciso ter "empatia" com o povo da floresta, que contribui para "com equilíbrio e sustentabilidade" das florestas.

Depois da repercussão negativa da fala do chanceler, o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Carsten Schneider, disse que o Brasil é "um país maravilhoso", lamentando não poder ficar mais tempo após a COP". E emendou: "Teria algumas ideias, por exemplo, pescar com os meus amigos da Amazônia", em uma resposta bem-humorada a Merz, que disse ter se sentido feliz por voltar rapidamente à Alemanha.

Mas o fato é que as críticas do chanceler da Alemanha não terão nenhum efeito negativo sobre as propostas que estão em debate na Conferência sobre as Mudanças Climática, que ainda segue. A Alemanha mesmo já se comprometeu a investir uma soma "considerável" no Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), lançado na COP pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O discurso inepto de Merz também não será capaz de abalar as relações entre Brasil e Alemanha, mas seria muito bem-vindo um pedido de desculpas do chefe do governo alemão.

 

 


 

 

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